Claro, quando os EUA mudam, o mundo também muda. Isso é até viável, desde que o candidato democrata vença as eleições presidenciais de 11 de novembro de 2020.
Se for o senador Bernie Sanders, seria uma virada de 360 graus, deixando para atrás a tradicional política imperial de impor hegemonia pela força das armas ou das sanções, e as demais nações poderão esperar dos EUA um desempenho atento à leis internacionais e aos direitos humanos.
As posições progressistas dominantes nas bases dos democrata tendem a influenciar cada vez mais o partido. Até o moderado Joe Biden, por enquanto o favorito, já está começando a surfar nessa onda, basta comparar seu programa com o de sua antecessora, Hillary Clinton.
Com Bernie, uma eventual mudança dos EUA será mais radical e rápida. Biden não vai tão longe, mas, se o seu programa não for apenas marketing, um novo EUA, que não amedrontem a Europa, nem abandonem os palestinos, nem jurem de morte o Irã, pode demorar um pouco, mas vai surgir.
Infelizmente, ainda acho que Trump tem mais chances, caso a economia americana continue bombando e o desemprego não volte a subir. Talvez haja uma surpresa. Surgiram indícios de que os números positivos podem murchar ainda alguns meses antes do dia da eleição.
Em 2020, The Donald vai, mais do que nunca, tomar suas decisões orientando-se por sua campanha de reeleição.
Inclusive, na política internacional. Multilateralismo, justiça, respeito às leis internacionais e aos direitos humanos serão itens irrelevantes.
No caso da Palestina, acredito que ele não desistirá de procurar dividir os árabes, lançando sua “solução final para a questão”, que acena com grandes incentivos econômicos, em vez de tratar de coisas desagradáveis a Israel, como Estado palestino independente e sustentável, fim dos assentamentos, capital palestina em Jerusalém Oriental, etc
As linhas gerais desse plano ds mil e uma noites já vazaram e foram devidamente rejeitadas pelos líderes palestinos e as principais nações árabes e europeias.
Aposto que a “solução Trump” não conquistará os hearts and minds destes povos. O que deverá levar o morador da Casa Branca, apoiado pelo príncipe coroado saudita, condenar os palestinos que, por seu “ódio a Israel” recusam a paz e a riqueza anunciadas pela pax americana.
Evidentemente, mesmo preferindo Netanyahu, The Donald não deixará na mão o rival Gantz. Bibi já anunciou que vai anexar o vale do Jordão a Israel. Gantz respondeu que faria o mesmo. O presidente americano vai apoiar qualquer dos dois nessa decisão, violadora das leis internacionais.
O vale do rio Jordão ocupa um quinto da Cisjordânia, lá vivem cerca de 65.000 palestinos e 11.000 israelenses, em 30 assentamentos ilegais pelo difeito internacional.
Seja quem vencer as eleições, Israel continuará defendido pelos EUA na ONU e outros foros internacionais. E continuará recebendo anualmente do governo de Washington 3,3 bilhões de dólares em armamentos para eles que já são um dos países mais bem armados do mundo.
Parece certo que a maioria dos judeus-americanos votará no candidato democrata. E daí? Trump está de olho é nos financiamentos dos muitos ricos e riquíssimos judeus, que se inclinam por ele e dispõem de grande influência na imprensa e no Congresso.
Já os palestinos passam por um momento difícil. A solução dos 2 estados independentes, sem o protagonismo americano, não vai bem das pernas.
Apesar disso, os cidadãos democratas e independentes os EUA vêm a criação do Estado palestino com bons olhos. E rejeitam Netanyahu.
Porém, a força do lobby pró-Israel no Congresso é poderosa. É fato que a Casa dos Representantes, por iniciativa dos democratas moderados, condenou o BDS, movimento que prega o fim de relações com Israel nas áreas econômicas, artísticas, científicas, esportivas e culturais (entre outras mais), até acabarem a ocupação da Palestina e os assentamentos ilegais. Os progressistas impediram que isso se tornasse lei e ainda conseguiram colocar na resolução aprovada a defesa da solução dos 2 estados independentes, rejeitada pelo governo de Israel e ignorada por The Donald.
O BDS pode ajudar a combater a ocupação e os assentamentos, mas seu objetivo dificilmente será atingido enquanto durar a separação entre os principais movimentos libertários – o Fatah e o Hamas (há outros motivos). Eles prometem fazer em 2020 a quarta ou quinta tentativa de união, há dúvidas se será bem-sucedida, ao contrário das anteriores.
Enquanto a solução para a Palestina permanece sujeita a chuvas e trovoadas, o fim da guerra comercial com a China pinta como próximo. Não interessa à campanha eleitoral de Trump que ela continue. Especialmente depois de estudo de dois economistas do Federal Reserve concluir que a guerra comercial vem reduzindo o emprego nas indústrias dos EUA e aumentando os preços que seus industriais pagam pelos materiais necessários (National Review, 30-12-2019).
