Sisi finge que mudou e Biden finge que acredita.

Sisi era o ditador favorito de Trump,“ pelas coisas fantásticas que ele fez no Egito.” Na campanha presidencial de 2018, Biden gastou seu verbo, pintando “essas coisas fantásticas” como cruéis violações dos direitos humanos.”

Com ele na presidência, os EUA teriam uma política externa corajosa, “centralizada na defesa da democracia e na proteção dos direitos humanos (Washington Post,14/9/2021).”

E  Sisi nunca mais receberia cheques em branco para suas despesas  em aviões, tanques, bombas e apetrechos afins, como os EUA vinham lhe fornecendo graciosamente, pelas amáveis mãos de Donald Trump.

Estas juras candentes do futuro presidente assombravam o sono do ditador egípcio.

Sisi temia possuir as melhores credenciais para se tornar alvo da fúria democrática e humanitária desse ameaçador Joe Biden.

De fato.

O governo Sisi, iniciado em 2014, quando o exército derrubou o primeiro e único regime democrática do Egito, caprichou em malzartes, de nenhum Pinochet ou Trujillo botar defeito.

Para garantir a suposta legalidade das suas ações, o ditador fizera ser definido o terrorismo (como ele vê), através de lei específica e do Código Penal,

Somando-se a estes severos textos, criou  uma lista oficial de terroristas, à qual o governo jamais vacilou em incluir personalidades indesejáveis, como os defensores de direitos humanos.

E, para calar  eventuais e atrevidos dissidentes, tornou as detenções arbitrárias um procedimento  sistemático.

E assim, contando com as simpatias e a compreensão do general Sisi, as forças de segurança já prenderam milhares de pessoas, baseadas em acusações de terrorismo, sem fundamentos. Procuradores e juízes, muy amigos, não  costuma rejeitar estas ações, que tem alvejado dezenas de jornalistas, além de acadêmicos, advogados, políticos da oposição, parentes de dissidentes-refugiados no exterior, artistas, advogados, estudantes e defensores dos direitos humanos.

Desde o início do governo do general Sisi, centenas de pessoas já foram sentenciadas à pena de morte, tendo dezenas sido executadas com base em confissões, obtidas através de torturas.

Para as forças de segurança egípcias, é habitual a aplicação de torturas nas pessoas sob custódia, muitas das quais desapareceram misteriosamente.

Constatou-se que, por vezes, nega-se cuidados médicos a prisioneiros doentes, o que tem causado ou contribuído  para mortes preveníveis ou mesmo sérios danos à saúde dos cidadãos sob custódia.

Quando os juízes ou procuradores ordenam a soltura dos prisioneiros, a Agência de Segurança Nacional frequentemente não deixa as coisas ficarem por aí. Trata de acusar os agraciados por outras transgressões semelhantes, abrindo-se novos interrogatórios para os manter indefinidamente na prisão sem julgamento, na manobra conhecida por “rotação.”

Claro , nenhuma destas digamos, violações seria possível sem a impunidade total e irrestrita, garantia pelo regime Sisi.

Diante deste teatro de horrores, esperava-se que Biden começasse a fazer valer suas posições humanitárias.

Veja como isso não aconteceu.

Desde 1987, no governo Ronald Reagan, todos os presidentes americanos devem conceder 1,3 bilhão de dólares em ajuda militar para a segurança e defesa do país das pirâmides.

Exatamente o “cheque em branco” que Biden prometera que os EUA iriam parar de oferecer ao ditador Sisi, devido a sua folha corrida de violações aos direitos humanos.

Na verdade, o cheque veio, mas não em branco, e sim valendo 1,3 bilhão de dólares (o Egito é o segundo maior beneficiário da ajuda americana no exterior).

Do total dessa grana, o Congresso decidiu que 300 milhões de dólares seriam bloqueados pois Sisi não estava respeitando os direitos humanos do seu povo.

Parece que Biden achou um exagero – até que Sisi não era tudo isso que diziam dele.

E assim, em setembro de 2021, o presidente americano reduziu  os 300 milhões de cortes do Congresso para apenas 130 milhões de dólares, que seriam liberados assim que o ditador egípcio aceitasse terminar a injusta detenção de 16 políticos ou retirar os processos abertos contra eles, além de fechar um caso que já durava décadas, punindo a  sociedade civil independente.

Eram condições fáceis, o governo Biden esperava que fossem atendidas, ainda mais porque Sisi estava se regenerando, pois criara, pouco antes a sua Estratégia Nacional de Direitos Humanos para proteger esses direitos , uma reviravolta no comportamento tradicional do regime (New York Times, 26/6/2021).

