Gaza: talvez a última chance

Sessenta e oito mil civis palestinos foram assassinados pelos devastadores bombardeios diários israelenses, que transformaram Gaza em ruínas. Com todo o enclave submetido à fome imposta pelo bloqueio de alimentos, a paz — paradoxalmente — parece agora possível.

A Europa celebrou com júbilo a aceitação, pelo Hamas, do Plano Trump de 20 Pontos.

Mas nem todas as cartas foram jogadas.

Embora a libertação dos reféns tenha recebido sinal verde dos sequestradores, o Hamas aprovou o plano apenas parcialmente, solicitando uma reunião para discutir pontos sensíveis — como o desarmamento do grupo, a retirada das tropas israelenses de Gaza e a garantia internacional de um cessar-fogo permanente .

A resposta do Hamas foi entregue a Trump em 3 de outubro. O presidente, então, declarou a guerra encerrada e apelou para que o Exército de Israel cessasse imediatamente os ataques a Gaza, conforme estava determinado.

No entanto, as bombas israelenses — 70% delas fornecidas pelos EUA — continuaram caindo sobre Gaza pelo menos até o dia seguinte. Foram lançados vinte mísseis, que destruíram residências e mataram mais de sessenta pessoas segundo médicos locais.

De 3 a 8 de outubro, Israel realizou cerca de 130 ataques aéreos e de artilharia, resultando em pelo menos 101 palestinos mortos .

Apesar da promessa de manter apenas “posições defensivas”, palestinos que tentam retornar ao norte de Gaza são advertidos de que poderão ser mortos como “terroristas”.

Conforme o Plano Trump, 72 horas após a assinatura do acordo, os reféns israelenses seriam trocados por prisioneiros palestinos, e o exército israelense iniciaria a retirada do enclave.

Logo em seguida, seria formada uma administração provisória integrada por técnicos de países árabes — com exclusão de Israel — enquanto um grupo de especialistas elaboraria um plano de reconstrução de Gaza.

Um Conselho de Diretores, escolhido por Trump e tendo Tony Blair como vice, supervisionaria a execução de todas as etapas, com plenos poderes.

Dessa forma, Trump seria a autoridade suprema na implementação do plano, até que Gaza fosse totalmente recuperada para seu povo.

Não era a solução ideal para Trump e Netanyahu, que até pouco tempo pretendiam transformar o enclave em um verdadeiro inferno, caso o Hamas não se rendesse.

Mas as imagens e relatos das atrocidades cometidas por Israel, em desafio às leis internacionais, se espalharam pela Europa e despertaram um forte movimento em defesa do povo de Gaza.

As multidões de jovens americanos que protestavam nas ruas — logo acompanhadas por ingleses, franceses e cidadãos de outros países europeus — tornaram o apelo por um cessar-fogo e ajuda humanitária impossível de ignorar.

A opinião pública passou a exigir sanções para forçar Israel a cessar suas violências.

Enquanto isso, a Europa limitava-se a manifestos e declarações candentes, que o regime sionista desprezava.

Finalmente, quando o número de mortos atingiu níveis escandalosos, a Comissão Europeia propôs, pela primeira vez, punições a Israel: suspender concessões comerciais e impor sanções aos ministros Ben Gvir e Smotrich, por suas propostas de anexação da Cisjordânia e incitação à violência contra palestinos.

Se efetivada, a suspensão retiraria de Israel o acesso preferencial ao mercado europeu.

Importantes aliados — Reino Unido, França e Canadá — além de Portugal, Noruega, Irlanda e Espanha, reconheceram oficialmente o Estado Palestino, medida rejeitada apenas por Netanyahu, pelos EUA (padrinho do sionismo) e alguns poucos países.

Mesmo nesses países pró-Israel, cresce o apoio popular à causa palestina.

Na Itália, a primeira-ministra Giorgia Meloni, de extrema-direita, enfrenta protestos massivos exigindo o reconhecimento da Palestina e um cessar-fogo imediato.

Uma greve geral paralisou o país por quatro dias, mobilizando mais de 2 milhões de pessoas.

