Em seu livro “A Marcha da Insensatez”, a historiadora Barbara Tuchman discorre sobre estadistas que executaram “políticas adversas aos próprios interesses da comunidade ou nação envolvida.”
Com efeitos desastrosos.
O governo Obama poderá ser mais um nesse grupo insensato se continuar no caminho esboçado nas negociações do acordo nuclear com o Irã.
No primeiro round das discussões, terminou sem resultados concretos.
As grandes potências querem garantias de que o Irã não terá condições de produzir uma bomba nuclear em poucos meses.
Exigem que os iranianos destruam a maior parte de suas 19 mil centrífugas, deixando sobrar uma parte pequena, que o incapacite de enriquecer urânio suficiente para ter uma bomba em menos de um ano.
O que daria tempo suficiente para os EUA tomar as devidas providências bélicas…
Eles partem da idéia de que, com as atuais 19 mil centrífugas, o Irã produziria uma bomba adaptada a um míssil, pronto para ser lançado.
Os representantes iranianos não aceitam de jeito nenhum, mesmo porque a medida proposta seria desnecessária.
Caso Teerã decidisse tornar militar o seu programa nuclear até agora pacífico, isso seria imediatamente detectado pelos inspetores do IAEA (Instituto Internacional de Energia Atômica), que estão constantemente fiscalizando as usinas de Fordow e Natanz.
Em conseqüência, os EUA não perderiam tempo em atacar, transformando o hipotético sonho bélico-nuclear iraniano em pesadelo.
A respeito disso, Jim Walsh do Programa de Estudos de Segurança da MIT, declarou ao Interpresse Service: “A idéia do Irã chutar para fora os inspetores para ir correndo fabricar uma bomba é idiota.”
Gary Samore, diretor executivo de pesquisas do Centro Belfer de Ciencia e Segurança Internacionais, também a considera “um cenário implausível.”
Note-se que se trata de um “falcão”, presidente da União Contra o Irã Nuclear, que distribui propaganda alertando contra a ameaça mundial que um Irã equipado com bombas atômicas representaria.
Embora duvide que o Irã resolva enriquecer urânio nos graus proibidos nas suas usinas conhecidas, ele não descarta a possibilidade de que isso seja feito em usinas secretas.
Não daria certo.
Os satélites americanos, entre outros equipamentos ultra-modernos de vigilância, detectariam com facilidade essas tenebrosas maquinações.
Sem contar que os especialistas em proliferação nuclear não tem dúvidas: é complicado produzir uma bomba atômica de maneira oculta. Exigiria uma série de processos, demoraria muito mais do que produzindo às claras.
Novamente, esta suposta produção clandestina não escaparia da vigilância das 11 agências americanas de inteligência.
Seu diretor, James Clapper, que está longe de ser uma pomba, já afirmou com convicção: os serviços de inteligência não deixam passar nada no Irã que interesse à Casa Branca. (Clapper no Congresso ,Information Clearing House,19-4-2013).
Agora o lado técnico: tanto os poucos meses para o Irã produzir sua bomba com as 19 mil centrífugas atuais quanto os 12 necessários com a rede de centrífugas minimizadas são prazos estimados com base em dados discutíveis.
Segundo o Grupo de Crises Internacional: “são esboços e estimativas puramente teóricas, omitem falhas técnicas inevitáveis” e “um imprevisível processo de avaliação do tempo para adaptar a bomba a uma arma.”
Porque não basta ter a quantidade de urânio enriquecido necessário, é preciso fabricar a bomba e depois, o que sabidamente leva muito tempo, adaptar a um míssil para que ela possa ser usada.
O processo completo, incluindo a adaptação da bomba num míssil balístico tomaria de 3 a 4 anos, segundo o general Ronald Burgess, diretor de inteligência da Defesa dos EUA, em depoimento prestado no Senado (Gareth Porter in Consortium News, 15 de maio).
O governo Obama, é claro, está mais do que por dentro de todos estes fatos.
Obama sabe que a pleiteada redução de usinas nucleares a um número mínimo é absolutamente inútil.
