Egito: os militares não querem sair

Parece que os críticos dos rumos da Primavera Árabe no Egito tinham razão. Os comandos militares gostaram do Poder. E querem permanecer até quando, ninguém sabe, ao certo.

No começo de outubro, líderes de 13 partidos tiveram de assinar um acordo que mantém o Supremo Conselho das Forças Armadas no governo até, pelo menos, meados de 2013. Esse acordo estabelece um novo calendário eleitoral.
Nos seus termos, as eleições da Assembléia do Povo (equivalente à Câmara dos Deputados) começarão em outubro e prosseguirão em 3 etapas, findando em janeiro. As eleições para o Conselho Shura (Senado), começarão em janeiro e serão concluídas em março.As duas Casas se reunirão, então, num período entre fins de março ou começo de abril para eleger os membros de uma assembléia exclusiva para redação da nova Constituição num prazo de mais 1 ano, quando então será submetida e aprovada pelo povo.Depois disso, serão marcadas novas eleições para presidente e parlamentares. “Quando” e “se” os militares sairão e os eleitos tomarão posse, só Deus sabe. 
Esse novo calendário, aplaudido por Hillary Clinton, que não deseja de modo algum a vitória de líderes da Primavera Árabe, todos com posições marcadamente pró-Palestina livre, já começou a ser combatido energicamente até por líderes dos partidos signatários.
De fato, ele contradiz frontalmente a promessa dos militares, feita em fevereiro, de deixar o poder 6 meses depois.O mais tardar depois de eleito o novo presidente, que seria em setembro.
E a “declaração constitucional”, referendada pelo povo em março, agora vira papel de embrulho. Ela determinava que o Supremo Comando das Forças Armadas (SCAF) governasse o país, devendo cumprir algumas obrigações específicas, ou seja: colocar em ação as instituições democráticas e suspender a Lei de Emergência, relíquia dos tempos de Mubarak, que dá plenos poderes às forças de segurança, e organizar as eleições para o parlamento e para a presidência.
Pouco se caminhou nesse sentido.
Foi mantida a Lei de Emergência, que nega o direito de reunião e dá à Polícia e ao Exército poderes virtualmente sem limites de revistar, prender e encarcerar quem considerar necessário.
A maioria dos agentes do aparelho de repressão dos tempos de Mubarak permaneceram em seus postos. Altas autoridades que se destacaram nos quesitos “corrupção” e “violência” estão sendo tratadas com duvidosa leniência. Os juízes absolveram os ex-ministros Anas El-Fiqi, da Informação, Youssef Boutros Ghali, das Finanças, e Ahmed El-Maghrabi, da Habitação. Por sua vez, o ex-Primeiro Ministro Habib El-Aisdly, que mandou atirar no povo, teve seu julgamento adiado.

A população voltou à praça Tahir, protestando contra esses fatos. A repressão tem sido dura, com a prisão de 14.000 manifestantes, desde fevereiro. 
Como os delitos contra a segurança não foram passados à justiça civil, os manifestantes estão sendo julgados por tribunais militares. Centenas deles foram condenados a prisões que vão de alguns meses a 7 anos de cadeia.
 As violências culminaram em 9 de outubro, quando uma passeata de cristãos coptas, protestando contra a queima de uma igreja, foi atacada à bala pelas forças de segurança. 34 mortos e centenas de feridos resultaram desta ação. Pedidos para que se constituísse uma comissão de investigação civil insuspeita foram negados pelos militares.                
No clima de revolta, que atingiu também os muçulmanos moderados, em grande número no Cairo, o acordo de adiamento das eleições pegou muito mal.
O prazo, em si, de mais de 2 anos para o Egito ter um governo eleito pelo povo já provocou muitas reações.
Há, porém, outros aspectos sombrios : os termos do acordo e as perspectivas de sua efetivação.
Os militares exigiram a manutenção da Lei de Emergência até a posse do presidente eleito, talvez em 2013. Durante esses dois anos poderão pintar e bordar, fazer praticamente o que bem entenderem. Mesmo os deputados e senadores eleitos até abril do ano que vem, poucos poderes terão.
Um dos militares que supervisionará as eleições será o general  Mohamed Refaat Qom, que exerceu esse cargo nas eleições fraudadas de Mubarak  de 2005,2006 e 2010. Enquanto ex-figuras do dissolvido Partido Nacional Democrático, da ditadura, poderão se candidatar como independentes, Ayman Nour, destacado opositor da ditadura, já foi barrado, com base num processo eleitoral movido contra ele pela justiça de Mubarak..Processo, aliás, severamente criticado pela imprensa internacional.
Tendo violado suas promessas de marcar eleições em setembro e depois  em novembro deste ano, de cancelar a Lei de Emergência antes das eleições e valorizar a justiça civil, os militares perderam a confiança do povo egipcio.
Teme-se que os sucessivos adiamentos sejam sinais claros de que as   Forças Armadas pretendam permanecer governando o Egito por muito tempo ainda.
Recorda-se que, saindo do poder, elas terão muito a perder. Depois do acordo de paz com Israel, em 1979, o então presidente, Anuar Sadat, iniciou um processo de desenvolvimento no qual as forças armadas tornaram-se um dos principais players econômicos do país.
A chamada Organização Árabe pela Industrialização, criada em 1970 para financiar tecnologias militares, voltou-se para a área civil. Utilizando recursos dessa entidade, o exército investiu em indústrias de veículos, plásticos, alimentação e aparelhos elétricos. Atuou como uma empresa de engenharia construindo pontes, estradas, estádios de futebol, aldeias de beduínos, projetos turísticos e conjuntos habitacionais. É, atualmente, um grande proprietário de terras.
“Nós conservaremos o poder até termos um presidente”, prometeu o  general Mahmoud Hegazy, em março, quando se marcaram eleições presidenciais para setembro de 2011.
Agora, porém, essas promessas foram esquecidas. A história é outra. As Forças Armadas  dizem que ficarão governando pelo menos mais 2 anos que é o prazo estabelecido pelo complicado esquema de eleições.
13 partidos foram pressionados – tiveram de apoiar. Mas grande parte dos líderes das manifestações de massa que levaram à Primavera Árabe, discordam.
Como Hossan El-Hamadawy, conceituado jornalista e organizador  trabalhista. Ele acha que o povo deve voltar à Praça Tahir : ”Temos de continuar a revolução, temos de expelir estes generais e aí será quando poderemos nos reunir e promover eleições nacionais.”

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