Na Espanha, jovens se unem à luta pela paz. A União Nacional de Estudantes organizou manifestações em 3 de outubro sob o lema: “Parem o genocídio contra o povo palestino!”

Ao menos 39 cidades e vilas realizaram protestos, culminando em grandes atos em Madri e Barcelona .

Pressionados por seus eleitores, os líderes europeus passaram a pressionar Trump por um acordo de paz efetivo.

Essas pressões, somadas às dos próprios americanos indignados com as ações de Israel, deixaram Trump isolado em sua defesa incondicional do aliado sionista.

Netanyahu foi vaiado na ONU, discursando para um plenário quase vazio — a maioria dos delegados deixou o recinto em protesto.

Trump, abalado, confidenciou a jornalistas: “Netanyahu exagerou…”

Pesquisas Gallup indicam que 56% dos americanos desaprovam o apoio total a Netanyahu, e o prestígio de Trump caiu 10% apenas em setembro.

Com as eleições de meio de mandato a pouco mais de um ano, os democratas ganham terreno sobre a fraqueza do presidente republicano.

Diante da crescente pressão internacional, Trump tenta reposicionar-se.

“Levou muito tempo para Israel perder o apoio do mundo… agora vou recuperá-lo”, teria dito.

Assim nasceu o Plano Trump de 20 Pontos.

O plano prevê avanços significativos e concessões mútuas, mas enfrenta resistência.

Entre as medidas mais polêmicas estão a reconstrução de Gaza, o retorno de parte de seus habitantes e o fim do bloqueio israelense — o que se choca diretamente com a política de expulsão de Gaza promovida por Tel Aviv.

Durante anos, Israel impediu a entrada de alimentos na Faixa de Gaza, e a distribuição hoje é feita de forma precária por uma organização americano-israelense.

Pelo plano, a ONU e agências internacionais assumiriam o fornecimento de suprimentos, sem participação de Israel.

Trump também proibiu terminantemente a anexação da Cisjordânia, contrariando os planos de Netanyahu.

O primeiro-ministro israelense, por sua vez, repete que “vai exterminar o Hamas” e perseguir seus membros onde quer que estejam.

O plano, porém, determina apenas o desarmamento do grupo, permitindo que os militantes que abandonarem a luta possam viver em Gaza, enquanto os demais seriam transferidos para outros países.

O Hamas, por sua vez, aceitou não participar do futuro governo de Gaza.

Essas divergências são o principal obstáculo à aprovação final do plano.

Recentemente, o Hamas declarou que apoia integralmente o Plano Trump, desde que o exército israelense se retire de Gaza antes da libertação dos reféns — teme que, após conseguir os reféns, Israel crie um pretexto para romper o acordo e retomar os ataques.

Nesse caso, Netanyahu aplicaria o “Plano A”: a destruição completa de Gaza e o massacre dos chamados “terroristas”.

A dúvida agora é: o que fará Trump?

Irá conter Netanyahu ou permitirá que Israel continue sua guerra de extermínio?

Tudo indica que Netanyahu insistirá que a libertação dos reféns ocorra primeiro.

Mas o Hamas duvida — e com razão: Israel acaba de mostrar o valor de suas promessas.

Apesar de Tel Aviv ter aprovado o plano sem restrições, e Trump ter decretado o fim da guerra, as bombas continuam caindo sobre Gaza, devastando o território e matando civis inocentes.

Fica comprovado, mais uma vez, que não dá para confiar em Israel.

Por outro lado, é improvável que Tel Aviv aceite retirar suas tropas antes da libertação dos reféns.

Trump, pragmático, decidirá com base em seus próprios interesses eleitorais — e não no sofrimento dos palestinos.

Não é nada confortável para um povo esperar por justiça das mãos de quem, até outro dia, fornecia 70% das bombas usadas para exterminá-lo.

Um comentário em “Gaza: talvez a última chance

  1. Espero que o povo de Israel e o do Estados Unidos nao votem nunca mais para tipos como Trump e Netanyahu. Esses povos também sao responsàveis pelo exterminio de Gaza.

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