A estrutura da democracia americana está seriamente abalada. Caso a deportação de Mahmoud Khalil se concretize, os decantados “freios e contrapesos”, que antes impediam os presidentes americanos de saírem dos trilhos, falharam. O governo de Donald Trump avança para se tornar uma autocracia, regida por seu todo-poderoso comandante.
Em 8 de março, Khalil, estudante de pós-graduação da Universidade de Columbia, foi preso por agentes da imigração sob a acusação de envolvimento com o Hamas. Contudo, ele possuía um green card, que lhe assegurava residência permanente nos Estados Unidos. Os agentes, no entanto, alegaram que seu green card havia sido revogado.
Sem apresentar um mandado judicial de prisão, os oficiais algemaram Khalil e o levaram de Nova York, onde vivia com sua esposa americana, para um presídio na Louisiana, a mais de mil quilômetros de distância. No dia 11 de março, o advogado do estudante entrou com um pedido de habeas corpus junto ao juiz de Manhattan, Jess Forman. Como ele não tinha jurisdição sobre o caso, transferiu-o para uma corte do distrito de Nova Jersey, onde o caso seria analisado com base no devido processo legal.
Nos Estados Unidos, todos têm direito a um julgamento perante a autoridade competente. Para garantir esse direito a Khalil, o juiz determinou o bloqueio da deportação até que o caso fosse decidido. Espera-se que a decisão seja favorável a Khalil, dada a falsidade das acusações de apoio ao Hamas e anti-semitismo.
Com a punição de Khalil, o governo Trump violou o direito à liberdade de expressão — um direito garantido pela Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos — ao tentar deportar um estudante por participar de movimentos em favor dos palestinos e contra os ataques ilegais e desumanos de Israel.
A prisão de Khalil gerou indignação generalizada entre defensores dos direitos civis, resultando em protestos de movimentos de direitos humanos, professores, estudantes, intelectuais e políticos. Uma carta aberta foi assinada por mais de 1 milhão de pessoas em apenas dois dias.
A liberdade de expressão, que permite que qualquer pessoa manifeste suas ideias nos Estados Unidos, é um dos princípios mais fundamentais do país, protegido pela Constituição. Sua violação pelo Executivo é inaceitável, pois representa uma grave ameaça à democracia americana.
“Este ato flagrante e inconstitucional transmite uma mensagem lamentável de que a liberdade de expressão não é mais protegida na América”, disse Murad Awadeh, presidente da Coalizão de Imigração, em entrevista ao The Guardian (11/3/2025).
Através de uma enxurrada de ordens executivas, muitas delas claramente ilegais, Trump busca impor sua agenda, demonizando e punindo opositores. Seu foco tem sido os movimentos universitários, vistos como o maior obstáculo aos seus objetivos autocráticos. A crítica mais incisiva vem das universidades, especialmente sobre as brutalidades israelenses contra o povo palestino.
Sua campanha para as eleições de 2024 mobilizou um grande número de estudantes universitários em todo o país, recebendo ampla cobertura da mídia — dois aspectos que incomodam profundamente Trump. Nesse ínterim, seus objetivos autoritários começam a ser barrados pela justiça, como aconteceu com a revogação, por um juiz distrital, da proibição de conceder cidadania americana aos filhos de imigrantes ilegais nascidos nos Estados Unidos.
A tentativa de deportação de Mohamed Khalil é um marco na tendência autocrática do governo Trump, que busca silenciar as críticas nos campi universitários por meio da repressão a estudantes, sejam ou não ativistas.
Na segunda-feira, 11 de março, Trump publicou nas redes sociais, referindo-se à prisão do estudante: “Este é o primeiro… de muitos que virão. Sabemos que há mais estudantes em Columbia e em outras universidades que se engajaram em atividades pró-terroristas, anti-semitas e anti-americanas, e a administração Trump não tolerará isso.”
Mesmo ignorando as leis e os valores fundamentais dos Estados Unidos, como tem ocorrido repetidamente, Trump segue avançando com sua agenda. Segundo cálculos recentes, a cada quatro ordens executivas ou outras decisões do presidente, uma viola leis do país.
Ao escolher como alvo um estudante estrangeiro com green card, que garantia seu direito de residência permanente, Trump passou a mensagem de que sua vontade está acima das leis. “Se podem deportar um portador de green card, podem deportar quem quiser”, muitos podem pensar.
Diante de uma situação tão alarmante, os estudantes estrangeiros tenderiam a evitar se envolver em manifestações contra Israel para não correr o risco de serem expulsos dos Estados Unidos.
