Establishment quer tirar da esquerda o comando do trabalhismo inglês.

Logo depois do Brexit, 172 deputados trabalhistas decidiram exigir que Jeremy Corbyn renunciasse à chefia do partido. Apenas 40 ficaram contra.

Mas Corbyn não arreglou. Respondeu em cima: “Eu fui democraticamente eleito líder do nosso partido por um novo tipo de política, por 60% dos membros do Labour e não os trairei, resignando. O voto dos deputados não tem legitimidade constitucional. ”

Corbyn vencera as eleições internas com os votos dos militantes e adeptos registrados do Partido Trabalhista contra a maioria dos deputados (só 30 o apoiaram).

Só poderá ser derrotado numa votação geral, conforme os estatutos partidários.

A supremacia do conjunto dos membros do partido sobre os políticos profissionais reflete as origens do Labour.

Ele foi fundado no século 19 por líderes sindicais, que concluíram ser necessário fundar um partido que defendesse a classe operária, já que os tradicionais Liberal e  Conservador, tinham outros interesses.

No início do século 20, o Labour adotou o socialismo no seu estatuto.

Com a força crescente do movimento operário, passou a disputar o poder político com os Conservadores.

Vária vezes conquistou o governo, quando socializou um terço da economia inglesa e implantou o Estado do Bem Estar Social ( welfare state), voltado para dar condições de vida dignas para toda a população, inclusive os pobres, O Sistema Nacional de Saúde Pública, criado pelos trabalhistas, é considerado o mais eficiente do mundo.

0 Partido Trabalhista do Reino Unido manteve-se ligado aos sindicatos e fortemente influenciado por eles.

Em 1978, sendo o Labour governo, grande greve nos transportes rodoviários e ferroviários, na indústria  automobilística, funcionalismo público e hospitais parou o país e prolongou-se por 1979.

A consequência foi uma crise sem precedentes com fortes danos à economia, longas paralisações nos serviços públicos e revolta da população.

Impotente para controlar os sindicatos, o governo perdeu seu prestígio e as eleições para o Partido Conservador.

Com Margareth Thatcher como primeiro-ministro, a greve foi derrotada e medidas duras aplicadas para recuperar a economia, bem aceitas pelo povo, ainda indignado com os sindicatos.

Privatizações em massa marcaram o governo.

Com Thatcher, os conservadores criaram uma imagem de eficiência e de força, que os s trabalhistas tinham perdido.

Depois de 21 anos no poder, ela caiu em 1990, quando criou o imposto regressivo, altamente impopular por levar os cidadãos de renda mais baixa a pagarem mais impostos do que os de renda mais alta.

Em 1997, os trabalhistas voltaram a ganhar, liderados por uma estrela em ascensão: Tony Blair. Sua mensagem de modernizar o partido, abandonando as teses socialistas do passado, e de criar um novo regime de paz social e progresso encantaram o país.

Ele e seu grupo tomaram conta do Labour, afastando a esquerda do centro de decisões.

Primeiro-ministro por 10 anos, Blair foi um líder pragmático: aderiu a posições neoliberais, inclusive com mais privatizações.

Mas em 2007 mal- visto pelo povo por sua participação  na  injusta e ilegal guerra contra o Iraque, Blair teve de renunciar.

Seus sucessores, Gordon Brown e Ed Miliband, foram incapazes de enfrentar a crise de 2008, pouco diferenciando o Labour dos conservadores.

Nas eleições de 2012, os ingleses preferiram ficar com a eficiência dos conservadores à ausência de novos caminhos trabalhistas.

Como primeiro-ministro David Cameron, privilegiou a austeridade: cortes de despesas públicas, reduções de benefícios sociais e privatizações das ferrovias e metrôs.

Desagradou aos mais carentes, mas conseguiu inegáveis êxitos na economia, que cresceu 3%, em 2014, e na diminuição do desemprego, que foi de 8%, com Gordon Brown, para 5,7%, com Cameron.

Em 2016, David Cameron foi reeleito

Com essa derrota, a maioria dos trabalhistas decidiu por uma mudança total de rumos, inspirando-se na história do trabalhismo inglês, voltada para a promoção do social.

A princípio azarão, 100-1 pelos book-makers, Jeremy Corbyn, expressão da esquerda, venceu com 59,1% dos votos, mais do que os outros quatro juntos.

A eleição de Jeremy Corbyn para líder dos trabalhistas ingleses – e futuro primeiro-ministro, caso o partido vença o próximo pleito – foi recebida como autêntico escândalo pela imprensa inglesa, hoje muito próxima do establishment.

“ Os sindicatos ameaçam um caos depois da vitória de Corbyn (Daily Telegraph);  “ Os sindicatos amigos de Corbyn ameaçam caos com greves” (Daily Mail); “ “Agora Chuka Umunna junta-se ao êxodo anti-Corbyn ” (The Independent); “A divisão do Labour se alarga enquanto Corbyn toma posse” (The Times); “Corbyn: Abolir o exército!” (The Sun); “Por que o Labour de Jeremy é perigoso para a Grã-Bretanha” (Daily Express).

Surpreendeu a veemência das críticas de Cameron à escolha do partido rival: “O Partido Trabalhista é agora uma ameaça a nossa segurança nacional, nossa segurança econômica ou à segurança da sua família. ”

Como se o novo líder trabalhista fosse um novo Atila, pronto para destruir seu partido e talvez a própria Inglaterra.

Já Tony Blair tratou Corbyn como alguém tomado por fantasias, cuja política tipo “Alice no País das Maravilhas” levaria o Labour para o abismo.

