Zâmbia: pobre nação rica.

Cobre é uma riqueza natural altamente valorizada por sua importância nas indústrias.

A Zâmbia tem uma das três maiores reservas mundiais de cobre, que representa 90% de suas exportações. Além disso, é grande produtora de esmeraldas, açúcar, milho e outros cereais.

No entanto, mais de 64% de sua população vive abaixo da linha da pobreza. Com menos de um dólar por dia.

O PIB médio nacional é de 1.700 dólares anuais. E o desemprego em 2012 chegava a 17%.

No ranking de Desenvolvimento Humano da ONU, a Zâmbia ocupa o 164º lugar entre 187 nações. A expectativa de vida é de apenas 48 anos. 45% das crianças do país são desnutridas.

Como um país tão rico em cobre pode ter um povo tão pobre?

Em fins do século passado, a Zâmbia estava arruinada, mas a privatização das suas mal administradas empresas, 80% estatais, despertava esperanças num futuro melhor.

Para socorrer um país sem condições de pagar suas dívidas, o FMI  e o  Banco Mundial impuseram a liquidação dessas empresas. Pressionado, o governo zambiano teve de vender rápido, na bacia das almas.

O setor mineiro foi comprado por empresas estrangeiras por insignificantes 443 milhões de dólares (nos anos seguintes elas lucraram bilhões). As demais empresas em conjunto saíram por 94 milhões.

As empresas que assumiram a exploração do cobre ainda negociaram com o governo de Zâmbia uma taxa de royalties de 0,6%, a mais baixa em toda a África.

De longe a empresa líder nesse setor, é a Glencore, que tem uma curiosa origem.

Foi fundada pelo empresário Mac Rich que, em 1983, fugiu dos EUA por ter sido condenado à prisão por 50 crimes de fraude eletrônica, desvio de fundos, fraude fiscal e violação do embargo ao Irã.

Na Europa, ele abriu uma empresa, colaborou com o Mossad e enviou altas somas para as campanhas do Partido Democrata e Hillary Clinton.

No fim do seu mandato, o presidente Clinton, pressionado por próceres do seu partido e do governo de Israel anistiou Mac Rich. Ato que lhe valeu pesadas críticas da imprensa e de personalidades como Jimmy Carter.

A Glencore surgiu da aquisição da empresa de Rich por um grupo que vem “honrando” as tradições do fundador. Posteriormente fundiu-se com a Xstrata, tornando-se a maior produtora de cobre do mundo.

Em Zâmbia, a Glencore Xstrata é proprietária da Mopani, de longe a maior empresa no setor de mineração de cobre do país..

Em 2005, o EIB, Banco Europeu de Investimento (pertencente aos  28 Estados da União Européia) concedeu à Mopani um empréstimo de 50 milhões de dólares para instalação de equipamentos para reduzir as emissões de dióxido de sulfúrico. Foi estranho, pois a Glencore tinha uma folha corrida nada invejável com acusações de contaminação de água e poluição do ar em Zâmbia; infrações às leis internacionais de trabalho infantil e vazamento de ácidos num rio, na República Democrática do Congo e violações dos direitos humanos no Peru e na Filipinas.

Não foi surpresa que o banco tenha mandado interromper a operação quando surgiram sérias preocupações sobre a lisura da governança da corporação.

6 anos depois, com o vazamento de uma auditoria apontando uma evasão fiscal de dezenas de milhões de dólares por parte da Mopani, o EIB suspendeu de vez o empréstimo. E decidiu iniciar uma investigação.

3 anos se passaram e nada do banco se pronunciar.

Apesar da reclamação feita por 11 ONGs, o EIB continua em silêncio.

As principais conclusões da auditoria das finanças da Mopani, aliás, já são conhecidas.

De responsabilidade da Grant Thompson e de consultores da Poyri, contratados pelo governo de Zâmbia, essa auditoria descobriu um inexplicável aumento nos custos de produção da mina, entre 2006 e 2009, com o fim de minimizar os lucros  e assim baixar as taxas devidas ao governo.

Concluiu ainda que a companhia vende cobre à sua empresa-mãe na Suiça, a Glencore Xstrata, por preços muito baixos.

Dalí, o cobre zambiano é revendido para os países consumidores do mundo pelos altos preços vigentes no mercado internacional.

A Glencore ganha horrores na diferença entre os preços de compra e revenda.

E seus lucros finais também são muito altos, especialmente porque na Suiça os impostos são baixos.

Já a Zâmbia sai perdendo nesse jogo.

A inflação artificial dos custos de produção somada às exportações a preços depreciados, fazem com que a Glencore declare baixos rendimentos e assim pague pequenas taxas corporativas ao governo zambiano.

Ou mesmo nada.

Esta “engenharia empresarial” ou “ato de pirataria”, você escolhe o termo, é aplicada por quase todas as multinacionais mineiras atuantes na Zâmbia.

Calcula-se que, nos últimos 10 anos, cerca de 8 bilhões de dólares foram drenados do país, a maioria para off-shore banks e paraísos fiscais ou países onde os impostos são baixos.

Para você ter uma idéia: em 2011, as multinacionais mineiras exportaram 10 bilhões de dólares, dos quais 240 milhões, ou 2,4%, ficaram para a Zâmbia, sob a forma de impostos.

Os recursos perdidos equivalem à metade do PIB do país.

Tratando dessa questão, Miles Sampa, vice-ministro das Finanças, acusou as multinacionais mineiras de usarem medidas de evasão fiscal para fugir, anualmente, ao pagamento de taxas no valor estimado de 2 bilhões de dólares.

Informou ainda que apenas duas delas declararam  lucro nas suas operações.

O que parece brincadeira…

Brincadeira sem graça,  conforme afirma o economista Dev Kar, um  dos autores do estudo focado acima: ‘”Elas (as grandes empresas mineiras) estão roubando as oportunidades do país para avançar, ele (o dinheiro) poderia ser usado para construir hospitais, escolas, tirar o país da pobreza.”

Longe disso, essas empresas não se conformam com a idéia  de pararem de explorar a África.

A Glencore nega-se a pagar os impostos devidos.

O governo faz o que pode.

Tenta chegar a um acordo, desapropriar, jamais!

A experiência socialista do passado foi um desastre e Zâmbia precisa do capital estrangeiro para desenvolver o país.

A China já está entrando, com investimentos sem regras abusivas.

Mas Zâmbia não pretende sequer expulsar as multis que exploram atualmente o país.

De um lado, negocia com elas novas leis que impeçam esse jogo voraz de custos inflados e exportações rebaixadas, visando minimizar lucros e impostos.

De outro lado, precisa do apoio e da solidariedade da União Européia. O reconhecimento pelo Banco  Europeu de Investimento de que está sendo roubada pode ajudar em muito sua causa junto aos poderes do Velho Mundo.

Mas não é fácil.

O banco demora a publicar sua posição diante da auditoria sobre as diabruras da Glencore.

Desconfiadas, as ONGs zambianas já falam  em encobrimento.

A dura verdade é que forças poderosas parecem atuar para manter esta nação rica em pobreza, desnutrição, desesperança…

 

 

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