Irã: as portas se abrem para o pior.

23 foi uma segunda-feira decisiva para a luta do Irã pela sobrevivência.

Nesse dia, a Europa publicamente abandonou Teerã, aderindo a Trump; o governo Rouhani fez concessões tangíveis aos EUA; que não perderam tempo em desconsiderá-las.

Os líderes do Reino Unido, Alemanha e França  assinaram declaração, afirmando que o Irã foi o responsável pelo ataque às refinarias sauditas. Argumentam que, apesar da ausência de provas não haveria outra explicação plausível.

Não sei se esta justificação seria aceita por algum tribunal de um país civilizado.

A implausibilidade aqui é altamente questionável. Não creio que a CIA ou o MI5 se prestassem a promover ataques fake dessa ordem para responsabilizar os iranianos. No entanto, o Mossad, pelo sua longa experiência em operações internacionais, tão clandestinas quanto ilegais, teria toda a expertise e motivação para fajutar um ataque de mísseis ou/e drones, jogando a culpa no Irã.

Veja que não estou apontando o dedo para os agentes secretos israelenses. Apenas procuro demonstrar que, ao contrário do que garantem os estadistas europeus, é temerário alegar que qualquer outro ator fora Teerã poderia ser responsabilizado.

Não foi surpresa para ninguém que o nome de Boris Johnson, o primeiro-ministro inglês, aparecesse entre os signatários do pronunciamento anti-Teerã. As frases abaixo, proferidas em entrevista à NBC, sumariza bem sua posição: “Trump é o único cara que pode fazer um acordo (nuclear com o Irã) melhor…espero que haverá um acordo Trump.”

Houve certa decepção diante da postura de Macron e Merkel. Afinal, eles tem criticado repetidamente as malazartes de The Donald.

Por outro lado, também rejeitam a política iraniana de superar os estragos causados pelas sanções, através da renúncia progressivas de clausulas do acordo nuclear e de ações agressivas, tanto comprovadas – apreensão do petroleiro inglês e derrubada do drone americano- quanto possíveis (ou prováveis) – bombardeio das refinarias sauditas e atentados contra petroleiros nas costas da UEA.

Justo no dia anterior ao documento europeu, Mike Pompeo, o secretário de Estado, havia declarado, em nome do chefe: “é responsabilidade do mundo” unir-se em coalisão global e confrontar o Irã, “a força do mal na região”. E , segundo Pompeo, “o mundo inteiro sabe” que o Irã é totalmente  culpado (Fox News, 23-09-2019).

Creio que os americanos devem ter lembrado aos estadistas francês e alemã que um desfecho da crise estava pintando. Caso não ajudassem a cortar as azas do Irã, a situação evoluiria para uma guerra, onde a OTAN e , portanto, a Europa, fatalmente teriam de fechar com os EUA e sofrer retaliações iranianas.

As três potências também apelaram pelo emprego da diplomacia para solucionar o conflito. Não que isso represente  independência diante de um ameaçador Tio Sam, mas apenas uma tentativa para salvarem sua face. Afinal esta proposta pacifista é banal. Todos os envolvidos no affair a vivem repetindo. Vez por outra, até mesmo o próprio presidente americano.

O que é mais significativo no documento europeu é a proposta de negociar (leia-se restringir) o programa balístico iraniano num acordo futuro. Nem o próprio Trump fala mais nisso. Nas suas últimas frases, o marido da maravilhosa Melanie só trata da necessidade de impedir a “nuclearização do Irã.”

Conclui-se que, aceitando sua participação fatal numa eventual guerra, os três grandes da União Europeia temem que Teerã possa atingir seus países com seus mísseis de longo alcance.

Seria reconfortante para a Europa saber que, numa indesejada luta contra o Irã, estaria a salvo de mísseis lançados pelo adversário. Só que, sem eles, como os iranianos poderiam impor respeito a Israel e suas poderosas forças armadas, equipadas com os mais letais e modernos equipamentos americanos?

Aceita-se como ponto pacífico que é Israel quem deve temer a agressividade de Teerã. Só que os fatos mostram o contrário. Bombardeios israelenses na Síria já mataram dezenas de soldados e oficiais do irã, que estão legalmente nesse país, a chamado do presidente Assad, para ajudá-lo a se defender de uma revolução.

