Quando um quer, três brigam.

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Não era primeiro de abril, não.

Os progressistas americanos ficaram chocados quando Biden declarou que os EUA só voltariam ao Acordo Nuclear se primeiro o Irã voltasse a enriquecer urânio nos níveis  que garantira.

O atual presidente garantira inúmeras vezes reingressar no acordo abandonado por Trump sem demora, já que estaria corrigindo um ato maligno do marido da bela Melania, condenado pelos esquerdistas e os liberais do partido.

A condição erguida por Biden não tinha lógica, afinal fora devido á retirada americana que o Irã decidira descumprir metas do acordo.

O presidente do Irã, é claro, discordou.

Numa tentativa de salvar um pacto essencial para a paz no Oriente Médio, iranianos e americanos reuniram-se em Viena.

Soube-se então que as exigências de Biden não se limitavam a forçar o presidente Rouhani a atuar antes dele.

Queria mais.

Com a volta dos EUA, as sanções que massacravam os iranianos seriam canceladas, sim, mas, Biden afirmava, somente as vigentes até 2015, na assinatura do Acordo Nuclear entre o Irã e os EUA, mais as outras potências mundiais (o chamadoP5+1). As sanções aplicadas por Trump depois da retirada americana continuariam de pé. E o Irã seguiria submetido a sanções que fraturavam sua economia, causando enormes aumentos de preços, 40% de inflação e desemprego em massa.

Mas, Biden não se contentava só com isso.

 Para ele, o Irã deveria também cancelar seu programa de mísseis balísticos (ficando, assim, sem proteção contra o poder militar gigantesco de Israel, seu inimigo mortal), e que parasse de intervir nos países vizinhos (um privilégio dos EUA).

Assim não dava jogo.

Rouhani temia que, aceitando a duvidosa primazia imposta por Washington, arriscava-se a ver Biden sair da casinha, recusando-se a voltar ao Acordo Nuclear antes de existir um nihil obstat do Irã a toda a agenda americana.

Por sua vez, caso essa primazia fosse invertida, o presidente dos EUA temia que sua agenda fosse para o espaço. O Irã ficaria à vontade para condicionar sua volta integral ao Acordo Nuclear à inserção de clausulas importunas aos interesses de Washington no Oriente Médio.

No entanto, Rouhani tinha muito mais a ganhar do que Biden numa eventual superação do impasse existente entre eles, pois isso significaria o fim das sanções americanas que estavam devastando a economia do país e a qualidade de vida do seu povo.

Biden também queria que tudo acabasse bem.

Encerrando-se as discussões de uma forma, digamos, razoável, Biden demonstraria não ter feito barato a volta dos EUA ao Acordo Nuclear, ao impor  justas obrigações ao Irã, agradando, assim, aos parlamentares republicanos, pouco amigos desse país. Algo muito importante pois precisava deles para aprovar seus dois trilionários projetos, em discussão no Congresso.

Além, é claro, de ter cumprido uma promessa da sua campanha eleitoral, uma das ações de política externa mais bem apreciadas nas pesquisas.

No decorrer das primeiras reuniões, iniciadas em meados de abril, ficou claro que era Rouhani quem tinha o maior empenho em se chegar a um acordo o mais rápido possível.

Com a proximidade das eleições iranianas, marcadas para junho, ele acreditava dispor de um sério argumento para tornar os negociadores americanos mais brandos: valeria muito à pena aprovar o retorno dos EUA ao Acordo Nuclear antes das eleições iranianas, pois Rasi, o provável vencedor, era um conservador de linha-dura que faria de tudo para contrariar os objetivos americanos nas negociações.

Para Rouhani, interessaria a Biden repor os EUA no Acordo dos P5+1, inclusive porque agradaria à França, ao Reino Unido e à Alemanha, que ele queria integrar mais ativamente na sua guerra econômica contra a China.

Levando em conta esse e outros fatos, Rouhani apostava que Biden iria reduzir suas exigências, para acertar as divergências com o Irã e poder voltar ao Acordo Nuclear logo, antes da vitória fatal de Raisi.

A esperada boa vontade dos EUA não influenciaria o resultado da eleição, Rouhani não iria conseguir eleger seu sucessor, mas sairia glorificado como o homem que salvou o Acordo Nuclear e as sanções que maltratavam o povo do Irã.

