Revolução egípcia: aniversário sem festa.

No dia 25 de janeiro, a revolução egípcia completa um ano de vida. Grandes manifestações populares estão programadas na Praça Tahir. Mas, não serão para festejar esse aniversário.

O marechal Tantawi, chefe da Junta Militar que governa o Egito está preocupado com o que acontecerá na praça. “O Egito está enfrentando graves perigos, nunca antes vistos”, ele disse, mencionando a seguir “esquemas e conspirações” que ameaçariam o país. ”As forças armadas são a espinha dorsal que protege o Egito e esses esquemas objetivam atingir essa espinha dorsal. Nós não permitiremos,” acrescentou.

Quis o marechal advertir aqueles que ele diz serem responsáveis pelos “esquemas e conspirações que o exército continuará reprimindo as manifestações. Referia-se à população cujo “esquema” tem por objetivo somente a implantação do regime democrático sonhado por todos.

Segundo o marechal, é o que os militares também querem :“nós continuaremos cumprindo nosso dever perfeitamente até entregar a nação a uma administração civil eleita”.

Parece que não é bem assim.

Assumindo o poder com a queda de Mubarak, o Conselho Superior das Forças Armadas (SCAF),

em pouco tempo começou a tomar atitudes estranhas. A Lei de Emergência, que nega o direito de reunião e dá à Polícia e ao Exército poderes sem limites de revistar, prender e encarcerar quem julgar necessário, foi mantida, provocando protestos populares. Presos em grande número, os manifestantes foram levados a julgamento pela justiça militar, como acontece nos regimes totalitários.

Mas o povo não saiu das ruas, exigindo o fim da Lei de Emergência e justiça civil para os civis.

Nada disso foi atendido. Pelo contrário: a repressão tornou-se mais violenta.

Chama a atenção o número de pessoas processadas nos tribunais militares: cerca de 12.000, mais do que nos 38 anos do governo Mubarak.

A essas alturas, muitos duvidavam de que os militares pretendiam cumprir sua promessa de entregar o poder a um presidente eleito.

As dúvidas tornaram-se certezas no início de novembro, quando o vice Primeiro Ministro Ali El Selmi apresentou uma proposta de “princípios constitucionais”, antes mesmo das eleições parlamentares.

O documento dava ao Supremo Conselho das Forças Armadas (SCAF) o poder de veto sobre as

leis da futura constituição e de indicar 80 dos 100 constituintes a serem nomeados pelo parlamento. O SCAF teria, ainda, autoridade exclusiva para aprovar qualquer lei relativa a assuntos militares internos, sendo que o presidente e os deputados não poderiam inspecionar os orçamentos militares, que permaneceriam secretos. Por fim, a nova constituição teria um prazo até 15 de maio para ser redigida (prazo extremamente curto, já que só no fim de janeiro a assembleia foi eleita). Caso não fosse aprovada em 6 meses, o SCAF nomearia pessoas de confiança para elaborar a nova constituição.

O chamado “documento Selmi” provocou protestos indignados de todos os partidos e ativistas. Realizou-se então uma grande manifestação na Praça Tahir, agora pedindo a renúncia imediata da Junta Militar. Fatos particularmente graves aconteceram no dia seguinte, quando as Forças de Segurança Central, a notória polícia anti-motim dos tempos de Mubarak, atacaram algumas dezenas de manifestantes que continuavam na Praça Tahir.

Ao saber do ocorrido, milhares de pessoas acorreram em solidariedade aos atacados. A polícia usou de extrema violência, transformando o centro do Cairo num campo de batalha, com o ar saturado por uma nuvem branca de gás lacrimogênio. 42 civis foram mortos e mais de 3.000, feridos, nos 5 dias de duração dos choques

A repressão foi assim descrita por Heba Morayef, do Human Rights Watch :”Os militares e forças

de segurança envolveram-se em brutais ataques generalizados contra os que protestavam, usando munição real, balas de borracha, salvas de tiros e uma espantosa quantidade de gás lacrimogêneo”.

