O general James Mattis, secretário da Defesa dos EUA, não tem dúvidas: é o Irã.
O bravo cabo de guerra explica porque: ”O Irã não é na verdade um estado-nação, mas uma causa revolucionária devotada ao caos (Político, 4-12-2016). ”
Mattis prossegue: “O Irã é o maior promotor do terrorismo no mundo.” E vai mais longe: “O Irã não é inimigo do ISIS: eles tem muito a ganhar com o caos que o ISIS provoca. ”
Perguntado quem ele considerava o maior inimigo dos EUA, a resposta do general foi óbvia: “Irã, Irã, Irã.”
Note que ele colocou o país dos aiatolás nos primeiro, segundo e terceiro lugares…
Há quem afirme que essa obsessão anti-Irã de Mattis tem origem na Guerra do Iraque, na qual ele participou.
Nessa ocasião, o Hisbolá, movimento apoiado pelo Irã, combatia o exército de ocupação americano. Algo semelhante a luta dos maquis contra os nazistas que dominavam a França.
Dificilmente, alguém chamaria os maquis de terroristas por matarem soldados alemães. Mas Mattis ficou absolutamente ensandecido (por sinal, seu apelido é “cachorro Louco”), diante das mortes americanas, causadas pelo Hisbolá, provavelmente com armas iranianas.
Integrante do governo Obama, James Mattis defendeu ardorosamente retaliações: ataques dos EUA contra alvos no território do Irã.
Obama, consciente das prováveis consequências, respondeu demitindo seu belicoso general.
Agora, na qualidade da mais alta autoridade militar dos EUA, Mattis continua atacando o Irã, mas, apenas verbalmente. Por enquanto.
Assim como Obama, não dá para aceitar as investidas do general contra o governo de Teerã.
Quando ele diz que o Irã é aliado do ISIS, só pode estar de brincadeira.
Teerã participa militarmente da guerra contra os bárbaros fanáticos no Iraque e na Síria. Aliás, será que o general notou que o ISIS está provocando o caos justamente nesses países, cujos regimes xiitas são aliados do Irã? Por sua vez, Israel não mereceu sequer um ataque-suicida do ISIS. Nem mesmo o Qatar, o Kuwait, o Bahrein ou a Arábia Saudita. Todos eles firmes seguidores de Tio Sam e ardorosamente sunitas.
É certo que o irã fornece armas e inteligência ao países mencionados pelo general e também aos movimentos Hisbolá e Hamas.
O que não viola as leis internacionais.
Na Síria, o Irã apoia Assad, o presidente eleito, também ele adversário do ISIS.
No Iêmen, ajuda os houthis, que combatem sem tréguas os terroristas da al Qaeda.
O grupo houthi chegou ao poder derrubando o presidente Hadi, o qual não largava o governo mesmo depois do término do seu mandato. Fato que não é nada democrático.
No Líbano, o Hisbolá (por sinal, também xiita) conta com armamentos enviados pelo Irã.
Esclareço que, ao contrário do que diz a grande mídia do Ocidente, o Hisbolá não é uma organização terrorista.
Trata-se de um movimento político legal, que integra o ministério libanês, e oferece serviços de assistência social a um grande número de pessoas necessitadas. Tem também uma ala militar, com atuação significativa nas guerras da Síria e do Iraque, a favor dos governos legais desses países.
No Líbano, foi o Hisbolá a mais eficiente força que se opôs à invasão executada pelo exército de Israel. E continua defendendo a fronteira libanesa com o país de Netanyahu.
Os EUA, Israel e a maioria dos países da Europa consideram o Hisbolá terrorista. A França só qualifica assim a ala militar do movimento.
Mas muita gente naõ vê a organização libanesa desse modo. O Brasil, a China, a Noruega, a Rússia e a Suíça, por exemplo.
Veja a opinião do respeitado jornalista israelense Uri Avnery: “Algumas pessoas podem odiar o Hisbolá e detestar Nasrallah. Mas chamar (o Hisbolá) de ‘terrorista’ é simplesmente estúpido.”
