Vitória do Hisbolá no Líbano leva o Irã de carona.

Em maio, realizou-se a primeira eleição parlamentar no Líbano depois de 2009.

O movimento xiita Hisbolá obteve grande vitória. Juntamente com seus aliados, elegeu entre 67 e 70 deputados, mais da metade dos 128 membros do parlamento.

O atual primeiro-ministro, al Hariri, foi o principal derrotado. Seu partido perdeu 1/3 dos deputados.Sançõs

O Hisbolá, o vencedor, é, ao mesmo tempo, um movimento de assistência social, um partido político e uma aguerrida milícia. Suas forças militares foram decisivas na virada da guerra síria em favor do regime Assad. Participou destacadamente na campanha do governo iraquiano contra o ISIS. Fontes não comprovada dizem que a milícia, também, estaria no Iêmen, lutando ao lado dos houthis, com um grupo pouco expressivo de combatentes.

Trata-se do maior aliado do Irã no Oriente Médio, recebendo armas e equipamentos do governo de Teerã.

No Líbano, o Hisbolá lutou contra a invasão israelense, em 2006, sendo responsável pela retirada do exército israelense. Apesar de sua poderosa força militar, o movimento nunca a usou para pressionar o governo de Beirute.

Apoiado pela Arábia Saudita, o sunita Hariri foi, até a última eleição, o primeiro ministro libanês, numa coalisão dos maiores partidos, integrada inclusive pelo Hisbolá.

Desde 1989, existe no país um peculiar arranjo político. Neste ano, o acordo de Tarif pôs fim a uma guerra civil que já durava 15 anos. Ele dispunha que as principais funções do governo deveriam sempre se distribuir assim: o presidente seria cristão maronita, o primeiro-ministro, sunita e o presidente do parlamento, xiita.

A escolha dos nomes caberia aos parlamentares.

Pelo menos nos últimos tempos, o Hisbolá tem se contentado com ministérios de pouca importância. Muitas vezes, cedeu seus postos para políticos aliados, de partidos menores.

Agora, as coisas devem mudar.

O sunita Hariri foi eleito por uma ampla maioria: 111 entre 128 parlamentares votantes. Mas, graças à sua grande votação, o Hisbolá dispõe de influência suficiente para conseguir aumentar o número de seus ministérios de dois para três.

Desta vez deverão ser bem mais significativos.

Prudentemente, o grupo não tem pretensões quanto aos chamados ministérios “soberanos” – Finanças, Interior, Defesa e Assuntos Estrangeiros. No entanto, quer que o importante Ministério ds Finanças continue nas mãos do Amal, partido seu aliado.

O Hisbolá estaria de olho nos ministérios de Obras Públicas, Saúde e Assuntos Sociais. Todos tem verbas substanciosas para a realização de programas e projetos de grande interesse popular, o que poderia expandir o prestígio do Hisbolá na capital Beirute, onde não é forte.

No Líbano, o gabinete ministerial é quem dispõe de mais força política. Seus postos costumam ser divididos entre os partidos políticos mais poderosos no Parlamento.

O equilíbrio entre as diversas forças ali representadas  garante a neutralidade do Líbano no Oriente Médio.

Com a maioria que conquistou nas eleições parlamentares, o Hisbolé tem força para mudar a política externa, tornando o Líbano aliado do Irã.

Mas a moderação do Hisbolá – provada nos votos que deu a seu adversário, Hariri, na eleição que o manteve como primeiro-ministro e na sua discreta aceitação de ministérios menos importantes (mesmo líder da maioria parlamentar não postula nenhum dos ministérios “soberanos”) –aponta em sentido contrário.

Espera-se que um governo onde o Hisbolá e aliados serão hegemônicos, o partido xiita saiba agir com maturidade e equilíbrio.

Que se manifeste contra a Arábia Saudita, os países vassalos do Golfo e os EUA, mas somente em questões pontuais.

Que não integre uma frente de países pró-Irã, contra os EUA, Arábia Saudita e Israel, os grandes inimigos de Teerã.

Que defenda o direito do Hisbolá de fabricar mísseis no país. Que seu exército lute contra os israelenses no caso de uma invasão -mas procure evitar que as milícias xiitas lancem mísseis contra território israelense, a não ser em auto-defesa.

