Trump, pronto para uma decisão desastrosa.

Durante sua guerra com o império turco-otomano, Ladislas, rei da  Hungria, foi obrigado a firmar uma trégua de 10 anos  com os inimigos. Em 1444, com a abdicação do sultão Murad 2º em favor de seu filho Mehemet, muito jovem, o papa e alguns reis cristão acharam que valia à pena aproveitar a inexperiência do novo sultão para atacar.

Inicialmente, o líder espiritual do cristianismo absolveu Ladislas do rompimento do seu juramente, alegando que não tinha valor por ter sido pactuado com  hereges muçulmanos.

Formou-se, então, uma cruzada com húngaros, polaco, búlgaros, croatas, válacos e mercenários alemães, que invadiu os territórios do império otomano.

Mas, Murad voltou ao trono e seu exército derrotou completamente os cristãos, na batalha de Varna, onde morreu o rei Ladislas.

E assim terminou a última cruzada da história, sem glória.

Os turcos clamaram que os reis cristãos não mereciam confiança, pois não respeitavam a palavra dada.

Os americanos estão perto de repetir essa vergonhosa quebra de um acordo internacional.

A Agência Internacional de Energia Atômica, que fiscaliza o cumprimento pelo Irã dos compromissos com o acordo nuclear, já declarou que tudo está correndo nos conformes.

Os outros integrantes do chamado P5+1 – Reino Unido, França, Alemanha, Rússia, China e EUA – que assinaram o acordo, também aprovaram e fizeram a devida certificação. Mas Trump deixou claro que irá pular fora. Como no evento de 1444, não há nenhum motivo respeitável que justifique esta atitude insólita e condenável.

Altos funcionários da Casa Branca vazaram para a imprensa americana que o presidente deverá fazer uma análise geral das ações “malévolas” do Irã, das quais o rompimento “em espírito” com o acordo nuclear seria uma das partes. Como esclareceu a porta voz, Sarah Huckabee Sanders, a fala de The Donald focará: “Não apenas o mal comportamento (do Irã) no acordo nuclear, mas também seus testes de mísseis balísticos, sua desestabilização da região, o Estado número 1 no patrocínio do terrorismo na região, os cyber attacks e o programa nuclear ilícito. ” .

Espera-se que o presidente defenda alterações, as quais o governo de Teerã já declarou que não aceitará, por serem indevidas e ilegais.

Por tudo isso, Trump deverá alegar que o acordo não é do interesse dos EUA.

O general James Mattis, secretário da Defesa, diz o contrário: o acordo é do interesse dos EUA. Já que o Irã está cumprindo o que se comprometeu a fazer, deve ser certificado.

O general Durnford, Chefe do Estado-Maior conjunto das Forças Aramadas, concorda. Salienta que romper o acordo causaria uma crise diplomática, problemas graves com os outros signatários do acordo, os aliados europeus.

A maioria do povo dos EUA também defende essa posição. Recente pesquisa do Chicago Council revelou que 60% dos americanos são favoráveis ao acordo nuclear com o Irã.

A ONU, a União Europeia e todos os os demais participantes do acordo nuclear já o defenderam como importante e necessário, rejeitando qualquer alteração proposta unilateralmente.

É importante saber que a não-retificação por Donald Trump não retirará os EUA do acordo. Isso ficaria por conta do Congresso. Os parlamentares teriam 60 dias para decidir se as sanções contra o Irã voltarão ou não a serem aplicadas. Poderão também exigir que eventuais alterações propostas por Trump sejam efetivadas.

Como os republicanos são maioria no Congresso, a aposta é que os parlamentares apoiem Trump, referendando as alterações que o presidente deseja ou cancelando a participação dos EUA no acordo nuclear.

Mesmo que isso aconteça, o acordo continuará a valer para o resto do mundo, dependendo de um apoio vigoroso das demais nações do P5+1 e da continuidade dos investimentos europeus no Irã.

Renegando sua assinatura no acordo nuclear, os EUA automaticamente reimplantarão as sanções atualmente retiradas. Aí, casa vai cair: voltará a ser proibido que as empresas estrangeiras mantenham relações econômicas com os iranianos, sob pena de não poderem mais negociar com os EUA.

Teme-se que isso afugente os investimentos estrangeiros do Irã.

Os países europeus e a China já condenaram qualquer tentativa de cancelar ou alterar o acordo, visto por eles como garantia de paz nuclear no Oriente Médio. Alguns foram enfáticos, até mesmo a a fiel seguidora dos EUA, Teresa May, primeiro-ministro da Grã Bretanha, desta vez discordou do seu país líder.