Aparentemente, faltou combinar com os russos, pois Biden e seus representantes reiteraram em alto e bom som que a aproximação da data da mudança de governo não os faria acelerar as negociações.

O EUA não tinham pressa.

No entanto, soube-se que houve concessões de parte a parte, até com certa importância.

Otimista, o presidente iraniano anunciou várias vezes que as coisas iam bem, um acordo final estava a pique de acontecer  Conforme os fatos provaram, o otimismo de Rouhani não passava de wishful thinking   As reuniões se sucediam e os EUA continuavam insistindo em exigências inaceitáveis por Teerã.

Biden parecia estar usando a proximidade das eleições iranianas de forma oposta ao imaginado por Rouhani. Sabendo que o presidente iraniano teria mais motivos do que ele para resolver a questão o quanto antes, tenderia a se tornar bem mais concessivo.

Enquanto isso, Blinken, o secretário de Estado, fazia o possível para estragar a digestão do presidente iraniano, deixando escapar frases como: está difícil, não sei se vai haver acordo e , mais assustador, os EUA não tem pressa, a  mudança de governo não nos preocupa.

E assim as coisas foram rolando até junho, quando se realizariam as  eleições presidenciais iranianas.

Os representantes dos dois países fizeram as malas, prometendo voltar a se encontrar em Viena depois do novo governo assumir.

Rasi ganhou.

Em 29 de julho, pouco antes dele assumir o governo, Antony Blinken veio com advertências ameaçadoras: as negociações para salvar o Acordo Nuclear com o Irã, aprovado em 2015,”não podem, nem continuarão indefinidamente”. Caberia ao Irã fazer o assunto avançar.

Portanto, mexam-se, caras.

Raisi rugiu em resposta.

Ao tomar posse em 3 de agosto, ele falou grosso: “”É claro que buscamos suspender as sanções opressivas, mas não subordinaremos as condições de vida da nação à vontade de estrangeiros”.

Como Kamenei, o Supremo Líder,  o novo chefe do governo de Teerã considera os EUA indignos de confiança. Sem medir suas palavras, Raisi afirmou que não tinha nenhum interesse em se reunir com Biden.

 O que foi um tanto intempestivo, e igualmente revelador.

Ficou claro que o novo governo do Irã mudara seu jogo: agora era ele que não tinha pressa para se reunir com os EUA para um rápido acerto entre os dois adversários.

 Fazer-se de difícil era a nova cartada.

Nesse sentido, o ministro das Relações Exteriores, Amir-Abdollahian, foi claro: “As negociações paralisadas poderão ser retomadas antes de uns dois ou três meses (Reuters, 04/09/2021).” Novembro ou dezembro, portanto. Biden que moderasse sua ansiedade.

Por sua vez, em entrevista à TV, o recém-eleito Raisi afirmou: ”Os ocidentais e os EUA estão juntos pressionando por conversações. Eu já anunciei que teremos negociações na agenda do governo. Mas sem pressões (Reuters,04/09/2021).”

Quando? Bem, até agora ele não contou.

Biden não está nada contente, parece não ver a de tirar esse problema da frente.

Os homens do presidente externaram, sem rodeios, a ansiedade presidencial.

Ned Price,  porta-voz do Departamento de Estado: “Os Estados Unidos pedem que o Irã volte às negociações pelo retorno ao acordo nuclear em breve.”

Robert Malley, negociador dos EUA nas conversações com o Irã: “Os EUA estão prontos para fazer concessões em alguns ´assuntos difíceis ´nas negociações do Acordo com o Irã.”

Empoderado pelos eleitores iranianos, Rasi está, louco para mostrar que não tem medo do lobo mau, poderia até fazê-lo dançar no seu ritmo.

Com o peito estufado,  assegurou que o Irã continuaria a expandir seu programa de mísseis balísticos e manter seu apoio às milícias aliadas em vários países vizinhos. E não aceitava sequer incluir esses assuntos na agenda das negociações do acordo nuclear.

Ele ancora sua disposição belicosa na resiliência dos iranianos, que suportaram os amargos três anos de pobreza em alta, decorrentes das sanções de Donald Trump.

Por sinal, as nuvens parecem tender a se dissipar: há sinais de que a economia do Irã estaria começando a sair do buraco.  Um bom indício é a inesperada reversão do PIB, um dos principais termômetro da situação econômica dos países, que após 3 anos seguidos (2018/1019/2020) de quedas abaixo de 0%, aponta em 2021 um crescimento de radiantes 3%, previsto pelo FMI.