Não interessa ao Líbano abdicar de sua neutralidade pois assim perderia uma série de benefícios vindos do Ocidente e da Arábia Saudita: a ajuda econômica e o treinamento e equipamento do exército de Beirute pelos EUA e vultosos empréstimos e doações vindos principalmente da Arábia Saudita e também da França, entre outros países europeus.

A difícil situação financeira do país não lhes permite abrir mão desse maná.

Lógico, a provável influência do Hisbolá pró-Irã não agrada nada aos EUA.

Mike Pompeo, o belicoso secretário de Estado do governo Trump já se pronunciou de forma cautelosa mas assertiva. Ele diz que, caso as relações Líbano-Irã se tornem mais afetuosas, Washington deve rever sua assistência militar “para deixar claro que estamos usando os dólares dos contribuintes americanos direito.”

Como atualmente o Hisbolá é um dos alvos principais dos EUA na sua campanha para destruir o Irã, qualquer expansão dos laços entre esse inimigo e o Líbano será visto com grande preocupação.

Nesse caso, a assistência militar, 1,5 bilhão de dólares anuais desde 2006, poderá ser interrompida, embora o Pentágono afirme que ela vai continuar, ignorando a vitória eleitoral do Hisbolá.

Não está fora de cogitações uma alteração agressiva na postura da Arábia Saudita, coerente com a posição anti-Irã do príncipe reinante do príncipe Mohamed bin Salman.

No ano passado, parecia que isso iria acontecer.

Como o Hisbolá é estreitamente ligado ao Irã, adversário principal da Arábia Saudita, com quem compete pela hegemonia no Oriente Médio, Riad exigiu que o Líbano forçasse o grupo xiita a abandonar suas ações na Síria e no Iêmen, onde luta ao lado do regime Assad e dos houthis, ambos sob fogo das armas sauditas.

Chegou a chamar de volta seu embaixador em Beirute. E considerar o Líbano “país hostil”, pela presença de dois elementos do Hisbolá no gabinete ministerial do governo de Beirute.

Ameaças mais terríveis foram apresentadas através do seu aliado libanês, o premier Hariri.

No dia 8 de novembro passado, em entrevista a um canal de Tv de sua propriedade, o líder sunita informou que o Hisbolá tinha de se retirar da Síria e do Iêmen.

Caso contrário, advertiu, choveriam sanções sauditas, como a expulsão dos 400 mil libaneses que trabalhavam no país de MBS e o fim das transações do Líbano com todos os países do Golfo Pérsico (Reuters, 11 de maio). Que são: além da Arábia Saudita, os Emirados Unidos, o Oman, o Bahrein e o Kuwait.

As remessas dos libaneses que trabalham na Arábia Saudita soma 8 bilhões de dólares anuais.

E o volume de exportação libanesa para os países do Golfo Pérsico representa 20% do total exportado.

Seria uma calamidade, disse Hariri, o governo precisava se mexer, dar uma prensa no Hisbolá.

O Líbano tremeu, mas ficou firme. E tudo acabou em nada.

Embora o Ocidente deseje um Líbano neutro e o governo que se instala dificilmente fará uma opção clara pelo Irã, as coisas podem desandar.

Não está fora de propósito que o Hisbolá resolva reagir violentamente contra a série de bombardeios israelenses de suas posições tanto na Síria quanto no próprio Líbano.

Duas declarações de altos mandatários de Israel são extremamente preocupantes.

Naftali Benett, ministro da Educação e líder de extrema direita: “O Estado de Israel não fará diferenças entre o Estado soberano do Líbano e o Hisbolá, e fará o Líbano responsável por qualquer ação que parta do seu território.”

Em entrevista ao YNet, em 2 de abril, Katz, ministro dos Transportes de Israel: se o Irã construir fábricas de mísseis no Líbano, haverá guerra, e o país retrocederia à “Idade da Pedra”, ou talvez à “Idade das Cavernas,” por força do ataque israelense.

Nada de promissor, portanto.

No caminho da paz no Líbano, sérios obstáculos terão de ser superados. Sim, o governo de Beirute pode. Mas, vai depender tanto do comportamento consciente de tantas partes, que tropeços parecem inevitáveis.

Que, pelo menos, não causem um tombo fatal.

 

 

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