Diz o jornal “Der Spiegel” que, no dia 21 de março, uma tropa de soldados americanos atacou uma pousada na cidade afegã de Iman Sahib, pertencente ao prefeito local, matando três funcionários e dois hóspedes e prendendo quatro pessoas. Esclareceram que um dos presos seria importante líder da Al Qaeda (todas as outras vítimas eram inocentes). Verificou-se depois que se tratava apenas de um chefão local do narcotráfico. Quem dera a dica errada também era do ramo e enganara os americanos, que foram assim usados como pistoleiros para livrar o informante de um concorrente. Como um narcotraficante poderia estar tão próximo do exército americano a ponto de gozar de sua confiança? Respostas podem ser encontradas na história recente do Afeganistão. Quando o exército soviético invadiu o país em 1979, a CIA montou a resistência associada ao ISIS, serviço secreto do Paquistão, recrutando guerreiros islâmicos de variadas procedências, inclusive talibãs, senhores da guerra e terroristas como Bin Laden, então no início de sua carreira. Contando com muito dinheiro e grande quantidade de armas, a guerrilha avançou a partir da fronteira do Paquistão. À medida que ia libertando territórios, seus chefes, “para fazer caixa”, induziam os camponeses a plantarem papoulas, da qual se extrai o ópio, matéria-prima da heroína. Antes disso, a produção do país era mínima. De acordo com o pesquisador Alfred McCoy, professor da Universidade de Michigan: “Depois de 2 anos de operações da CIA no Afeganistão, a região próxima à fronteira com o Paquistão tornou-se a maior produtora mundial de heroína”. Ele diz mais: “Os líderes afegãos e os sindicatos locais, sob a proteção da Inteligência do Paquistão, operaram centenas de laboratórios de heroína. De acordo com o Washington Post (maio de 1990), o chefão Gulbuddin Hekmatyar recebeu metade das armas que os Estados Unidos enviaram para a guerrilha. Embora fosse conhecido como narcotraficante, a CIA manteve uma aliança com ele. Posteriormente, Charles Cogan, ex-chefe da CIA no Afeganistão, explicou por que: “Nossa missão era causar o máximo de dano possível aos soviéticos…”. E assim os americanos fecharam os olhos para os negócios de heroína dos seus parceiros afegãs. A guerra para expulsar os soviéticos durou 10 anos. Em seguida, o poder foi disputado por vários grupos e os talibãs acabaram vencendo. Imediatamente proibiram o ópio reduzindo sua produção em 90%, em apenas um ano (2000-2001). Essa foi a principal razão que levou o chamado “exército do norte” e outros senhores da guerra a aliarem-se às forças da NATO, lideradas pelos Estados Unidos, quando da invasão do Afeganistão, em 2001. Com a derrota do regime talibã e a ocupação do país pela NATO, a exploração do ópio e da heroína acelerou-se. Em 7 anos, a produção de heroína aumentou 33 vezes e o Afeganistão passou a fornecer 93% de todo o ópio consumido no mundo. A renda gerada para os narcotraficantes afegãos chegou a quase 3 bilhões de dólares anuais. Por sua vez, os rebeldes talibãs, deixando de lado seus princípios religiosos, passaram a cobrar “taxas de proteção” dos produtores de ópio, que hoje representam cerca de 100 milhões de dólares por ano, conforme o general americano McKiernan. Durante todo esse tempo, ONGs e políticos americanos clamaram contra essa vergonhosa situação. O governo afegão até que tentou uma campanha de erradicação das culturas de papoula, usando o exército e seguranças estrangeiros. Mas, como se vê pelos números acima, não deu certo. Craig Murphy, ex-embaixador da Inglaterra no Usbequistão (rota de saída da heroína afegã), informou um dos motivos no “The Mail Online”, de 31/3/2009: “Os 4 maiores chefões do narcotráfico são importantes membros do governo. O governo que nossos soldados estão lutando e morrendo para proteger”. Aleksandr Mikhaylov, chefe do departamento de informações do controle de drogas da Rússia, vai aos detalhes: “As autoridades locais forjam listas de grandes quantidades de safras destruídas, quando, na verdade, nenhuma o foi”. Estranhamente as forças de ocupação da NATO, onde os americanos são maioria, se omitiram sob a alegação de que o combate ao ópio cabia ao governo afegão. Em outubro do ano passado, porém, o comandante do exército americano, o general McKiernam protestou. Ele declarou que a guerra não deveria ser só contra os talibãs e a Al Qaeda, mas também contra “…o sistema narcotráfico e a corrupção que representam um desafio para o futuro do país”. O presidente Obama concorda. De acordo com seu plano, os Estados Unidos, por fim, deverão enfrentar os narcotraficantes. Não será fácil. Afinal, muitos deles contam-se entre seus firmes aliados, velhos amigos da CIA, hoje membros do governo que os americanos apóiam. Como, a propósito, é aquele notório traficante responsável pelo episódio de Imam Sahib, onde, iludidos por ele, soldados americanos mataram cinco inocentes, na crença de que estavam vibrando um golpe arrasador na Al Qaeda. |