Também é expressivo o crescimento de 600% nas exportações de gasolina, em 2020,  atingindo 8 milhões de toneladas, ou seja,180 mil barrís por dia (The New Arab, 17/09/2021).

Parece que o Irã encontrou jeitos de driblar parcialmente as odiosas sanções que o afligem.

Raisi pensa que diante da sua inquebrantável firmeza, o morador da Casa Branca acabará se  conformando em aceitar as condições iranianas.  Seria péssimo para Biden encerrar as negociações, mantendo os EUA fora do acordo nuclear, pois repercutiria no povo americano como um fracasso presidencial. Mais um, aliás, vide o papelão na retirada do Afeganistão.

Certamente  Raisi deve te achado que faccia bruta funciona, depois do secretário de Estado , Anthony Blinken, prevenir que os EUA estavam ficando mais perto de entregar os pontos nas negociações do acordo nuclear com o Irã.

Não é bem assim.

Os EUA ainda não estão aceitando possíveis transgressões ocultas do Irã. Israel tem trabalhado com eficiência para alimentar as dúvidas americanas.

Pega mal o Irã já ter passado a linha vermelha por larga margem,  enriquecendo o urânio em níveis  muito acima dos 3,7%, tratados com as potências mundiais.

O Irã explicou que, depois do lançamento das destrutivas sanções de Trump, não tendo as demais nações do acordo o auxiliado financeiramente, como haviam se com prometido, Teerã reagiu. Passou a acelerar o enriquecimento do urânio chegando a  20%, ainda muito aquém do necessário para produzir uma arma atômica.

Em abril deste ano, o Irã foi além, começou a enriquecer seu estoque de urânio em 60%, em represália a explosão de duas instalações nucleares, inclusive na principal, em Natanz, quando foram destruídas várias centrífugas. Feito cometido pelo Mossad.

De acordo com os experts, 60% não e suficiente para se produzir uma bomba nuclear, é preciso urânio enriquecido a 90%. Os israelenses garantem que em breve o Irã poderia atingir esse patamar.

 Mesmo que seja verdade, afirma-se só depois do país islâmico conseguir converter o combustível em metal  – processo que os cientistas iranianos ainda desconhecem. Eles teriam de dominar esta técnica para ter condições de fabricar uma ogiva nuclear. O que poderia levar mais alguns meses, talvez anos (The New York Times, 13/09/2021).

Blinken aproveitou o alarme sionista para reforçar a urgência urgentíssima de  todos se reunirem e aprovarem logo os itens que ainda dividiam EUA e Irã.

O secretário de Estado admitiu que os múltiplos avanços do programa nuclear iraniano estavam acontecendo tão rapidamente que logo não faria sentido restaurar o acordo inicial.

Portanto, seriam necessárias mudanças que reforçassem a garantia de que o Irã não teria (jamais, como  disse Biden em encontro com Bennett) uma bomba nuclear.

Como Blinken alertou Raisi: “Estamos chegando mais perto ao ponto no qual o retorno à estrita observância ao antigo acordo não reproduz os benefícios que ele oferece”.

Nas o secretário de Estado percebeu que fora longe demais, arriscando-se a piorar um clima já muito tenso. Por isso, amenizou:  “Nós ainda não chegamos a esse ponto ainda, mas estamos ficando mais perto.”

Tudo indica que as discussões que antagonizam os pontos de vista dos EUA e do Irã se arrastam porque os americanos insistem em alterações no Acordo Nuclear, que são rejeitadas pelo Irã.

Biden e os seus afirmam que, no momento, a bola está com Teerã, como o grande interessado na solução do impasse que cancelaria as terríveis sanções americanas.

A verdade é que Biden sonha com tudo chegando ao fim, os representantes iranianos e americanos trocando abraços aliviados e até beijos (costume árabe).

Aposto que Biden gostaria de cancelar todas as sanções contra o Irã, até as que Trump lançara depois de 2015. Daria de bom grado seu OK ao programa de mísseis iranianos, mediante a promessa (monitorada pela IAEA) de nunca serem armados com ogivas nucleares, e proporia uma conferência para discutir como tornar desnecessárias as intervenções iranianas nos países vizinhos.

Mas, não dá.