Diante da moção dos 172 deputados pela demissão e substituição de Corbyn na liderança, a executiva reuniu-se para organizar o pleito.

Os deputados esperavam que fosse exigida a assinatura de 51 deputados para o nome de cada candidato constar da cédula. Como Corbyn não contava com tantos deputados, teria de ficar de fora.

Mas a executiva decidiu que o líder do partido tinha automaticamente o direito de estar na cédula para disputar seu cargo com eventuais concorrentes.

Por outro lado, também tornou necessário o pagamento de 25 libras para quem quiser votar. O que prejudica Corbyn pois evita os votos dos muitos pobres, que são em maioria seus adeptos.

Mesmo assim, segundo uma fonte do partido informou ao jornal The Telegraph, vitória do líder atual seria certa.

Os deputados e os membros da direita do partido depositam suas esperanças na deputada Angela Eagle. Mas ela te seus pontos fracos: seus votos a favor da invasão do Iraque e do bombardeio da Síria.

Ambos contrariando a maioria do partido.

Angela é a candidata dos saudosos tempos de Blair, claramente a candidata do establishment, que deseja um trabalhismo soft, que não ameace seus interesses ligados ao regime conservador.

Para alguns observadores, como o veterano sindicalista Dennis Skinner, apear Corbyn do poder era preciso para os adversários evitarem que o líder atual apoiasse o processamento de Blair como criminoso de guerra, com base nas revelações do relatório Chilcot, que prova suas mentiras da declaração de guerra ao Irque.

Realmente é o que o líder trabalhista pensa fazer.

Já declarou ser provável somar-se ao líder do Partido Nacional Escocês e a alguns importantes políticos conservadores numa moção de desrespeito à ética contra Blair.

Angela Eagle já se opôs: “Blair já sofreu demais”, é sua desculpa, muito caridosa, mas nada republicana.

Argumenta-se também que o radicalismo de Corbyn roubaria votos do trabalhismo, pois o povo inglês já estaria vacinado contra esse tipo de ideias. Fugiria de mudanças exageradas, inseguro na crise que ainda não acabou.

A verdade é que Corbyn não defende as velhas ideias socialistas de estatização dos meios de produção e do Estado onipotente.

As únicas renacionalizações que postula são nas ferrovias, metrôs e empresas de eletricidade. Que, aliás, são do Estado em muitos países capitalistas.

A democracia é constantemente ressaltada por ele, como um valor absoluto, parte do DNA da sociedade inglesa.

Certos parlamentares alegam que Corbyn faltou com seus deveres. Sendo favorável ao BREXIT, como líder deveria empenha-se muito pela posição oficial do partido pró rejeição, mas pecou por discrição excessiva.

Ora Thereza May foi ainda mais discreta e nem por isso deixou de ser escolhida pelos conservadores para suceder a Cameron. E por unanimidade.

Talvez o motivo mais sólido da inusitada rebelião tenha sido as ideias de Corbyn contrárias ao establishment, onde a maioria dos parlamentares está perfeitamente integrada.

Senão, vejamos.

Os principais objetivos do líder esquerdista são: combater o tipo de austeridade financeira que busca o equilíbrio às custas dos sacrifícios das classes trabalhadoras e do Estado do Bem Estar Social, bem como uma ordem internacional onde os interesses imperiais e das grandes corporações passam por cima do direito internacional e da justiça, deixando os povos mais fracos indefeso diante da força.

Seria uma verdadeira revolução no Reino Unido.

Ora, não apenas grandes corporações temem ter de  reduzir seus lucros, como também profissionais liberais bem sucedidos, sentem-se inseguros diante de uma mudança tão abrangente.

Interesses contrariados muitos fortes não costumam render-se facilmente. Mesmo ganhando esta parada no seu partido, Corbyn terá ainda novos desafios à frente.

Foi o que aconteceu com movimentos populares europeus que rompiam com os partidos tradicionais, ainda que socialistas, cúmplices do status quo.

E defendiam soluções audaciosas que nenhum dos velhos políticos jamais tiveram coragem de encarar.

Depois de grandes e surpreendentes êxitos iniciais, os dois mais poderosos desses movimentos acabaram saindo mal.

O Podemos, por sua vinculação à independência  da Catalunha , nas últimas eleições parlamentares, ficou aquém do que se esperava.

O Siriza assumiu o poder na Grécia para livrar o país da submissão ao diktat recessivo da União Europeia. Bem que tentou, mas acabou entregando os pontos, pois não há dependência sem submissão.

O Partido Trabalhista Inglês, sob a liderança de Corbyn, espera vencer onde seus congêneres europeus perderam.

Até as próximas eleições, o Labour poderá marcar uma real diferença, não só em relação ao governo conservador, como também ao partido que convergiu para o centro na era Blair.

Talvez acabe ganhando o poder, quando terá chance de provar aos ingleses e ao mundo que a nova esquerda pode ser audaciosa, sem deixar de ser sensata.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um comentário em “Establishment quer tirar da esquerda o comando do trabalhismo inglês.

  1. Luiz Antonio, neste ótimo artigo você afirma que “os principais objetivos do líder esquerdista são: combater o tipo de austeridade financeira que busca o equilíbrio às custas dos sacrifícios das classes trabalhadoras e do Estado do Bem Estar Social, bem como uma ordem internacional onde os interesses imperiais e das grandes corporações passam por cima do direito internacional e da justiça, deixando os povos mais fracos indefeso diante da força.” E fico me perguntando como Corbyn agiria sobre a ordem internacional, na qual o Reino Unido, seus bancos e suas multinacionais, realizam imensos ganhos ocupando os mercados internos dos países em desenvolvimento.

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