Obama sabe que implicaria no desmantelamento virtual do programa nuclear iraniano o que é inaceitável pelo governo de Teerã. Como disse Abbas Araqcui, vice-ministro do Exterior: ‘Nenhum fator pode restringir (o programa nuclear pacífico) e nada pode nos impedir. Eles (o Ocidente) não poderão brecar o progresso tecnológico e científico do Irã.” De fato, o Irã investiu bilhões nesse projeto, importante para atender às necessidades energéticas e medicinais do país. Mais ainda pelo que representa como elemento-chave na modernização e afirmação do Irã- potência regional e símbolo de sua resistência às sanções ocidentais.
Obama sabe que e rejeição das condições do Ocidente gerará um sentimento de humilhação e ódio no povo iraniano, o que implicará ou na radicalização do governo Rouhani ou sua queda e substituição por um conservador extremista anti-americano.
Obama também sabe que seu próprio país, os EUA, será prejudicado, pois o fim do acordo nuclear detonaria uma guerra no Oriente Médio (como ele mesmo já previu), com o sacrifício de muitas vidas de soldados americanos e de países aliados. E a elevação brusca do preço do petróleo, reacendendo a crise na Europa e mesmo nos EUA.
No entanto, Obama, se não mudar, está caminhando para uma ruptura insensata que pode e deve ser evitada.
John Kerry já admitiu que as exigências americanas tem por motor razões de política interna.
É fato conhecido que quase todo o Partido Republicano e grande parte dos parlamentares democratas não aceitam o que consideram fraqueza nas discussões do acordo nuclear.
A própria Hillary Clinton, provável candidata à sucessão presidencial, já se pronunciou assim.
É fato que Obama tem lutado contra a maioria do Congresso para defender a continuidade das negociações com o Irã.
Mas, parece que sua coragem tem limite.
Buscar um acordo justo provavelmente o obrigaria a enfrentar uma oposição muito forte, a vetar resoluções belicosas do Congresso, coisa que não costuma fazer.
Que seria combatido por outras forças muito poderosas como os lobbies pró-Israel e boa parte da grande mídia, com o magnata Rupert Murdoch, da Fox, à frente. Talvez mesmo a maioria do povo, doutrinada durante os últimos 35 anos por uma propaganda anti-Irã que já foi comparada pelo jornalista Dave Lindorf à campanha anti-semita do pouco recomendável Joseph Goebbels.
Tudo fica mais problemático considerando que haverá uma eleição parlamentar em novembro.
A performance do Partido Democrata, poderá ser afetada negativamente por uma briga entre a Casa Branca e o Congresso, em defesa do Irã.
Esse quadro parece estar por trás da exigência de segurança, digamos neuroticamente exagerada, através da destruição das usinas nucleares iranianas.
No passado, outro presidente americano já se viu diante de uma situação semelhante à que Obama agora enfrenta.
A guerra do Vietnam estava praticamente perdida e o senador Mike Mansfield aconselhou o presidente John Kennedy a retirar as tropas americanas e negociar a paz.
Preocupado com a possível gritaria da oposição de direita, Keneddy o interrompeu: “Mas não posso fazer isso até 1965 – só depois de ser reeleito.”
E a guerra continuou por mais 10 anos, passando ainda o mandato de Nixon, sucessor de Keneddy, e causando a morte em vão de algumas dezenas de milhares de americanos, fora muitos bilhões queimados nos bombardeios do Vietnam do Norte.
Obama não pode se candidatar à reeleição, mas precisa eleger o maior número possível de deputados e senadores para garantir um Congresso dócil, que aprove suas propostas nos dois anos finais de seu mandato.
Persistindo na imposição de termos inviáveis ao Irã, Obama estará trocando danos eleitorais incertos por uma guerra certa.
E agindo contra os verdadeiros interesses do seu país e da humanidade.
Por enquanto, nada está perdido.
Haverá uma próxima reunião, em 15 e 16 de junho. Talvez outras, até o prazo final de 20 de julho.
Historicamente, a maioria dos progressos em reuniões entre países litigantes acontece nos últimos dias das negociações.
Quando as partes se tornam mais flexíveis para se conseguir um acordo.
Ainda há tempo para o bom senso substituir a insensatez.