Depois de sofrer uma dura derrota nas eleições de 2010, que lhe custou o poder, o Partido Trabalhista inglês deu a volta por cima.
Neste ano, ganhou as eleições municipais e nas pesquisas do mês passado deixou o Partido Conservador para traz, com um placar de 42% das preferências, contra apenas 34% dos adversários históricos.
Mais do que uma atuação brilhante de sua liderança, o que lhe deu essa posição foi o fracasso do governo Cameron em vencer os desafios da crise que assola toda a Europa.
Para dar uma idéia, em 2011, o PIB do Reino Unido cresceu apenas 0,7%, enquanto o desemprego foi a 8%.
Como não se espera grandes mudanças nos próximos anos, o Partido Trabalhista pode ser considerado o favorito destacado para as eleições parlamentares em 2015.
Que podem até ser antecipadas caso os liberais renunciem à sua incômoda posição no governo, forçando a queda do gabinete.
Seja como for, é hora dos trabalhistas começarem a pensar no seu futuro como próximo governo do país.
Com a vitória de Tony Blair, desligando o partido da submissão aos sindicatos, os trabalhistas deslocaram-se mais para a direita até uma posição de centro.
No decorrer dos anos, esse deslocamento se acentuou, com um afastamento progressivo das posições de esquerda e uma marcante descaracterização do partido.
Essa foi possivelmente a principal razão da queda gradual do trabalhismo inglês que culminou com a derrota eleitoral diante dos conservadores, em 2010.
De fato, estudos mostraram que dos 5 milhões de votos perdidos nesse ano, 4 milhões foram para a abstenção ou para os liberais democratas, sendo que apenas 1 milhão foram para os conservadores.
Esses números demonstram que, para manter a maioria agora recuperada, o Partido Trabalhista precisa voltar-se para seus eleitores tradicionais que se situam nas faixas da esquerda e do centro-esquerda.
Claro, isso supõe identificação com suas idéias e propostas que atendam a suas necessidades e anseios.
Embora política internacional não seja a área que mais interessa aos eleitores ingleses, ela não deixa de ser relevante, inclusive pelas suas repercussões, principalmente na economia do país.
Miliband, o líder do partido, parece decidido a levar os trabalhistas para uma posição progressista em política internacional.
Na sua posse como líder do partido, ele condenou a guerra do Iraque e a participação militar britânica, além de criticar Israel pelo bloqueio de Gaza.
No entanto, isso é pouco para mostrar aos militantes trabalhistas que a linha de política internacional do partido mudou – não é a mesma de Tony Blair e Gordon Brown.
O que se exige agora do trabalhismo é que assuma posições moralmente corretas por serem alinhadas com a justiça. E corajosas por, se necessário, oporem-se aos EUA e seus parceiros europeus.
Refiro-me a posições como o reconhecimento da independência da Palestina na ONU; um acordo nuclear justo com o Irã; pressão para Israel aceitar uma Palestina independente e viável, com base nos limites de 1967, e fim do bloqueio de Gaza.
Agindo assim, Miliband fatalmente estaria fazendo oposição à política externa americana.
Isso, certamente, provocaria contestações na imprensa e na Câmara dos Comuns. Mas seria benéfico em termos eleitorais e não causaria maiores problemas com os EUA, pois, afinal de contas, Miliband não estaria falando em nome do Reino Unido, apenas no do seu partido.
E não alteraria um milímetro a política de alinhamento total do governo conservador com a Casa Branca.
Problemas surgiriam a partir de 2015, quando o trabalhismo provavelmente estará no poder.
Não será fácil romper com uma política externa historicamente desenvolvida sob a liderança de Washington.
A hegemonia americana sobre o Reino Unido, que nos tempos de Tony Blair chegou ao ridículo pela excessiva subserviência do Primeiro-Ministro inglês, vem de longe.
A aliança anglo-americana é uma tradição e na Inglaterra tradições são muito difíceis de serem rompidas.
No caso destes dois países, não houve exatamente uma relação de exploração pela potência hegemônica.
Ao “amem” inglês às decisões internacionais americanas não têm faltado retribuições de Tio Sam, como no caso do apoio prestado na Guerra das Malvinas.
Chegando os trabalhistas a Whitehall, a amizade com os EUA não deve necessariamente acabar; apenas tornar-se de igual para igual.
Mas será que sobreviveria se um governo trabalhista negar tropas a alguma intervenção militar americana no Oriente Médio?
Ou defender sanções contra Israel, caso seu governo desse prosseguimento à política de Netanyahu na Palestina?
Além dos inevitáveis choques que um governo de centro-esquerda teria com a política de Tio Sam, há outro problema no horizonte desse futuro, porém provável governo: as relações com as autocracias do Oriente Médio.
Os compromissos ingleses com governos ditatoriais e monarquias como a Arábia Saudita, o Bahrein, a Jordânia e o Kuwait também são sólidos e antigos.
Os governos do Reino Unido tem oferecido apoio militar, treinamento e armas a esses regimes. E recebido em troca concessões petrolíferas e oportunidades de bons negócios.
Recentemente, o próprio Tony Blair manteve lucrativas operações particulares com o governo kuwaitiano.
Mas, com a Primavera Árabe, mais dia menos dia, todos esses regimes, hoje ainda firmes, terão dificuldades em se manter.
Para o militante típico trabalhista, seu partido tem obrigação de ficar ao lado dos revolucionários democratas do Oriente Médio.
Sendo governo, Miliband ficará diante de um dilema: romper com uma linha de aliança política e militar com os tiranos árabes e perder inegáveis vantagens econômicas ou apoiar essa gente e perder os elementos mais dinâmicos do trabalhismo, arriscando as eleições seguintes.
Se ele optar pela primeira decisão estará automaticamente abandonando uma atuação internacional imperialista pouco adequada à atualidade do Reino Unido. Em outras palavras, estará renunciando às reminiscências de um império, que deixou de ser há muitos anos.
Sem precisar ter forças armadas poderosas, prontas para intervenções no exterior, o governo reduzirá substancialmente seus orçamentos militares. E não tendo de suprir com armamentos os estados clientes do Oriente Médio, não precisará mais conceder os vultosos subsídios às indústrias do setor.
Com as economias nos orçamentos militares e o corte de subsídios, o governo poderá investir mais no país, ajudando a criar um setor industrial high tech, na vanguarda das conquistas do nosso tempo.
Assim, o trabalhismo manteria sua base unida, seus princípios respeitados e o povo da velha Inglaterra seria substancialmente beneficiado.