Trump também reafirmou suas intenções ao se dirigir a um público de bilionários, como o casal Adelson, judeus-americanos que já doaram 600 milhões de dólares para suas campanhas. “Uma coisa que eu vou fazer… qualquer estudante que protestar, eu jogo para fora do país. Vocês sabem, há muitos estudantes estrangeiros. Assim que souberem o que estarei fazendo, eles vão se comportar”, disse ele, em entrevista ao Mondoweiss (13/3/2025).
Se Trump tiver êxito, ele não vai parar por aí. Outra estudante portadora de green card, a sul-coreana Yunseo Chung, também está sendo perseguida pela imigração, pela mesma razão que Khalil: sua participação em protestos contra Israel. Para evitar sua prisão, seus advogados entraram com um pedido de habeas corpus.
A juíza Naomi Buchwald rejeitou as acusações infundadas de que Yunseo representava uma ameaça à política externa americana, proibindo sua detenção até que o caso fosse julgado por um juiz de imigração.
Como é provável, os estudantes americanos continuarão protestando contra a violência israelense nos ataques a Gaza e ao Líbano. Trump não respeitará o direito dos jovens se expressarem, rotulando como comunistas, terroristas e anti-semitas todos os que se opõem a ele, o herói, o salvador da América, o omnisciente detentor da verdade.
Com o desrespeito contínuo às leis do país, os juízes têm barrado suas ordens executivas. Trump está ciente de que, se não intervier, os tribunais podem impedir a deportação de estudantes estrangeiros, o que agradaria seus doadores e enfraqueceria o movimento universitário.
Assessores próximos ao presidente revelaram ao AXIOS que estão planejando uma estratégia para pressionar a Suprema Corte a garantir a Trump o poder de deportar um número muito maior de pessoas, com um.itomenos restrições. Eles apresentarão aos juízes da Suprema Corte cinco perguntas essenciais, cujas respostas determinarão o apoio ou não dos magistrados à agenda presidencial.
Veja as mais importantes perguntas:
1. O presidente tem o direito de deportar não-cidadãos sob a Alien Enemies Act, uma lei de tempos de guerra, mesmo sem uma guerra declarada contra adversários estrangeiros?
2. Pode um simples juiz federal de primeira instância em uma corte distrital ter poder para bloquear um programa de deportação em nível nacional?
3. Pode um portador de green card (como Mohamed Khalil) ter direito à liberdade de expressão que o proteja da deportação, ou pode o secretário de Estado unilateralmente declarar que suas opiniões contrárias à política exterior americana são um indicativo de aliança com o Hamas?
Se a Suprema Corte responder favoravelmente a Trump, os Estados Unidos poderão retroceder enormemente. A aplicação de uma lei de tempos de guerra em tempos de paz, a impossibilidade de um juiz federal distrital bloquear programas nacionais de deportação e a possibilidade de deportação de portadores de green card, caso o secretário de Estado determine que estão aliados a grupos terroristas, seriam retrocessos alarmantes.
Trump confia no conservadorismo da maioria dos juízes da Suprema Corte. De fato, seis dos nove membros da Corte foram nomeados por republicanos, sendo três por Trump. Contudo, uma decisão do chefe da Suprema Corte, John Roberts, em 18 de março, deixou o presidente preocupado.
O governo ignorou a decisão do juiz distrital James Boasberg, que se opôs à deportação de 140 venezuelanos, embarcando-os para El Salvador antes da decisão chegar. Diante da reclamação do juiz, as autoridades de imigração alegaram que o avião já estava no ar quando a decisão foi proferida. O juiz não aceitou a justificativa e uma crise se instaurou, dominando os noticiários.
Furioso por ver sua autoridade contestada, Trump e seus aliados exigiram o impeachment de Boasberg. Embora conservador, o juiz Roberts respeita os princípios constitucionais e decidiu contra Trump. No entanto, o presidente não parece aprender com os erros e continua avançando com suas medidas autoritárias.
Ele fala em expulsar os estrangeiros naturalizados americanos, que perderiam a cidadania e seriam deportados caso critiquem suas políticas insanas. O movimento Jovens Judeus Pela Paz afirmou que: “ as ordens executivas de Trump, agora acompanhadas pelo rapto de um estudante, ameaçam todos, especialmente os mais vulneráveis e aqueles que exigem justiça abertamente. “É assim que o fascismo atua, e a única defesa é nos recusarmos a ser divididos ou silenciados”.
Esse alerta dos universitários judeus-americanos tem um significado profundo. Se continuar assim, o país está cada vez mais próximo de um regime autocrático, como os de Putin, Bekele, Erdogan, Orbach, Mohamed Bin Salman, e possivelmente o próprio Donald Trump, que governaria por prazo indefinido…
Deus salve a América.
“Não senhor presidente isto é uma democracia. Você não pode exilar os dissidentes políticos. Não nos EUA.”
Bernie Sanders, senador independente