Depois de anos de discussões, em 2015, as grandes potências, firmaram um acordo com o Irã, o P5+1( EUA, Reino Unido, França, China e Rússia + Alemanha), que, ao menos nos próximos 10 anos, elimina a possibilidade de Teerã iniciar um programa nuclear militar.
Em troca, as potências cancelaram suas sanções contra o Irã.
Desapareciam assim as sombras ameaçadoras de uma guerra geral no Oriente Médio, com potencial de se estender pelo resto da região.
O governo iraniano vem cumprindo fielmente todos os compromissos assumidos no acordo nuclear, sob controle da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA).
No entanto, depois de eleito, Donald Trump quis liquidar esse acordo, retirando os EUA. Como os demais signatários ficaram firmes, o governo de Washington resolveu apelar para a força bruta.
Tratou de reimpor parte das sanções vigentes antes do acerto com o Irã , em agosto deste ano.
A outra parte passou a valer a partir de 5 de novembro, trazendo a proibição das empresas estrangeiras fazerem negócios com os setores de petróleo, transportes e bancos iranianos.
O riquíssimo mercado americano seria fechado para quem não obedecesse. Sumiriam porções substanciais dos lucros das empresas que ousassem desafiar as sanções da Casa Branca.
O conjunto das duas sanções tenta impor um bloqueio total da economia do Irã.
Sendo a exportação do petróleo vital para república islâmica, altas autoridades americanas peregrinaram pelos principais países importadores, ameaçando com as fúrias do inferno quem resistisse ao diktat de Washington.
Encontraram inesperadas resistências, obrigando The Donald a conceder licenças (waivers), temporárias segundo o secretário de Estado, Mike Pompeo, para oito países continuarem comprando o petróleo proibido: China, Índia, Turquia, Japão, Coreia do Sul, Itália, Grécia e Taiwan.
A China, a Índia e a Turquia (os principais importadores) já afirmaram textualmente que jamais cederão à pressão imperial do governo da Casa Branca.
No dia do lançamento desses novos mísseis econômicos de Trump, a União Europeia, a Alemanha, a França e o Reino Unido apresentaram um protesto conjunto, ponderando: “Respeitar o acordo nuclear com o Irã é uma questão de respeito aos acordos internacionais e uma questão de segurança internacional.”
Não ficaram só nas palavras. Junto com a China e a Rússia, os europeus criaram o SPV (Special Purpose Vehicle), para qualquer país poder comerciar com o Irã, sem ser penalizado pelos EUA.
O SPV irá permitir exportações e importações de e para o Irã sem o pagamento em dólares, fugindo assim das sanções do Tesouro americano.
O mecanismo do SPV é criativo, porém muito simples.
Vamos tomar como exemplo uma exportação de petróleo do Irã para a França. O valor da transação será creditado para a petrolífera iraniana que pode então acumular créditos para usá-los como pagamento de, digamos, sondas fornecidas pelo Reino Unido. E assim por diante.
Como era de se prever, os EUA reagiram indignados. O secretário de Estado Mike Pompeo, declarou-se “perturbado e mesmo profundamente decepcionado”.
A Casa Branca ainda não está acostumada com rebeldias dos normalmente tão passivos países da Europa.
Até agora, nenhuma empresa atreveu-se a usar o SPV, mas ainda é cedo, o sistema mal acabou de ser oferecido no mercado.
De qualquer forma, os especialistas consideram muito otimista a previsão de que se recuperará 40% dos negócios existentes na fase anterior à completa implementação das sanções. A maior parte das grandes empresas do exterior saíram do Irã antes do lançamento do SPV.
Por outro lado, os iranianos anunciam que, por enquanto, as vendas de petróleo estão dando para o país tocar o barco, sem fazer água.
Informa o vice-ministro do Exterior, Mohamad Sajjadpour: “As pequenas e médias empresas europeias continuam ativas, os governos europeus vem tentando ajudá-las a se manterem operacionais (Reuters, 6 de novembro)”.
Não será suficiente, a não ser que um grande grupo privado europeu decida encarar The Donald, com apoio dos países da União Europeia, e desafie os rugidos intimidadores do morador da Casa Branca.
