Nova esquerda espanhola começa bombando.

Como no Brasil, massas de espanhóis saíram às ruas contra o sistema.

Mas não ficaram nisso como aconteceu por aqui.

O povo não suportava mais as conseqüências do arrocho econômico e fiscal, impostos pelas autoridades  da Europa. Que os governos dos dois grandes partidos – socialista e conservador – se conformaram em aceitar.

Ao contrário do que aconteceu no Brasil, as grandes manifestações populares espanholas (dos chamados Indignados) foram apenas o começo de uma atuação política realmente efetiva.

Os indignados criaram movimentos para enfrentar os graves problemas do país, causados ou agravados pela política de austeridade. Fundou-se também  um partido político alternativo – o Podemos.

Diferente de todos os demais partidos espanhóis, o Podemos está focado em mudanças radicais,  porém realistas para aliviar os sofrimentos do povo. É uma nova esquerda, não engessada, nem por princípios ideológicos rígidos, nem por compromissos com interesses econômicos.

O Podemos surgiu oficialmente em janeiro de 2014 e quatro meses depois se tornou o quarto partido mais votado já na sua primeira disputa eleitoral, para o parlamento europeu.

Nas eleições municipais deste ano, o Podemos participou em coalizão com diversos movimentos sociais.

Conseguiu resultados surpreendentes, elegendo os prefeitos de quatro das cinco maiores cidades da Espanha.

E eles já estão mostrando ao que vieram.

Em Barcelona, a nova  prefeito, a ativista Ada Colau, prometeu que nunca terá um carro oficial. E vai reduzir seu salário de 140 mil euros anuais para 35 mil euros anuais.

Logo no seu primeiro dia, ela atendeu pessoalmente a uma família despejada de seu lar.

Sem demora, ligou para o banco credor e conseguiu que a ordem de despejo fosse suspensa.

A seguir, ordenou que um assessor tomasse providências para proteger outras 15 famílias também ameaçadas de despejo.

Ada Colau anunciou à imprensa um plano de emergência para tratar do problema da habitação. Vai convocar os banqueiros para discutirem como interromper os despejos e transformar as casas de suas carteiras que estão vazias em residências de preço acessível.

A questão da habitação é uma das mais angustiantes na Espanha de hoje.

Devido à crise, o desemprego atingiu 26% (só na Grécia é pior). Com tanta gente sem ganhar salário, falta dinheiro para pagar prestações de casas ou aluguéis.

Até o fim de 2012, já havia 400 mil processos de despejo.

Na Espanha, as leis de habitação são extremamente duras para o locatário. Depois de despejado, terá de continuar pagando a hipoteca se o valor da casa for inferior à dívida. O que acontece muito pois, por efeito da crise, a procura de residências caiu e , conseqüentemente, também seu valor de mercado.

Antes de ser eleita prefeito, Ada Colau distinguiu-se como líder de movimento em defesa dos atingidos por despejos.

Já demonstrou que vai continuar ligada a essa causa no seu atual cargo, como prefeito de Barcelona.

O mesmo já está fazendo a nova prefeito de Madrí, a juíza Manuela Carmena, outra candidata apoiada pelo Podemos.

Como Ada Colau, ela teve um começo de governo surpreendente: chegou de metrô, prometendo que será sua condução normal para a Prefeitura.

Sem perder tempo, Manuela Carmena comprometeu-se a implementar uma série de medidas nos primeiros 100 dias do seu mandato.

1-Usar de todos os meios e recursos municipais para paralisar as desocupações e despejos de “primeira moradia” e oferecer uma alternativa habitacional;

2- Interromper a privatização dos serviços públicos;

3-Garantir água e eletricidade a todos que não possam pagar;

4-Desenvolver um plano urgente para a inserção no mercado de trabalho de jovens e desempregados há muito tempo.

Na sua campanha eleitoral, o recém-eleito prefeito esquerdista de Valença, Joan Ribó, deu ênfase especial à busca de outras opções para a mobilidade na cidade.

Coerente, foi de bicicleta à Prefeitura no primeiro dia do seu mandato.

Usar o metrô como condução normal, reduzir seu salário e dispensar carros oficiais poderão parecer medidas ineficientes ou demagógicas.

Mas tem um sentido simbólico: mostrar ao povo que os políticos da nova esquerda fazem parte dele e não querem usar de qualquer privilégio nessa quadra sofrida que a Espanha vive.

Na Galícia, três prefeitos dessa nova esquerda tomaram algumas decisões controversas.

Todos eles negaram-se a participar de uma famosa e tradicional procissão religiosa.

O motivo: sendo a Espanha um país laico, autoridades não deveriam se comprometer com atividades públicas de qualquer religião.

Xulio Ferreiro, eleito em La Coruña, disse que preferia homenagear a matemática galega Maria Wonemburger, recém falecida aos 86 anos, a primeira pessoa na Espanha a ganhar uma bolsa Fulbright para doutoramento em matemática.

Jorge Suarez, de Ferrol, prometeu que vai cumprir programa discutido com entidades sociais que prevê a re-estatização da maioria de serviços privatizados pelos conservadores.

Coube a Martiño Noriega, novo prefeito de Santiago de Compostela, definir de forma simples mas, eu diria, básica, os objetivos desta nova esquerda: “uma sociedade mais justa em termos reais e um país dono de suas decisões.”

O fracasso do establishment espanhol, provado pela crise que a direita e a esquerda tradicional não conseguiram administrar, gerou a nova esquerda do Podemos e dos movimentos sociais.

Quando dezembro chegar, ela terá boas chances de assumir a governo da Espanha, nas eleições parlamentares.

Seria, então, uma alternativa válida, mesmo porque não existe outra.

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