O Hamas (sunita) praticou ações terroristas, na sua luta pela independência da Palestina. Mas, em 2006, abandonou oficialmente o terrorismo.
Nesse mesmo ano, venceu as eleições parlamentares palestinas e passou a governar o estreito de Gaza.
Pode-se questionar os lançamentos de foguetes do Hamas contra Israel. A verdade é que, na maioria dos casos, foi em resposta a bombardeios israelenses ou assassinato de líderes muçulmanos.
Mesmo assim, EUA, Israel e diversos países europeus estampam no Hamas o rótulo de terrorismo. A princípio , a União Europeia também fechava com eles.
Inconformado, o movimento rebelde palestino entrou com processo no Tribunal Geral Europeu.
E ganhou. O tribunal cancelou a inclusão do Hamas na lista das organizações terroristas, considerando que as acusações se baseavam apenas em matérias jornalísticas, não em análises da história do movimento.
O Irã tem apoiado a luta do Hamas para acabar com a ocupação militar israelense da Palestina. Nada a criticar pois esse objetivo é aprovado pela própria ONU.
Concordo com Mattis que o Irã ajuda a desestabilizar a Palestina. Mas acho que desestabilizar um status quo injusto e ilegal (conforme o Direito Internacional) é até louvável.
Nos fronts do Oriente Médio, os verdadeiros desestabilizadores são outros.
Esse papel cabe ao ISIS, no Iraque e na Síria; ao Nussra (ligado a Al Qaeda) e outras milícias jihadistas, na Síria; a Israel no Líbano, país que os exércitos de Telaviv já invadiram duas vezes nos últimos 35 anos. E à Arábia Saudita, que, na sua guerra contra os houthis no Iêmen, acabou destruindo praticamente o próprio país, hoje à beira de uma crise humanitária.
Além disso, os sauditas financiam o terrorismo, direta ou indiretamente, na maioria dos países do Oriente Médio e em grande parte da África.
Acredito mesmo que o regime saudita merece o título de maior incentivador do terrorismo no mundo.
A favor desta escolha estão três importantes americanos.
Hillary Clinton que, em 2009, quando secretária de Estado do governo Obama, num telegrama revelado pelo Wikkieaks, escreveu: “A Arábia Saudita continua uma base decisiva de apoio financeiro à al Qaeda, ao Talibã e à Le T (Lashkar-e-Taliba, no Paquistão).”
Donald Trump, em 2011, quando ornamentava apenas os palcos do big business e da TV, disse: “O regime saudita, o maior financiador mundial do terrorismo e o governo saudita usam os nossos petrodólares, o nosso próprio dinheiro, para financiar o terrorismo que objetiva destruir nosso povo, enquanto os sauditas contam conosco para protegê-los. “
Posteriormente, The Donald, realizou diversos negócios com o reino. Neste ano, quando lhe perguntaram porque tinha revisto sua opinião sobre os sauditas, ele respondeu: ”Eles estão comprando apartamentos e propriedades de mim. Eles gastam 40 a 50 milhões. Você espera que eu os odeie? Eu os amo muito (Antiwar, 2 de fevereiro de 2017).”
O terceira americano que denuncia os sauditas é Stuart Levey, sub-secretário do Tesouro dos EUA, encarregado de monitorar e impedir o financiamento do terror. Em 2007, ele declarou à ABC News: “Se eu pudesse, num simples estalar dos meus dedos, cortar o financiamento (do terrorismo) prestado por uma nação, seria a Arábia Saudita.”
Há muitos outros depoimentos insuspeitos sobre as diabruras sauditas na distribuição de suas doações.
Um deles me parece particularmente importante: relatório do departamento de Estado americano, publicado em 2006, afirmava que a Arábia Saudita tem sido a maior fonte de financiamento a rebeldes e organizações terroristas desde os anos 70.
Nessa época, esses movimentos- todos sunitas de crença salafita/wahabita- espalharam-se pelo mundo através das madrassas (escolas).
Fanatizados pelas ideias extremistas das madrassas, um número imenso de jovens acabaram alistando-se nos movimentos jihadistas mais radicais, como o ISIS e a al Qaeda.
