O Assassinato da Saúde

A noite de 17 de março se aproximava do fim quando Israel enviou alarmantes mensagens a médicos do hospital Al-Ahli: o hospital deveria ser evacuado rapidamente, pois no dia 18 seria bombardeado.

Os médicos ficaram aterrados.

O Al-Ahli já havia sofrido um bombardeio em 23 de outubro de 2023, quando uma terrível explosão atingiu seu pátio interno, repleto de milhares de refugiados.

O número de vítimas foi brutal: 471 mortos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, cujas estatísticas são consideradas confiáveis até mesmo por especialistas do Ocidente.

Segundo Israel, o incidente foi causado por um míssil mal lançado pela Jihad Islâmica. Já para o Hamas, foram bombas lançadas por aviões israelenses.

O respeitado jornal britânico The Guardian ponderou que uma operação daquela magnitude estaria fora das capacidades dos milicianos.

O novo ataque ao Al-Ahli configurava uma série de problemas, exigindo ações rápidas e seguras para preservar a vida dos muitos pacientes acamados.

Como retirar centenas de doentes com dificuldades de locomoção em tão pouco tempo?

E como seus organismos debilitados poderiam resistir ao frio congelante típico de uma noite de inverno na região?

Uma criança não resistiu.

Ela havia sofrido previamente um ferimento na cabeça e morreu por não ter sido adequadamente cuidada devido à extrema pressa no processo de evacuação.

O ataque aéreo destruiu completamente a infraestrutura do hospital, incluindo seu departamento de emergência e a unidade de oxigênio do setor cirúrgico.

Os pacientes que conseguiam andar buscaram refúgio em abrigos precários e hospitais de campanha, quase todos lotados.

Dois deles morreram em consequência da retirada forçada no alvorecer gelado.

Quando os aviões da IDF (Forças de Defesa de Israel) encerraram sua criminosa tarefa e se retiraram, a maior parte do Al-Ahli Arab Hospital — o último hospital funcional de Gaza City — estava praticamente destruída.

Como sempre, o governo de Tel Aviv pôs a culpa no Hamas, desta vez acusando-o de esconder no Al-Ahli um centro de comando e controle de suas ações, que precisaria ser neutralizado por razões estratégicas.

Como sempre, Bibi e seus aliados não apresentaram nenhuma evidência concreta de suas acusações.

Para quê? Os EUA acreditam em tudo o que o governo sionista afirma.

E a maioria dos países europeus faz de conta que as barbaridades israelenses são fatalidades da guerra.

Não posso jurar que o Hamas seja inocente.

No entanto, raciocine comigo:

Os milicianos podem ser radicais, mas não são tolos. Não iriam se esconder em hospitais sabendo que Israel os bombardearia, como já fez dezenas de vezes.

O Al-Ahli foi o último dos 35 hospitais palestinos dizimados pelas bombas israelenses — 70% delas fornecidas ao IDF pelos governos de Biden e Trump.

Com sua destruição quase total, os palestinos feridos ficaram sem acesso à maioria dos serviços médicos, muitas vezes já precários devido à falta de medicamentos, cuja entrada em Gaza é bloqueada por Israel.

Médicos voluntários relataram casos em que foram obrigados a realizar cirurgias sem anestesia.

De modo geral, os estoques de medicamentos foram reduzidos em 37% das drogas essenciais, 59% dos suprimentos médicos e 54% dos medicamentos usados no tratamento do câncer e de doenças do sangue.

O bombardeio do Al-Ahli foi mais um capítulo no plano israelense de destruição do sistema de saúde de Gaza.

Esse plano vem sendo complementado pelo assassinato de 1.420 médicos e profissionais de saúde, além da destruição de 240 centros de atendimento e 142 ambulâncias.

Calcula-se que os danos infringidos ao setor de saúde pelo IDF — autointitulado “o exército mais moral do mundo” — já ultrapassam 3 bilhões de dólares.

Não há sequer perspectivas de longo prazo de que uma quantia dessas seja disponibilizada por potências ricas para restaurar o sistema de saúde de Gaza — isso, supondo que a paz tenha sido firmada e que os palestinos possam voltar a uma vida minimamente normal.

Com todos os 35 hospitais funcionais de Gaza parcialmente transformados em ruínas, os palestinos contam apenas com raros e limitados hospitais de campanha.

Literalmente caçados pelo IDF, seus médicos e profissionais de saúde não dispõem da maioria dos medicamentos necessários — inclusive os mais básicos, boicotados por Israel.

Há casos em que pacientes que poderiam ser facilmente curados com medicamentos específicos morreram por falta deles.

Talvez o maior dano imposto ao sistema de saúde de Gaza tenha sido a aniquilação do hospital Al-Shifa.

Ele foi declarado por Israel e pelos EUA como a principal sede de atividades do Hamas — um centro de comando e controle, possivelmente o coração das operações do grupo.

Um alvo tão importante exigiria, supostamente, uma ação cirúrgica do IDF, capaz de localizar e destruir os supostos equipamentos de comunicação e coordenação.

As tropas do IDF lançaram um forte ataque, invadindo diversos departamentos do Al-Shifa.

Mas… e os equipamentos avançados de comando e controle do Hamas? Ninguém viu, ninguém encontrou.

Mesmo assim, Israel não desistiu.

Invadiu novamente e… novamente, não encontrou nada.

Desta vez, os chefes militares de Israel não quiseram “perder a viagem”. Muitos pacientes, médicos e profissionais de saúde foram sequestrados ou mortos, e os principais departamentos foram quase completamente destruídos.

A devastação foi tamanha que as autoridades de saúde de Gaza chegaram a uma conclusão amarga:

O Al-Shifa estava fora de serviço para sempre.

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