Falando sobre o próximo governo de George Bush, diz George Friedman, em Stratford online, um boletim de “inteligência global”: “em geral, presidentes no segundo mandato tendem a interessar-se menos pelo processo político do que no seu lugar na história. A serem mais agressivos”.
Agora sem eleições no horizonte, já que não pode recandidatar-se, Bush partiria para medidas ainda mais fortes contra os países que contestam os interesses e valores ianques. Afinal, ele só tem mais 4 anos no poder e está longe de concluir sua obra. A Al Qaeda continua ativa; no Iraque, a insurgência corre solta ; Síria, Irã e Coréia do Norte mantém seus desafios;o terrorismo prolifera; e a Rússia começa a se opor à expansão do império no seu quintal.
A opção pela linha dura estaria por trás da convocação de emblemáticos falcões como Alberto Gonzalez (co-autor da lei Patriot 1) para Secretário da Justiça e Condoleezza Rice, para Secretária de Estado.
Além disso, seu orçamento militar recorde de 422 bilhões de dólares para 2005 demonstra que ele não está para brincadeiras.
No entanto, a cruel realidade ameaça os sonhos bélicos de Bush. A situação financeira dos Estados Unidos é muito grave. Em 2003, seu déficit orçamentário foi de 530 bilhões de dólares. Em 2004, deve ficar por aí. O dólar vem se desvalorizando em velocidade de Fórmula 1. Somando-se a isso, relatório da ASCE (Sociedade Americana de Engenharia Civil) demonstra que o país está com gravíssimas carências sociais básicas e de infra-estrutura, exigindo investimentos de 1,6 trilhão de dólares nos próximos 5 anos. O que aponta para uma extrema e urgente necessidade de redução de gastos. E guerras (mesmo preventivas) custam caro. No Iraque, já foram gastos 200 bilhões e 1.300 soldados foram mortos, até agora, além de 30 mil feridos, dos quais só 60% puderam voltar ao serviço.
Assim, Bush se vê no meio de duas pressões opostas. De um lado, o sonho de construir um mundo democrata e fiel, sob a hegemonia incontestada dos Estados Unidos, o que deve exigir soluções de força. De outro, os graves problemas financeiros e humanos do seu país, que desaconselham novas aventuras bélicas.
Provavelmente, o prato penderá para um lado ou outro conforme o caso concreto. Claro, a opção militar não será a primeira – afinal a situação atual não comporta precipitações desse tipo. Antes de usá-la, Bush dispõe de outras, disponibilizadas pelo imenso poder militar e econômico americano.
Pressões e ameaças são as armas mais baratas do seu arsenal. Foi com elas que Bush dobrou Kadafi; obrigou a Síria a moderar seu apoio aos insurgentes sunitas; forçou o Irã e a Coréia do Norte a buscarem acordos para controle dos seus projetos atômicos. Será também com esse tipo de dissuasão que Bush deverá buscar a paz na Palestina. No entanto, não se deve contar que ela venha a ser justa.
O moderado Abbas, provável sucessor de Arafat, certamente exigirá a retirada do exército israelense da Cisjordânia, a evacuação dos assentamentos judeus, a entrega da parte de Jerusalém habitada por árabes e a derrubada do Muro. Mas essas concessões Sharon já vetou terminantemente.
Nunca Bush irá contrariar seu tradicional aliado. O provável é que ele ameace Abbas com o mesmo tratamento hostil dado a Arafat quando ele recusar as velhas e inócuas propostas que Sharon deverá repetir.
Apesar de Bush e Putin trocarem declarações de amor (Putin chegou a pedir votos para seu colega, embora critique a invasão do Iraque), seus interesses se chocam. Depois de tirar a Rússia do abismo em que as privatizações de Yeltsin a haviam lançado, Putin busca recuperar o status de super potência, mantendo e reforçando a liderança do país sobre as demais ex-repúblicas soviéticas.
Esta idéia é mal vista por Bush. Como diz Michael Klare, membro do Comitê Internacional de Estudos sobre Segurança, “há uma verdadeira obsessão no governo Bush com a emergência de potências rivais”. Especialmente quando elas dominam uma das maiores áreas produtoras de petróleo do mundo, possuem muitas bombas atômicas e um grande exército.
Usando muito dinheiro e experts em marketing, os americanos conseguiram ganhar os governos antes pró Rússia da Geórgia e da Ucrânia. Perderam na Belarus. Putin pecou contra o ideário liberal ao prender Khodorkovsky, o homem mais rico da Rússia, dono da Yukos ,maior produtora de petróleo, que acabou sendo leiloada e comprada por uma estatal, a Gasprom que assim tornou-se a maior empresa de energia do mundo. Fato veementemente atacado nos Estados Unidos, onde Putin é agora chamado de um novo Hitler não só por ter reestatizado um setor básico da economia mas também por ser Khodorkovsky ardente defensor da penetração de capitais americanos nesse setor.
Enquanto a guerra fria ensaia sua volta , a no Iraque continua quente porém, agora, com uma reorganização dos dois campos opostos. Como os xiitas defendem as eleições em janeiro, já que elas lhes darão o poder (são 60% da população), sua união com os insurgentes sunitas, que começava a se concretizar, acabou. Desse modo, os xiitas, gostando ou não, ficaram ao lado do governo colaboracionista e dos americanos, contra os sunitas, que não admitem – eleições. E vêm promovendo violentos atentados para evitá-las, inclusive vitimando xiitas. A luta dos sunitas insurgentes tende a continuar mesmo depois da posse do governo resultante das eleições, que será certamente xiita. E que precisará dos soldados americanos para se manter no poder, até acabar de formar um exército e uma polícia iraquianos. Não poderá mandar os invasores embora já mesmo querendo. Essa situação só se resolverá se sunitas e xiitas chegarem a um acordo de divisão do poder, o que é problemático. Mas, se isso for conseguido, Bush vai aceitar retirar-se, deixando um governo religioso islâmico ou, no mínimo, amigo do governo também xiita do Irã?
A escalada do império ensejará novos conflitos em 2005. Bush terá que se ver com um Putin mais ativo. As coisas no Iraque mudarão bastante, haverá desdobramentos imponderáveis. O Irã e a Coréia do Norte já perceberam que, para evitarem ataques preventivos, bombas atômicas são mais eficientes do que a ONU e o direito internacional. E sem a desculpa do “Arafat inaceitável” será difícil continuar impondo condições severas aos palestinos.
Por ser seu segundo mandato, Bush tenderia a não ligar muito para a opinião pública e a mostrar (e usar) suas garras com liberalidade. Mas os problemas financeiros e infraestruturais dos Estados Unidos devem brecar seus ímpetos.