Ninguém duvida que Donald Trump está jogando uma partida, cuja vitória é fundamental para seus planos de se reeleger.
Apesar dos seus repetidos desmentidos, ecoados por figuras como o secretário de Defesa, general James Mattis, o gol almejado é mesmo destruir o regime da república islâmica.
Os EUA sabem que o governo de Teerã não vai concordar num novo acordo nuclear, sob medida para os interesses de Israel. Tampouco é viável que se retire da Síria, do seu apoio ao Hisbolá e ao Hamas, e mesmo da inexpressiva ajuda aos houthis, na guerra do Iêmen.
Para o Irã, abandonar o que The Donald chama de “interferência iraniana na segurança do Oriente Médio” seria ceder aos EUA e à Arábia Saudita a hegemonia na região. Nesse caso, o governo republicano e xiíta não iria muito longe, cercado por monarquias sunitas, ligadas aos EUA e cada vez mais próximas a Israel, o inimigo-mor de Teerã.
A verdade é que, usando as sanções para destruir a economia do regime, a Casa Branca visa criar o caos, e com ele vastas carências de alimentos, emprego e saúde, que levariam o povo iraniano ao desespero e à revolta.
Talvez mesmo em 2019, de acordo com o vaticínio de Elie Gewreanmayeh, do Conselho Europeu de Relações Internacionais: “O Irã vai ter paciência por cinco ou seis meses, mas as ruas importam muito (New York Times, 6 de novembro.”
O povo nas ruas já está sentindo na carne o peso das sanções.
Elas não são apenas violações da soberania, do direito e da ordem internacional. Vencer uma parada política às custas do sofrimento do povo do país rival é também algo profundamente desumano.
Enquanto a fome começa a rondar pelos bairros pobres, já aumentam os mais sérios problemas de saúde, decorrentes da impossibilidade de se importar medicamentos e equipamentos médicos.
O governo americano garante que autoriza as transações humanitária, importações de alimentos e remédios para o povo iraniano.
Não é bem assim.
Numa recente entrevista, Brian Hooks, representante especial dos EUA para o Irã, alguns jornalistas lembraram que empresas vendedoras de frutas e remédios no Irã tem sido alvejadas pelas sanções. Faltariam “canais seguros” para esses produtos de primeira necessidade poderem entrar no país sem penalidades.
Perguntaram então quais seriam esses canais.
Hooks respondeu: “A obrigação de identificar esses canais seguros não era dos EUA. Que isso era problema dos iranianos,” o ônus cabe ao regime.”
Estava de brincadeira.
As transações humanitárias tem de passar também pelos bancos internacionais, que as evitam pois temem problemas com o Tesouro dos EUA, sempre pronto a descobrir possíveis irregularidades e distribuir fartas sanções.
Longe de facilitar as coisas para atender às necessidades do povo , o governo Trump as dificulta. Acaba de colocar o Parsian Bank numa lista dos 50 bancos iranianos com quem nenhum banco do exterior pode efetuar transações.
O Parsian, um dos líderes do setor dos bancos privados do Irã, tem sido um canal essencial para o comércio humanitário com a Europa (LobeLog, 5 de novembro).
Em outubro deste ano, a Corte Internacional de Justiça da ONU (CIJ) condenou a reimposição de sanções ao Irã e ordenou a Washington que suspendesse as medidas restritivas relativas ao comércio humanitário de alimentos e medicamentos e á aviação civil.
Registro que graças à proibição da importação de aviões novos, peças de reposição para a velha frota comercial atual e modernos equipamentos de controle do tráfego aéreo, o Irã tornou-se o recordista mundial em acidentes de aviões. De acordo com informações oficiais, nos últimos 25 anos, 17 aviões caíram, com a morte de 1.500 pessoas.
Já que os EUA dizem que sua política não é contra o povo iraniano, sendo mesmo humanitária, deveria respeitar a decisão, pelo da Corte de Justiça. Mas isso não aconteceu.
Coerência está em falta no governo Trump, onde, pelo contrário, hipocrisia existe em abundância.