Era o fim da cúpula de Seul e os dois presidentes conversavam.
“Depois desta eleição, eu terei mais flexibilidade. Todos estes problemas, especialmente o do ABM (escudo anti-míssil) podem ser resolvidos. Mas o mais importante é me dar espaço para manobrar”, disse Obama.
E Medevedv respondeu: “Eu entendo e passarei esta informação para Vladimir (Putin).”
Verdadeiro ou não, este diálogo ecoou nos EUA.
Logo toda a oposição republicana ergueu-se em irados protestos.
Mitt Romney, seu virtual candidato a presidente, declarou que a Rússia era o inimigo número 1 dos EUA e as palavras de Obama mostravam cumplicidade e promessa de atender aos russos depois da eleição, quando não precisaria mais medir seus atos e palavras.
Obama tentou justificar-se: “A situação que se desenvolveu no momento não favorece consultas substanciais. Penso que conseguiremos melhores resultados em 2013.”
Tudo indica que Putin não entendeu o problema de Obama. Ou não se importa.
Ele não vai deixar a questão do escudo anti-míssil para ser discutida em 2013.
Afinal, ninguém sabe se o processo foi detido ou se a produção e montagem das baterias anti-mísseis e instalações de radar continua.
O receio é que, em 2013, por mais boa vontade que o Obama reeleito revele, o escudo de defesa seja um fato consumado.
Tudo começou com George Bush e seus conselheiros, os chamados neoconservadores, apóstolos da hegemonia americana sobre o mundo.
Para eles, apesar da Rússia não ter o poder da União Soviética, não deixava de ser um antagonista – com seus milhares de ogivas nucleares – à altura dos EUA.
A idéia que surgiu foi conter suas inevitáveis ambições expansionistas, através de bases americanas localizadas em países ex-soviéticos e de um escudo anti-míssil, cobrindo toda a fronteira européia dos russos.
A justificação seria a necessidade de proteger os países da OTAN contra os projéteis balísticos levando ogivas nucleares que o Irã ou a Coréia do Norte possivelmente acabariam lançando.
A Rússia, de pronto, protestou.
Putin, então Presidente, alegou que essa suposta defesa anti-míssil na verdade seria anti-Rússia.
Como explicou o general Ivanov, do Centro de Problemas Geopolíticos: ”Se esses planos do Pentágono se concretizarem, os Estados Unidos aumentarão consideravelmente a eficiência de sua estrutura de defesa aérea. Os mísseis lançados pela Rússia serão interceptados na aceleração de sua trajetória”.
Com isso, a Rússia se transformaria num urso sem garras.
Numa eventual guerra, o Ocidente poderia atacá-la tranqüilamente, pois Moscou não teria como contra atacar.
Putin surpreendeu Bush com uma proposta alternativa: criar um sistema unificado de defesa, usando bases no interior da Rússia e do Afeganistão, controlado pela OTAN e pelos russos, em conjunto.
Só para resolver a questão, porque o chefe russo não acreditava que o Irã fosse ter bombas nucleares.
Quanto aos norte-coreanos, eles podiam ser truculentos, mas não eram burros. Jamais encarariam uma guerra contra os americanos e seus aliados europeus.
Bush, é claro, vetou a idéia. Não resolvia a verdadeira questão que era enfraquecer seu rival.
E o presidente americano resolveu dar um tempo.
Vieram as eleições e os republicanos perderam.
Com Obama, o assunto foi retomado. Talvez por influência do lobby da indústria de armamentos, que ganharia bilhões com a produção do escudo anti-míssil.
Medvedev tinha sucedido a Putin, prometia ser mais razoável.
Mas não foi.
No ano passado, depois de muitas discussões entre os dois presidentes, o russo resolveu apelar.
Antes, porém, repetiu os argumentos negativos de Putin e acrescentou mais um: outro objetivo da barragem seria a preparação de um ataque contra o Irã, país amigo da Rússia, com o qual ela vinha mantendo muito lucrativas relações econômicas.
Em seguida, engrossou a voz e declarou alto e bom som que se não se chegasse a um acordo a Rússia iria retaliar militarmente.
De cara, mandaria instalar em Kaliningrado, na fronteira oeste, uma formação de mísseis apontados malevolamente para os locais na Polônia e na República Checa onde estariam os mísseis e radares do projeto do escudo de defesa.
Novamente as conversações pararam.
Em março deste ano, Obama e Medvedev se reuniram em Seul, onde tiveram a conversa acima relatada.
Mas, agora, Putin é o presidente.
Conversações retomadas chegaram a um “beco sem saída”, segundo o Ministro da Defesa, Anatoly Serdyuko.
E, na quinta-feira, 3 de maio, coube ao General Nikolay Makarov, Chefe do Estado Maior, lançar algo muito semelhante a um ultimato: “A decisão de usar forças destrutivas preventivamente será tomada se a situação piorar.”
Evidentemente essas ameaças não são para serem tomadas ao pé da letra.
No caso da Casa Branca ordenar o início da montagem da barreira, Makarov não lançará uma chuva nuclear contra New York, Londres ou Paris.
O objetivo é pressionar Obama, fazê-lo sentir que os russos não vão deixar barato.
Ao mesmo tempo, há uma clara intenção de assustar os habitantes da República Checa e da Polônia, os primeiros alvos dos dardos de Putin.
Esse pessoal já é francamente contra o escudo de defesa anti-míssil.
Seja lá o que Moscou visa com suas ameaças, uma coisa é certa: os rugidos do urso russo não devem ser desdenhados.