Israel não sai do seu pé. Exige ações para deter a nuclearização iraniana e seu apoio militar e financeiro às milícias xiitas no exterior, denuncia atividades nucleares dos adversários, co;m fins militares,  intriga o governo de Teerã com a IAEA.

E, especialmente, deixa claro que Israel está preparado para a guerra, que atacará caso seu governo julgue que uma arma atômica está entrando na linha de montagem do programa nuclear iraniano. Estaria nas mãos dos EUA e aliados bloquear as ambições do Irã.

Se não o fizerem, as forças armadas israelenses já estão prontas para dar conta do problema.

O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Aviv Kohavi revelou ao Walla News (de Israel) que os planos para o ataque de Israel foram “intensamente acelerados”, E que” uma parte significativa do aumento do orçamento de defesa foi aplicado nesse objetivo.”

“Aumentamos significativamente nossa presença no mar Vermelho”, disse à Reuters o vice-almirante Eli Scharvit, até há pouco tempo chefe da marinha. “Estamos operando continuamente com as principais belonaves, ou seja, fragatas equipadas com mísseis e submarinos. O que no passado fazíamos em períodos relativamente curtos, agora é feito continuamente.”

Por fim, as coisas foram postas em pratos limpos quando,  em  Moscou, Yar Lapid, ministro do Exterior de israel,advertiu sombriamente: “Um Irãnuclearresultará numa corrida de armas no Oriente Médio. O mundo precisa impedir o Irã de ganhar capacidade nuclear. Se o mundo não fizer isso, Israel se reserva o direito de agir (Times of Israel, 09/09 /2021).

É tudo que Joe Biden não quer, de modo algum

De fato, forçado pelo entusiasmado presidente Bennett, ele declarou que os EUA impedirão que o Irã jamais teria armamentos nucleares. Se não for pela diplomacia, haveria outros meios, deixando no ar possibilidades de guerra. Afinal, era preciso agradar os financiadores judaico-americanos de suas campanhas e uma parte (cada vez menor) do seu eleitorado dessa origem.

Mas, quando insinuou guerra ao Irã estava mentindo sobre suas intenções (espero que tenha confessado a seu confessor).

Depois do rotundo fracasso na retirada do Afeganistão, o presidente não admite de modo algumas novas aventuras guerreiras americanas.

Além disso, agora Biden quer concentrar todo o poder do seu país no Sudeste Asiático, na sua disputa comercial com a China. Prefere que Israel e os outros satélites- Egito, Bahrein, Emirados Unidos e Arábia Saudita- se virem sozinhos. Seguindo essa nova orientação da política externa dos EUA, nas últimas semanas, já foram removidos da Arábia Saudita os mais avançados sistemas de defesa a mísseis ali; existentes, no meio dos contínuos ataques fronteiriços desferidos pelos houthis do Iêmen (Middle East Eye,13/09/2021).

Ninguém duvida de que Biden queira voltar ao Acordo Nuclear de uma forma digna, com alterações aceitáveis por Rasi, que o deixem bem no seu público interno.

Dificilmente, Israel se conformaria com esta solução.

Uma hipótese é que um indignado Bennett, atiçado pela imensa direita israelense, ataque as principais instalações nucleares do Irã e os centros de armazenamento dos seus intimidadores mísseis balísticos, deixando o país tão enfraquecido que acabaria pedindo água.

Sem desvalorizar a eficiência implacável dos militares israelenses, esse cenário não seria tão indiscutível. Poderia haver considerável retaliação dos iranianos, dirigindo seus contra-ataques também às bases dos EUA na região.

 Aí, os EUA teriam de entrar na guerra, a qual tenderia a se arrastar, o irã dos xiitas não é o Iraque de Hussein, e perdas de vidas de soldados dizimariam as famílias americanas e o futuro político de Joe Biden.

Há outra hipótese possível. Biden proíbe Israel de atacar. O governo de Jerusalém se rressigna mas não renuncia à guerra secreta – explodindo  instalações iranianas e assassinando cientistas nucleares de renome no país.

Nesse caso, tudo pode ficar em reações frágeis como as de Rouhani diante do assassinato do general Suleimani.

Só que Raisi e seu grupo, são islamitas ferozes que tem o apoio e as bençãos do Supremo Lider Kamenei.

Não será surpresa se Israel exagerar na sua guerra secreta, suscitando uma retaliação de nível ainda mais destruidor.

Por sua vez os israelenses…é melhor nem pensar.

E rezar.

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