Assustado pelas repercussões de sua proposta, Al Semi sugeriu que fosse considerada apenas uma mera “recomendação.” ´Não se sabe se isso será levado em conta, pois os militares não  retiraram o documento, apesar de poucos políticos o terem assinado.

Em dezembro, no meio do processo eleitoral, grande número de pessoas realizavam uma manifestação na Praça Tahir quando foram atacadas por soldados. Pelo menos 17 mortos e centenas de feridos foi o saldo da repressão. Desta vez, a junta militar também saiu perdendo: centenas de fotos de soldados espancando civis foram divulgadas por jornais de todo o mundo, deixando os generais muito mal perante a opinião pública internacional.

A junta militar tentou salvar sua imagem, através da imprensa oficial. Matérias de pouca ou nenhuma credibilidade apareceram em jornais, emissoras de Tv e de rádio chapas brancas, tentando demonizar os manifestantes. Enquanto isso, a polícia praticou violências contra jornalistas, bloggers e emissoras de TV que publicaram notícias e artigos focando a repressão.

Nada disso resultou.

O general Tantawi ainda procurou mostrar-se democrata indo à TV e declarando que os militares deixariam o poder caso um plebiscito assim decidisse. Claro, não era pra valer.

Talvez fosse mais reveladora a afirmação do general Mukhhtar Mulla, que considerou não representativo o resultado das eleições e propôs que a junta indicasse um “conselho” para redigir a nova constituição, em vez do parlamento.

Buscando uma solução de compromisso, a Irmandade Muçulmana, grande vencedora do pleito, com 45% dos parlamentares eleitos, defende uma lei que garanta imunidade aos generais pelos crimes que cometeram desde que tomaram o poder.

Acredito que eles achem pouco. No período Mubarak o exército tornou-se proprietário de uma série de empresas, em geral dirigidas por generais reformados, que atuam nas áreas de veículos automotivos, tecidos, alimentação, cimento, construções, turismo, gasolina, aparelhos elétricos e plásticos, representando 25% da economia.

Não vão querer abrir mão de nada disso.

Talvez, nem mesmo de uma grande parcela do poder.

Tido como extremamente conservador, o marechal Tantawi, chefe do SCAF, era considerado o mais provável sucessor de Mubarak. Conforme revelações do Wikki Leaks, por sua fidelidade ao ditador, era chamado de “o poodle de Mubarak.”

Mas, e os EUA? Como receberiam um eventual golpe contra as aspirações democráticas egípcias?

Bem, Obama ficou ao lado de Mubarak quase até o fim. Quando sua queda era inevitável, Hillary Clinton fez de tudo para conseguir que o vice, Omar Suleiman, assumisse o governo. Tinha motivos: tratava-se de um general amigo de Israel que havia colaborado com a CIA. Como chefe do serviço secreto,  torturou suspeitos de terrorismo, trazidos via aérea pela agência americana, durante o governo Bush.

Os EUA continuam a prestar ao governo da junta militar a mesma ajuda recebida por Mubarak. São 3 bilhões de dólares em armamentos, inclusive munição e os gases usados na repressão aos manifestantes, fato que levou a Anistia Internacional a protestar com veemência.

Por fim, o governo americano não deve ter gostado da ideia de Soleiman Al-Awwa, forte candidato a presidente, que preconizava  a formação de um eixo de cooperação Turquia-Irã-Egito.

Provavelmente, apoiaria um governo democraticamente eleito, mas com uma constituição que desse poderes e regalias especiais às Forças Armadas.

Dificilmente isso será aceito pela população.

No dia 25 de janeiro, ela deverá comparecer em massa à Praça Tahir para comemorar o primeiro ano da revolução. Mas não haverá alegria, que o momento não comporta. Somente brados, exigindo a saída dos militares do poder.

Não há esperanças de que serão atendidos.

Há um ano atrás, Mubarak caiu, mas não seu regime.

Para os manifestantes da praça  Tahir, a revolução precisa continuar.

Luiz Eça
www.olharomundo.com.br
21/01/2012

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