Apesar da satisfação da Casa Branca, conforme o Instituto de Direitos Humanos do Cairo (em 15/11/2021) o ”plano não prometia acabar com as ações diárias de repressão que violam a constituição do Egito, bem como a leis e os regulamentos, junto com a violação das obrigações internacionais do Egito. Em vez disso, ele repetidamente recomenda “aumentar a conscientização dos cidadãos.”

Seja lá o que isso significa.

É, portanto, um burla, feita especialmente para agradar aos EUA, encobrindo as violências do governo e de seus aparelhos de segurança.

Comentando o assunto, os representantes Don Beyer e Tom Malinowaski, co-presidentes do Caucus no Congresso sobre os Direitos Humanos no Egito, declararam num manifesto: “Dezenas de milhares de prisioneiros políticos (calcula-se em 60 mil) permanecem na prisões egípcias. O governo do Egito continua envolvido em torturas generalizadas na supressão dos dissidentes e mesmo na perseguição de cidadãos americanos e nas famílias dos críticos que vivem nos EUA( Al Jazeera,26/1/2022[LADE1] ).”

Sisi não esperou muito tempo para dar razão às críticas.

Poucos dias depois do anúncio da “redenção” do ditador, o governo  prendeu Hadhoud, e o deteve em” local incerto e não sabido”. Apesar das intensas buscas, a família só conseguiu vê-lo em  9 de abril, porém morto.  Um parente de Hadhoud notou que o corpo apresentava sinais de pancadas e tortura, mas foi obrigado a deletar essas imagens do seu. aparelho (Middle East Eye, 15/4/2022).”

Casos assim não foram poucos depois de Sisi apresentar seu plano para acabar com as violências injustas contra seu povo.             

Desse modo, não foi surpresa que, nem as modestas exigências americanas  para desbloquear os 130 milhões de dólares em ajuda militar foram satisfeitas pelo Egito.

Mas, Biden talvez para compensar esse,  digamos, mal- entendido, aprovou a venda de 200 milhões de dólares em mísseis para a marinha egípcia.

Todas estas ações de Biden provocaram ardentes críticas de organizações de direitos humanos, políticos e jornalistas.

Elas ainda continuavam ecoando desagradavelmente nos ouvidos presidenciais quando, em 25/1/2022,  autorizou a venda ao Egito de sistemas de radar para defesa anti-aérea e de 12 aviões de transporte Super Hercules C-130 , entre outros equipamentos militares (Bloomberg News (28-1-2022).

Um esplêndido negócio de 2,5 bilhões de dólares. Que deixou os proprietários das indústrias americanas de armas com os olhos rasos de lágrimas de emoção.

Mas não passou batido no Senado.

Rand Paul, republicano, apresentou uma resolução para cancelar o projeto, criticando o governo Biden por continuar premiando o general ditador com assistência militar de segurança, apesar do Egito ter se convertido “num país dentro de uma prisão.”

E o senador bradou: “Os EUA não podem orgulhosamente afirmar que os direitos humanos estavam no centro de nossa política externa enquanto arma um regime que está em guerra com seu próprio povo.”

Na verdade, podiam sim.

Alguns meses atrás, o  departamento de Estado dos EUA, talvez sem orgulho, anunciara que: “nosso relacionamento bilateral com o Egito será mais forte e os interesses da América serão melhor servidos, através do contínuo envolvimento dos EUA para avançar nossos interesses na segurança nacional, incluindo o enfoque das nossas preocupações com direitos humanos (New York Times, 16/9/2021).”

Está na cara que as preocupações americanas com direitos humanos egípcios não deixam Biden acordado uma única noite depois do comunicado conjunto Egito-EUA no Diálogo Estratégico, no qual as duas potências se reuniram pra acertar seus ponteiros.

A “Estratégia Nacional de Direitos Humanos“ foi expressamente considerada “bem recebida” pelo governo Biden. Como se ela não obstasse as prisões arbitrárias, torturas, desaparecimento de opositores, julgamentos fake, proibição de manifestações públicas anti-governo, perseguições a jornalistas e outras medidas desta igualha.

Na verdade, Biden finge acreditar que os direitos humanos estão melhorando no Egito para justificar as relações com a ditadura egípcia sem precisar renegar oficialmente sua promessa de fazer dos direitos humanos o centro da política externa dos EUA. 

No mundo real, entre o Egito e os direitos humanos, Biden prefere quem melhor atende aos interesses americanos.

Sendo o maior país árabe, o Egito tem grande influência em todo o Oriente Médio e a maior boa vontade para com Israel (o afilhado bem- amado dos EUA); dispõe da amizade da indústria americana de armas, da qual seu regime é um grande cliente; sua integração no bloco das nações democratas (???), lideradas por Biden contra  a expansão da China vale bastante.

E, afinal, quem sofre com  as barbaridades do regime de Sisi não é o povo americano.                 


 [LADE1] 

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