Eleições para legitimar uma ditadura.

A ditadura militar egípcia vai realizar eleições para convencer o mundo de que se tornou uma democracia.

Os EUA são o objetivo principal.

De acordo com as leis americanas, Washington deve suspender auxílios econômicos a regimes oriundos de golpes de estado.

Obama achou melhor fazer de conta que isso não aconteceu no Egito. Afinal, não queria perder a aliança com o novo governo.

Preferiu dizer que o ex presidente  Morsi fora derrubado porque ameaçava as liberdades individuais. O novo regime garantia que iria preparar o país para a democracia plena.

Ora, essa é a justificação mais usada por golpes militares, as quais eles costumam esquecer rapidamente.

Com tais precedentes históricos, a postura de Obama pegou mal nos setores mais esclarecidos da opinião pública americana.

Para acalmar protestos, Obama suspendeu temporariamente a maior parte dos 1,5 bilhão de dólares de ajuda (quase toda militar) ao Egito, condicionando sua renovação ao estabelecimento da democracia no país.

Isso ficaria confirmado com eleições presidenciais livres, marcadas para 26 e 27 de maio.

Mas há uma falha nessa idéia de que eleições livres significam democracia.

Eleições não garantem automaticamente respeito aos direitos humanos, imprensa livre, liberdade de manifestação de palavra e de reunião, judiciário independente… coisas assim, indispensáveis num regime verdadeiramente democrático.

Empenhada em liquidar a Irmandade Muçulmana, sua principal rival, que estava por trás do governo Morsi, a ditadura violou todos esses  princípios.

Já prendeu  cerca de 16 mil membros da Irmandade e matou mais de 1.000 participantes de manifestações de rua contra o governo.

A explicação foi que a Irmandade Muçulmana era uma organização terrorista, coisa em que nem uma dona de casa americana do interior acredita.

Há muito que eles se tornaram um movimento moderado, que procurava até um acordo com os EUA, durante os tempos de Morsi.

Rotulando a Irmandade como uma erva daninha, os militares egípcios consideraram necessário exterminar seus aderentes sem muita piedade.

Iniciaram processos em massa, tendo condenado recentemente 529 ativistas à pena de morte, sob acusação de assassinato de um policial num ataque a uma delegacia. Nesse processo, que durou apenas 2 dias – um tempo excepcionalmente curto, advogados não puderam fazer as defesas apropriadas, nem interrogar as testemunhas.

Vários réus já tinham morrido, antes da morte do policial – outros estavam viajando durante o incidente.

Isso foram detalhes sem importância para os juízes egípcios que aplicaram a pena de morte a todos os 529, apesar da viúva do policial morto ter testemunhado que só 2 deles haviam atirado no seu marido.

Um novo processo em massa, desta vez contra 919 suspeitos já foi iniciado, inclusive com penas de morte em jogo.

O judiciário egípcio é, alias, estritamente conservador e francamente aliado ao governo.

Nada tem de imparcial.

Em janeiro do ano passado, absolveu todos os policiais acusados de matarem manifestantes nos protestos contra Mubarak, em 2011.

Nem um único agente de segurança foi condenado pelo assassinato de mais de 1.000 manifestantes pacíficos contra a ditadura militar, desde 3 de julho, informa Sarah Leah Whitson, do insuspeito Human Rights Watch.

No massacre de mais de 500 partidários de Morsi, quando o exército os atacou a tiros no sit-in (protesto sentado) da Praça Rabaa,sequer se fez um inquérito sobre a ação militar.

Pelo contrário: procurou-se incriminar as vítimas.

Foi a raposa culpando as galinhas pelas mortes no galinheiro.

Embora, o uso de torturas pelos policiais não seja sistemático, como nos tempos de Mubarak, a crueldade é excessiva.

São comuns espancamentos, privação de sono, ameaças de estupro e negação de itens básicos numa prisão, como camas e cobertores.

O Ministério do Interior garante que todas as reclamações serão investigadas e os culpados  processados.

Mas os policiais violentos não se tocam, até agora nem um só sofreu qualquer punição. Segundo autoridade do Ministério do Interior para Direitos Humanos, foi porque ainda não houve provas de mau tratamento…

Advogados egípcios de direitos humanos esclarecem que o escritório  do promotor normalmente aceita as versões policiais.

A maioria dos mais de 1.000 mortos civis pela repressão foi composta de manifestantes pacíficos – raros atiraram nos agentes de segurança. E assim mesmo em  auto-defesa.

Quem mais tem matado soldados e policiais egípcios são os movimentos radicais jihadistas que operam principalmente no deserto do Sinai.

O governo tenta colocar no mesmo saco esses grupos terroristas, a Irmandade Muçulmana e ativistas seculares que lutaram contra Mubarak e Morsi , e agora condenam as violências do regime.

Não ficam livres das perseguições da ditadura a imprensa de oposição, e mesmo a imprensa neutra,além jornalistas, inclusive de publicações internacionais, como os repórteres da al-Jazeera, detidos e processados por “revelarem fatos distorcidos do governo”.

Ativistas que até tiveram papel destacado nos movimentos de massa que derrubaram Mubarak e Morsi, estão totalmente desiludidos com o governo militar.

Muitos foram até presos e estão sendo processados por convocarem manifestações de protesto, que o governo criminaliza, quando não aprovadas pela polícia.

El Baradei, ex-presidente da IAEA (Agência Internacional de Energia Atômica), o político egípcio de maior prestígio internacional, renunciou a seu cargo no ministério.

Para o Human Rigths Watch, as autoridades sufocaram todas as formas de oposição.

Sabahi, único concorrente à presidência contra o candidato do governo, o general Sissi, duvida de que se Sissi for eleito, trará democracia ao país. Ele lembra que o general, quando chefe de inteligência da ditadura de Mubarak, foi responsável por violências contra os direitos humanos.

Ele pode muito bem ter razão.

Sissi é o principal poder na junta militar que governa de fato o país.

Se for presidente, a repressão atual tem tudo para continuar.

Afinal, os terroristas do Sinai não vão parar seus ataques. A Irmandade Muçulmana continuará  promovendo manifestações de protesto nas ruas e universidades.

Como disseram assessores do Ministro do Interior, em entrevista à Associated Press: “Não podemos falar em direitos humanos e direitos de presos num momento em que policiais estão sendo alvejados nas ruas….”

As chances de Sabahi são mínimas.

A Irmandade Muçulmana, principal força de oposição ao governo militar, está fora da lei e, já se sabe, vai boicotar as eleições.

Sabahi não terá seus votos.

Ele é um deputado esquerdista, líder da Corrente Popular que integra uma aliança chamada Frente de Salvação Nacional.

Seu capital político não é desprezível: preso uma dezena de vezes em regimes militares anteriores, classificou-se em terceiro lugar nas eleições vencidas por Morsi, próximo aos dois primeiros.

Mas, o momento é de Sissi, ninguém duvida de sua vitória.

Glorificado por uma intensa campanha de propaganda que o apresenta como “o salvador”, que irá tirar o Egito de uma crise provocada pelos políticos, ele construiu imenso prestígio popular.

Para o povo, Sissi representa a única esperança.

Ele ainda tem por si a maioria da imprensa –  que não cessa de elogiar suas qualidades, amplos recursos financeiros e um certo carisma, bem explorado pelo marketing.

Sua vitória é inevitável.

A interrogação é se, depois disso,  Obama certificará ao Congresso que o Egito está se democratizando e pode receber os 1,5 bilhão de dólares de ajuda americana.

Jefferson, Washington e Benjamin Franklin tremerão em suas tumbas.

 

 

 

 

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