No começo do mês, na cidade inglesa de SalIisbury, um ex-espião russos, Skripal, e em sua filha, Yulia, foram envenenados com um agente neuro-tóxico químico, o Novisshok.
O governo britânico concluiu que, como o Novisshok fosse made in Rússia, que seria a única nação possuidora desse sofisticadíssimo agente letal, figuras do mais alto escalão do Kremlin teriam ordenado o atentado.
Em 14 de março, Teresa May, a primeira-ministra do Reino Unido, apressou-se em enviar um ultimato, dando dois dias para Moscou explicar como essa “arma nervosa” fora usada para envenenar um cidadão em pleno país de Shakespeare.
Um ultimato, exigindo resposta em dois dias, é evidentemente uma postura muito agressiva.
O governo Putin rebateu de forma também agressiva, dizendo tratar-se de um ”espetáculo circense,” montado no Parlamento de Sua Majestade.
A grande imprensa inglesa deu amplo destaque ao assunto, apoiando a sra. May.
Sempre sensível a apelos patrióticos, o público inglês levantou-se indignado contra esse ultraje de um país estrangeiro à honra nacional.
Raros políticos ousaram questionar a justificação da primeira-ministra: “não há outra conclusão alternativa de que o Estado russo foi culpado pela tentativa de assassinato do sr.Skripal e sua filha.””
A afirmação de que só os russos poderiam ser os autores do crime é referendada pelo coronel Bretton-Gordon, ex-comandante do Regimento Químico, Biológico e Nuclear do Reino Unido e do Batalhão de Reação Rápida da NATO, e especialista em armas químicas.
Ele garante que o local de desenvolvimento e produção do Novisshok seria Shikhany, na Rússia Central. Somente lá o mortífero veneno estaria estocado.
Quem primeiro mencionou a existência do Novisshok foi o químico russo Mirzayanov, em 1991.
Tendo emigrado para os EUA em 1995, ele publicou em 2007 um livro chamado “Segredos de Estado- Crônica do Programa de Armas Químicas Russas”, à venda no website da Amazon, por 30 dólares. Nessa obra, ele conta sua história, um químico que trabalhou nas unidades produtoras de armas químicas letais, hoje proibidas por Convenção, aprovada por 189 países, inclusive a Rússia.
Comentando as acusações de Teresa May, Mirzayanov levantou sérias dúvidas a respeito delas. Ele escreveu no Facebook: “(May) disse que Novisshok foi usado na tentativa de assassinato de Skripal. Sua fórmula química foi publicada apenas no meu livro.” E o químico russo disse mais: “Só os russos desenvolveram esta classe de agentes nervosos. Eles os possuem e os conservam secretamente. A única outra possibilidade seria que alguém usasse a fórmula do meu livro para fazer uma arma dessa espécie.”
Não exatamente alguém, Mirzayanov nota que teria de ser um laboratório capaz de produzir fertilizantes ou pesticidas.
Há, portanto, uma controvérsia entre o coronel, Bretton-Gordon, para quem só os russos poderiam ter o Novisshok, e Myrzayanov, que, admite, bastaria um laboratório com condições técnicas para executar a fórmula publicada no seu livro.
Apoiando Myrzayanov, Anton Utkin, químico russo, que foi inspetor da ONU no Iraque, garante não estar claro “como eles (o Reino Unido) poderiam ter estabelecido que (o Novisshok usado em Salisbury) foi produzido na Rússia? Qualquer um familiar com conhecimentos de tecnologia poderia tê-lo produzido. Não há jeito de determinar com precisão que o agente químico veio desta ou daquela nação.”
Vamos admitir que o coronel Bretton-Gordon tem razão: Shikany, Rússia, seria o único local onde o Novisshok estaria armazenado.
Sendo assim, somente o Kremlin poderia ter acesso a esse veneno. É a única possibilidade, como proclama Teresa May.
Não necessariamente.
Estudo de outubro de 1995 do Centro Henry L. Stimson, “Problemas e Perspectivas do Desarmamento da Armas Químicas Russas” diz: “Pelos padrões americanos, as instalações russas de armazenamento de armas químicas parecem vulneráveis a ataques por fora e a roubos, por dentro.”