Segundo o relatório Involvement of Salafism/Wahabism in the Support And Suply of Arms to Rebel Groups around the World, produzido por grupo de especialistas do parlamento europeu, estima-se que o governo de Riadh investiu mais de 10 bilhões de dólares para promover o wahabismo, inclusive via instituições de caridade.
Diz ainda o relatório que, conforme oficiais americanos e diplomatas do Oriente Médio, “a maioria das armas enviadas a pedido da Arábia Saudita e do Qatar para suprir grupos rebeldes sírios em luta contra o governo de Bashar al-Assad acabam nas mãos de jihadistas linha dura.”
O financiamento do terrorismo pela Arábia Saudita reflete a divisão do islamismo entre xiitas e sunitas.
A maioria dos países islâmicos é sunita.
Xiitas são apenas Iraque, Síria e Irã. Os xiitas constituem 40% da população do Iêmen, localizados especialmente no norte do país. No Bahrein o xiismo é maioria mas o regime monárquico está nas mãos dos sunitas.
As seitas mais radicais do sunismo consideram os xiitas hereges, que devem ser aniquilados.
Uma dessas seitas, o wahabismo, é a religião oficial da Arábia Saudita.
Daí o apoio financeiro às milícias wahabitas e também às salafitas (as duas seguem praticamente os mesmos princípios), que tem por missão aniquilar os xiitas e também os sunitas cujos países são aliados do Ocidente.
Encontramos milícias wahabitas e salafitas- como o ISIS, a al Qaeda e o Nussra- lutando na Síria, no Iraque,no Iêmen e no Paquistão- inclusive praticando atentados terroristas- e em diversos países da África, além de outras regiões do orbe. No Irã, o governo não lhes dá chance, daí praticamente inexistirem.
A ação desses movimentos radicais se estende à Europa e aos EUA, onde militantes do ISIS e da al Qaeda vêm promovendo bárbaros ataques contra a população civil.
Embora fanaticamente wahabita, a Arábia Saudita é também profundamente ligada aos EUA.
Mas isso não torna o reino alvo constante dos terroristas, os quais são perseguidos com extrema dureza pelos órgãos de segurança do país.
A explicação desta aparente contradição é um pacto firmado entre o governo de Riadh e os grupos jihadistas em 1979. Nós financiamos suas operações no exterior, desde que vocês se comportem no interior do território saudita.
É verdade que a Arábia Saudita faz parte da aliança que combate o ISIS e al Qaeda. Até já doou 100 milhões de dólares para o contra- terrorismo internacional.
No entanto, os petrodólares continuam fluindo pelo mundo a fora, para as madrassas wahabitas e salafitas pregarem suas ideologias de extremo radicalismo. Esse jogo dos sauditas não é mistério no Ocidente, que oficialmente faz de conta que desconhece.
Em 2009, em telegrama sigiloso revelado pelo Wikkileaks, a então secretária de Estado do governo Obama reclamou que os sauditas agiam contra a al Qaeda no interior do seu país, mas não no exterior.
E no The Guardian de 31 de agosto de 2014, Paul Stevens, professor da renomada Chatam House, fez um comentário, citando um antigo ditado árabe: “Durante muito tempo, havia um acordo não-escrito…onde a presença da al Qaeda na Arábia Saudita era tolerada, mas não mije dentro da tenda, mije lá fora.”
Seria cômico se não fosse trágico. Revela uma associação nefasta para a ordem mundial. O general Mattis certamente deve estar por dentro. Mesmo que ele gostasse de tomar uma atitude, esbarraria no interesse político e econômico dos EUA na aliança com os sauditas. Melhor voltar-se contra o odiado Irã.
Dizem os jornais que ele se prepara para, junto com Trump, para atacar o acordo nuclear com Teerã.
Nuvens negras começam a se formar em Washington, ameaçando a paz no Oriente Médio.
Caso Trump e Mattis consigam impor sua posição, o perigo de guerra será maior do que o gerado pelo conflito EUA-Coreia do Norte.