Mesmo porque (talvez principalmente) a França, o Reino Unido, a Alemanha, a Rússia e a China -os países do P5+1 – não querem perder as excelentes oportunidades de lucro que se abriram na economia iraniana, sedenta de capitais estrangeiros. Grandes empresas como a Airbus, a Total, a Renault e a Peugeot já iniciaram projetos bilionários.

Todas as empresas desses países teriam de escolher entre investir no Irã ou atuar no mercado americano.

Caso os europeus cedam à pressão americana (a China e a Rússia não cederão, na certa) e abandonem o mercado iraniano, Teerã não terá mais motivos para continuar fiel ao acordo. Provavelmente, reiniciará seu programa nuclear, orientando-o para a produção de armamentos.

Nesse caso, Netanyahu, acolitado pelo lobby americano pró-Israel, vai gritar no ouvido de Trump que ele precisa evitar essa ameaça, bombardeando sem demora as instalações nucleares iranianas. Ninguém duvida que o Irã retaliará, atingindo, não só o território israelense, mas também as muitas bases americanas espalhadas pela região.

Os desdobramentos seguintes serão imponderáveis, podendo chegar à 3ª Guerra Mundial.

Trump e os falcões que o cercam não estão contando com esse cenário aterrador.

A Reuters informa que no mês passado, atuais e antigos funcionários de alto nível da roda de The Donald acreditam que o cenário será outro.

Os EUA não precisariam assumir nada de tão drástico.

A estratégia do governo deverá envolver ações mais nítidas para conter o que Trump vê como “esforços do Irã para aumentar seus músculos militares e expandir sua influência regional através de forças interpostas.”

Ameaças de impor novas sanções ao Irã fazem parte dessa estratégia.

Trump estaria apostando em que, ao apresentar o conjunto das ações “perniciosas” dos iranianos, poderia convencer os europeus a mudarem de lado. O que possivelmente obrigaria os iranianos a se renderem às exigências da Casa Branca, enfraquecendo suas possibilidades de conseguir a hegemonia no Oriente Médio.

Por aí, acho que não vai dar em nada.

Nada desse comportamento supostamente “maléfico” do Irã tem algo a ver com o acordo nuclear. Seus objetivos são diferentes. Não se pode fechar uma janela sob a alegação de que está chovendo em Katmandu …

Analisando as intervenções iranianas no Oriente Médio, o fato do Irã ajudar militarmente o governo eleito da Síria, contra forças rebeldes ;  fornecer armas à revolução dos houthis, contra um presidente que, por sua conta, aumentou seu período em mais dois anos; envolver-se política e militarmente na luta do Hisbolá e do Hamas , em favor da independência palestina, fortemente defendida pela ONU – nada disso significa procurar  desestabilizar nações do Oriente Médio. Pelo contrário: as ações  do Irã tendem a contribuir para o respeito às leis dessas nações e, portanto, à estabilização regional.

Quanto ao terrorismo, é fato que o Irã atua ao lado do Hisbolá e do Hamas. Enquanto os EUA e Israel colocam esses movimentos na lista negra, há quem discorde: o célebre jornalista israelense, Uri Avery, isenta o Hisbolá. Quanto ao Hamas, já abandonou o terrorismo oficialmente há anos e tem sua conduta sendo julgada pelos tribunais da União Europeia.

Por tudo isso e pela sedução do mercado iraniano- 80 milhões de pessoa ansiosas pela importação de produtos do Ocidente e seus investimentos, geradores de muitos empregos- os integrantes do P5+1 (a não ser os EUA), terão sólidas razões para ficar ao lado do Irã, desafiando até a proibição americana de comerciarem com esse país.

Nas vésperas da decisão final de Trump, parecem divididas as chances da Europa somar com ele ou optar pela permanência do acordo com o Irã. Correndo como terceira força, aparece a proposta de guerra, a partir do  bombardeio das instalações nucleares iranianas.

Neste episódio, The Donald busca cortar as azas do Irã no Oriente Médio, cuja liderança ele disputa com os EUA travam e seus prepostos, Israel e  a Arábia Saudita.

Agora, analisando em profundidade o ódio de Trump ao Irã, transparente na forma raivosa com que o ataca, Freud poderia diagnosticar como um caso de Iranofobia.

Trata-se de um distúrbio psicológico muito grave num presidente, pois seus surtos, identificados na negação da retificação do Irã, podem ser perigosos para a paz.

Valeria a pena que Trump meditasse sobre a citação abaixo, de trecho do discurso de George Washington, ao se despedir da presidência dos EUA: ”Nada é mais essencial do que antipatias permanentes e inveteradas contra certas nações e sentimentos apaixonados por outras,  devam ser excluídos. ”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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