A China quer o mesmo, ela sabe que um ambiente isento de tempestades é ideal para sua economia prosseguir dando certo.
E também dará condições para Beijing acelerar seu protagonismo nas disputas internacionais, usando sua arma mais eficiente: o yen.
Chuvas da moeda chinesa já vem acontecendo na Venezuela. Serão maiores em 2020. Aliados aos russos, os chineses deverão abrir mais suas azas sobre Maduro- patrocinando um acordo do regime com os rebeldes, que sem a ameaça de invasão americana, desinteressante para os sonhos eleitorais de The Donald, acabarão por serem mais concessivos.
Como ao presidente Xi não interessam guerras, comerciais ou armadas, ele deve incluir o Irã na sua relação de países beneficiados. Não sei dizer a natureza das ajudas chinesas, mas certamente irão além do até agora oferecido.
Aqui convergem os interesses da China e dos EUA.
Com seu atordoante delenda Iran, o morador da Casa Branca usa suas sanções como arma para destruir a economia desse país e, por consequência fatal, o bem estar do seu povo.
Já há resultados. As grandes manifestações contra a situação difícil por que passam os iranianos demonstram o início de uma oposição popular, que tende a se ampliar sem limites previsíveis.
O governo Rouhani não tem como oferecer mais empregos, melhores salários e preços mais baixos. A Casa Branca espera que suas sanções causem o agravamento da crise, criando uma situação insustentável para o regime, que se arriscaria a sofrer um levante caso não aceitasse um acordo redigido a quatro mãos por The Donald e seu amigo, Bibi Netanyahu.
Há uma terceira alternativa: desesperados diante do uma situação caótica, à qual o país sob sanções pode chegar, Teerã partiria para uma guerra sem esperanças, capaz de incendiar o Oriente Médio e até de ganhar o patamar mundial.
Trump treme diante desta perspectiva, que deixaria o povo americano enfurecido e pouco propenso a votar nele.
Xi sairia de sua zona de conforto pois, sem paz na terra, a expansão da China iria para o espaço.
Acredito que ambos vão agir para encerrar uma guerra comercial agora totalmente indesejável para eles.
Quanto à guerra do Iêmen, os riscos de expansão para fora são poucos pois está praticamente encapsulada no território do país.
The Donald pode mediar um acordo de paz, que pegaria bem no povo dos EUA, cada vez mais refratário a intervenções belicosas, geradoras de altas perdas financeiras e mortes de our boys.
Agradaria também ao Congresso, que vem clamando pelo fim do apoio armado dos EUA aos sauditas e associados. E ao próprio reino do deserto, agastado com a resistência dos houthis que já dura quase cinco anos.
Por mais ricos que os sheiques sejam, torrar dezenas ou centenas de bilhões em armamentos não deve ser nada agradável. Como não é a recente retirada da guerra do seu principal aliado, a União dos Emirados Árabes.
A invasão do Iêmen foi uma ideia desastrosa do príncipe Mohamed, herdeiro e eminência parda do trono. Ele deve topar um acordo de paz nesse conflito em que cada estatística publicada sobre os sofrimentos dos iemenitas acrescenta mais lama à imagem principesca, já bem suja.
A única das chamadas guerras americanas que deve acabar em 2020 é a do Afeganistão. Um acordo já fora alcançado em 2019 mas Trump surpreendentemente recuou, talvez reservando sua efetivação para data mais próxima do dia da eleição presidencial nos EUA, quando funcionaria melhor como promotora de votos.
Quanto à guerra da Síria, já de fato terminada, a estratégia americana é conservar uma força militar no país para incomodar Assad e criar problemas para seu relacionamento com os russos e o Irã.
A exploração americana de campos de petróleo de Deir er Zor, pertencentes à Síria e e o bombardeio de milícias xiitas no próprio território do país são ilegais. E deixam os russos numa situação constrangedora.
Como protetores de Assad eles deveriam intervir até militarmente, mas …cadê coragem para isso?
Claro, há riscos de confrontos sérios, que The Donald também não quer, mas ele confia na prudência de Putin.
Foi com essa qualidade que o líder moscovita ganhou quase todas em 2019: junto com a China, blindou a Venezuela, comprando seu petróleo e exportando armamentos, em desafio ao diktat dos EUA; influenciou países europeus a cessarem as sanções contra a Rússia; completou a derrota dos rebeldes pró-Ocidente na Síria; atraiu a Turquia, aliada tradicional dos EUA; aproximou-se de Israel para garantir que Netanyahu não entrasse na guerra da Síria ; está acabando a construção do gasoduto Nord Stream, que garantirá gás à Europa, passando ao largo da inimiga Ucrânia, sob bombardeio de ameaças e sanções da Casa Branca; e consolidou a vitória de Assad na guerra síria.
Como Trump é o presidente americano dos sonhos de Moscou, Putin vai fazer de tudo papa a ajudá-lo.
Torço para que desta vez ele saia perdendo.