Egito: governo faz jogo duplo.

71% dos egípcios não querem ajuda econômica dos EUA. É o que informa recente pesquisa do Gallup. E mais: 74% são contra financiamentos americanos a ONGs.

São dados que deram o que pensar à Junta Militar egípcia, cuja retirada vem sendo exigida pelas multidões na praça Tahr, em repetidas manifestações.

Talvez por isso, ela decidiu invadir as ONGs americanas, para uma busca geral nos seus documentos.            E, a seguir, processar 43 ativistas, sendo 19 americanos, aos quais foi negado sair do país antes das audiências preliminares. Motivo do processo: interferência nas eleições egípcias, financiando certos agrupamentos e candidatos.

Estas ações deixaram os americanos ao mesmo tempo surpresos e indignados.

Surpresos porque os EUA sempre se deu bem com os generais, a cujo exército concede generosos subsídios, além de prestativas remessas de gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral para lidar com as massas revoltadas.

Indignados porque, além destes favores, os generais haviam garantido à Casa Branca amizade eterna e a manutenção do acordo de paz com Israel.

A reação americana foi pronta, com políticos e altas autoridades ameaçando fechar a torneira e deixar os militares sem chance de saciar sua sede de mais armamentos importantes para reforçar seu capital político. A Casa Branca exigiu explicações. E Hillary Clinton ameaçou com o corte da ajuda financeira.

Dilema cruel para os egípcios: ou darem uma de nacionalistas e fecharem com o povo ou serem pragmáticos, maneirando a situação. Processos podem durar muito tempo, afinal isso é da essência dos processos em todo o mundo; os 19 americanos podem ir embora, jurando que voltarão para o julgamento. E la nave va.

A estratégia adotada pela Junta Militar, foi seguir os dois caminhos.

Faysa Abouelnaga, Ministro do Planejamento e da Cooperação Econômica, entrou de sola. Os EUA e Israel desejariam sequestrar a revolução egípcia, ela garantiu. E explicou: ”… não podem criar diretamente um estado de caos e trabalhar para mantê-lo no Egito, portanto usam o financiamento direto de organizações, especialmente ONGs americanas, como o meio de implementar seus objetivos.”

Kamal-al-Gazouri, o primeiro ministro, foi contundente: “O Egito não se ajoelhará. O Egito aplicará a lei e não voltará atrás por causa da ajuda ou de outros motivos.”

Coube ao Marechal Tantawi, o chefe do exército, lançar um jato de água para, não apagar o fogo propriamente, mas abaixá-lo. Na reunião com seus belicosos ministros ele ressaltou “…a importância de manter estável o relacionamento entre EUA e Egito. E mesmo fortalecê-lo.”

Parece que será a palavra final pois, apesar do frondoso corpo de ministros, quem dá as cartas é mesmo a Junta Militar.

Mas não será fácil.

A Irmandade Muçulmana, que ora apoia, ora ataca o governo, entrou na discussão de maneira bastante criativa.

Um dos seus membros, Essan El-Erian, presidente do Comitê de Assuntos Estrangeiros do Parlamento Egípcio, lembrou que a ajuda militar americana era uma cláusula dos acordos de Camp David, em 1979, celebrados com Israel. Cancelada a ajuda, o tratado automaticamente estaria revogado. E caberia ao Parlamento, se for o caso, renegociá-lo com Israel, desta vez em termos mais vantajosos para os egípcios.

E a agência estatal de notícias MENA acaba de informar que numa investigação judicial dos diversos grupos da sociedade civil descobriu-se que os EUA desviaram a ajuda prometida para a infraestrutura egípcia, para as ONGs americanas.

Como, no Egito de hoje, quem faz investigações judiciais são militares, podemos supor a existência de oficiais nacionalistas que não pretendem ceder à pressão americana e às posições do marechal Tantawi e da Junta Militar, que ele preside.

Nesse duelo, tudo indica que os generais passarão o abacaxi para a Justiça Militar, onde está correndo o processo.

Afinal, quando o povo reclama das condenações de ativistas, eles respondem que julgar é função de juízes.

Falando sério, trata-se de uma afirmação que, no Egito, é altamente discutível.

Provavelmente, a junta de generais irá por na balança, em um lado, seus possíveis ganhos de imagem, no outro, os 1,3 bilhão de ajuda militar, mais 250 milhões de ajuda à economia, que Tio Sam costuma mandar.

Quem pesar mais, leva.

 

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