Por outro lado, não se tem notícia de um único cidadão israelense, militar ou civil, morto, ou mesmo ferido, por alguma ação militar iraniana.

Seja como for, a mudança de lado de França, Alemanha e Reino Unido deixa o Irã isolado internacionalmente.  Situação totalmente desconfortável. O país passa contar só consigo para enfrentar o mais poderoso país do mundo e seus aliados na região.

Como a guerra não interessa aos sonhos de reeleição do morador da Casa Branca (o povo americano rejeita novas aventuras bélicas), é mais possível que ele decida por algo menos sangrento, embora igualmente radical, como um bloqueio marítimo, aéreo e terrestre do Irã.

O sofrimento que já atinge o país, graças às sanções americanas, se tornaria insuportável. Acho problemático que a China e a Rússia fossem além de protestos e condenações, ainda que amargos

Sentindo a barra, o governo do Irã reagiu no mesmo dia da virada europeia. Através de Zarif, seu ministro do Exterior, ofereceu algo até agora sempre recusado: modificações no acordo nuclear de 2015, celebrado com as grandes potências.

Seria anexado um protocolo, estabelecendo que:

1-As inspeções das instalações nucleares iranianas seriam objeto de inspeções ainda mais intrusivas. Não ficou claro como seriam uma vez que “intrusivas” já são. E muito. Talvez o Irã permitisse que os fiscais do instituto Internacional de Energia Atômica fossem xeretar até em centros militares não relacionados a atividades nucleares, como The Donald já pleiteou em outras ocasiões;

2- O Supremo Líder Kamenei, que já estigmatizou a produção de armas atômicas, faria uma proibição formal, em seguida, transformada em dispositivo constitucional.

 Especula-se ainda que o Irã aceitaria uma das principais exigências de Trump: a extinção ds chamadas “cláusulas do anoitecer” (sunset clauses) que dão prazo para que o Irã possa retomar o enriquecimento do urânio em níveis mais altos (MSN News, 23-09-2019).

Em contra-partida, The Donald cancelaria as sanções e conseguiria que o Congresso ratificasse essa decisão.

Brian Hook, nomeado pelo presidente americano para lidar com a questão iraniana, não deixou a bola bater no chão. Emendou de sem-pulo, rebatendo a iniciativa de Zarif. Repetiu os velhos e cansativos slogans anti-iranianos: “eles estão comprometidos com a campanha de exportar a violência e a revolução”, “sabotam a soberania de outras nações”,etc

Em tese, jurou que “os EUA continuam com a portas abertas para a diplomacia,” concluindo de forma pouco amigável que “enquanto ela não vem, as pressões econômicas continuam.”

Levando estas considerações ao pé da letra, os EUA sequer consideram as concessões de Teerã  dignas de resposta. Não demonstraram disposição de conciliar, nem de longe. Acho que os europeus esperavam que ,embora discordando de Zarif, eles aceitariam discutir um acordo aceitável por ambas as partes.

Ao menos por enquanto, os EUA mantem as portas fechadas, parecendo que só as abririam nos termos que a Casa Branca ditar.

Se Trump não mudar de ideia, o que é bem possível pelo caráter errático de suas posições, as perspectivas parecem sombrias para o Ir ã e para a paz.

Acho que nem mesmo os moderados do governo Rouhani discordarão da estratégia de aumentar a agressividade para fazer seus adversários sofrerem como os iranianos estão sofrendo. E assim convencer os EUA e seguidores de que concessões pela paz valem à pena para todos..

Diante do horizonte apocalíptico que se vislumbra, surgem interpretações otimistas dos sucessos do dia 23.

A Europa e os responsáveis pelo governo Rouhani teriam combinado suas ações.

O documento dos três líderes do velho mundo, afastando-se do Irã, visaria assustar as forças políticas do regime de Teerã para que cedessem, acabando por aceitar mudanças no acordo nuclear, até então sempre repelidas.

Quanto a The Donald, talvez as visse, não como solução, mas como o ponto de partida para negociações, resultantes em avanços ponderáveis no caminho da paz.

Acho que, infelizmente, esta interpretação não passa de wishful thinking, mera fantasia.

Torço por ela, mas uma distopia tem muito mais chances de vir a rolar no Oriente Médio.

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