A inferência é clara: de acordo com essa conceituada entidade (sediada em Washington), não seria impossível que o Novisshok tivesse sido roubado e contrabandeado para o Reino Unido.
Seria a alternativa à autoria do atentado que Teresa May negou existir?
O jornalista Justin Raymondo, em Antiwar de 15 de março, tem outro argumento contra a conclusão da primeira-ministra.
Skripal era coronel das forças de segurança russas. Preso por traição foi, em 2010, trocado por espiões russos, através de acordo com o governo de Londres.
Durante a Guerra Fria, lembra Raymondo, havia uma regra não-escrita segundo a qual nenhum dos espiões trocados seria punido por uma das nações envolvidas na operação desse tipo. Essa regra nunca foi desrespeitada; a nação que o fizesse perderia credibilidade, jamais poderia beneficiar-se de uma eventual troca de espiões que lhe interessasse.
“Portanto, o que faria os russos violar essa regra cardeal da espionagem?” –pergunta o jornalista.
É difícil acreditar que o habilíssimo Putin iria cometer tamanho erro.
O professor Anthony Glees, diretor do Centro de Estudos de Segurança e Inteligência da Universidade de Buckingham, concorda com Raymondo.
E acrescenta:”Se os russos quisessem realmente matar Skripal por que não o executaram quando o tinham sob custódia?”
Faz sentido. Por que esperar 8 anos – de 2010 a 2018 ?
Há quem diga que, sendo fatalmente atacado pelo governo britânico, Putin estimularia os brios patrióticos de seu povo e, assim, o convenceria a votar em massa nas eleições presidenciais. Não que o presidente russo temesse a derrota, vai vencer fácil de acordo com as pesquisas. No entanto, um alto comparecimento russo às urnas daria maior legitimidade a seu cargo.
Até que é uma teoria da conspiração criativa.
Porém, há três meses do início da Copa do Mundo na Rússia, que Putin pretende usar para promover a imagem do seu regime, ele não iria jogar seu prestígio na lama, mandando matar um opositor no exterior.
Enfim, não tenho certeza se os russos envenenaram ou não Skripal e filha.
Acho que, antes de lançar seu ultimato, Teresa May deveria esperar pela conclusão da investigação do fato pela polícia inglesa. Isso não tinha acontecido no dia anterior à apresentação da posição do governo ao Parlamento.
Em 13 de março, Neil Basu, chefe do contra-terrorismo no Reino Unido, tuítou: “Eu gostaria de dividir meu agradecimento com o público por sua paciência e compreensão. Uma investigação dessa complexidade e tamanho leva compreensivelmente considerável quantidade de tempo e o contínuo apoio do público é importante, colaborando com nossa equipe de investigação.”
Parece que ele não contou com a “paciência e compreensão” da primeira-ministra.
Noto que o apoio das nações líderes do Ocidente não foi imediato.
Inicialmente, Macron e até Trump disseram esperar pelas evidências, até agora ausentes.
No fim, acabaram aderindo ao coro anti-Putin.
Os interesses políticos costumam ficar acima da justiça.
Uma alternativa ao boicote da Copa do Mundo …
Outra possibilidade é pressionar a FIFA para tomar a iniciativa agora de impedir a Rússia de sediar e cancelar a Copa do Mundo FIFA 2018. Ao mesmo tempo, a FIFA anuncia que o torneio será realizado no próximo ano, em 2019 – em outro país.
Como um evento em 2019 não coincidiria com o tradicional período de quatro anos, ele serviria como um lembrete histórico global da condenação internacional dos ataques do Estado russo. No entanto, o time de futebol russo está autorizado a participar da próxima competição se optar por fazê-lo.
Este cenário, claro, inclui a Copa do Mundo da FIFA 2022 no Qatar, como planejado anteriormente.
No entanto, recomenda-se host alternativo 2019 e não europeu – para dissipar as alegações da teoria da conspiração russa, então talvez ele pode ser submetido aos ex-finalistas – Argentina?