Discriminados discriminando

Os árabes que vivem em Israel desde 1948 (data da criação do estado judeu) e seus descendentes são considerados cidadãos do país. Gozam de amplos direitos civis. Sendo Israel uma democracia, árabes e judeus deveriam ser iguais perante as leis. Mas, na realidade, não é o que acontece.

De acordo com o Adalah (Centro Legal de Defesa da Minoria Árabe), existem mais de 20.000 leis e regulamentos que discriminam os 1.200.000 árabes israelenses. Eles são vistos como cidadãos de segunda classe, sofrem os mais variados tipos de discriminações, a começar pela sua representatividade política.

Sendo 120 os deputados do Knesset (Parlamento), a minoria árabe, com 20% da população, deveria ter 24, mas tem apenas 10. Além disso, sua liberdade de expressão é limitada. O Knesset impede candidaturas que neguem Israel como estado do povo judeu, ou seja, quem pede completa igualdade entre árabes e judeus corre o risco de ser impedido. No ano passado, um comitê do Parlamento proibiu dois deputados e um partido árabe israelense de concorrerem às próximas eleições. Posteriormente, a Suprema Corte revogou esta decisão.

Em 1965, o governo promoveu um rezoneamento das terras do país. Grande número das aldeias árabes foi classificado como “não-residenciais”. Em conseqüência, seus habitantes não contam com serviços públicos básicos e estão proibidos de construir casas. Em muitas delas, as casas são demolidas e seus moradores forçados a mudar para outras regiões. Em abril de 2003, o governo aprovou um plano para remover 70.000 beduínos de onde eles vivem há 50 anos. Mesmo as municipalidades árabes aprovadas pelo rezoneamento são discriminadas – recente informe do ministério do Interior mostra que elas recebem apenas uma fração dos fundos públicos alocados por residente às comunidades exclusivamente judaicas, inclusive os assentamentos ilegais da Cisjordânia.

Pela lei “Citizenship and entry into israeli Law”, de 12 de maio de 2003, palestinas casadas com árabes israelenses não têm direito de viver em Israel. Estima-se que 22 mil famílias serão separadas e 100 mil crianças expulsas com as mães para fora do país dos seus pais.

No capítulo dos direitos e garantias civis, o governo usa de dois pesos e duas medidas. Enquanto há um certo respeito aos direitos humanos dos judeus, o mesmo não acontece quando se trata de cidadãos árabes. O Mossawa Centre, que defende os direitos dos israelenses árabes, documentou 15 casos em que a polícia e o exército mataram cidadãos dessa etnia nos últimos três anos. Nenhum deles tinha qualquer envolvimento com movimentos terroristas, apenas uns poucos eram meros suspeitos de atividades criminosas.

O problema do desemprego, muito grave atualmente em Israel, atinge particularmente os cidadãos árabes, reduzindo sensivelmente seu nível de vida. Segundo o Adalah, 30% deles estão abaixo da linha da pobreza, cifra que é 2 vezes maior do que o índice apresentado pela população judaica.

A discriminação se apóia numa atitude hostil da sociedade judaica tomada como um todo. Pesquisa realizada pelo Jaffee Center for Strategic Studies de Israel entre judeus revela que:

– para 31%, os árabes devem ser expulsos do país;
– para 60%, devem ser estimulados a emigrar;
– para 61%, constituem um risco à segurança.

Outro estudo, concluído em setembro de 2003 pelo Israel Democracy Institute, de Jerusalém, reflete uma realidade talvez ainda mais chocante:

– 53% dos judeus de Israel são contra a igualdade entre eles e os árabes;
– apenas 31% apóiam a idéia dos partidos árabes participarem do governo.

Tal discriminação é, evidentemente, de origem racial, portanto racismo, o que é particularmente irônico, partindo de um povo que tem sido vítima dele através da História. Uma das explicações é que, vivendo cercados por países muçulmanos hostis, os judeus, particularmente depois da intifada, temem que seus árabes se voltem contra eles, apoiando o terrorismo e agindo como quintas-colunas. Isso, aliás, não é o que a realidade mostra. Embora sendo favoráveis a uma Palestina livre, os árabes israelenses não favorecem o terrorismo e são raríssimos os casos de envolvimento individual.

Talvez se deva buscar melhor resposta na autodefinição de Israel: um estado democrático e judeu. Há aí uma contradição. O conceito de “estado judeu”, por sua própria natureza, pressupõe privilégios para o grupo que se enquadra nele, opondo-se ao conceito de “estado democrático”, que implica em direitos iguais para todos. A esse respeito, diz Khalil Jahsan, presidente do Comitê Árabe Americano Antidiscriminação: “sempre que um estado se define por uma religião particular, ele limita os direitos que podem ser estendidos a todos os cidadãos”.

No período atual, quando Israel enfrenta uma guerra sem tréguas contra o terrorismo, o conceito “estado judeu” tem mais força. O governo trata os árabes israelenses com dureza, preocupando-se muito pouco com seu bem estar. O resultado desta postura aparece nas conclusões do estudo sobre o estado da democracia no país, realizado em 2003 pelo Israel Democracy Institute: “Israel se coloca na metade mais baixa da lista (dos países ditos democráticos). A proteção dos direitos humanos em Israel é pobre, há uma séria discriminação política e econômica contra a minoria árabe, há muito menos liberdade de religião do que em outras democracias”. 

O fato do racismo de hoje ser particularmente intenso não quer dizer que a situação fosse boa antes da intifada, quando havia relativa paz na Palestina. Alguns dos fatos acima narrados vêm dessa época, apesar de muitos grupos judeus terem sempre lutado contra as práticas discriminatórias, defendendo a igualdade entre as raças de Israel. A esse respeito, acredito serem adequadas as palavras do rabino Henry Sobel: “o que se faz necessário em nossa sociedade é uma valorização das diferenças e reverência pelas diversidades. São somente essa reverência e esse profundo respeito mútuo que podem conduzir-nos à paz”.

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