Contra dissidentes, o esquadrão de assassinos do príncipe saudita.

Deu no New York Times de 18 de março: o brutal assassinato do jornalista Khashogi foi apenas mais um dos crimes do Grupo de Intervenção Rápida, da Arábia Saudita.

O objetivo desse time de experts no seu ramo é intimidar dissidentes, através de sequestros, torturas e até assassinatos, com autorização do príncipe coroado Mohamed Bin Salman, virtual governante do país.

Não é preciso que alguém chame o príncipe de nomes feios, lance contra ele acusações de crimes graves, grandes falcatruas, atentados contra o direito… Como certos déspotas da Idade Média, bin Salman (apelidado MBS) sente-se profundamente ofendido até por comentários técnicos negativos, especialmente quando inteligentes.

Também são alvo de sua raiva personagens com chances de quem sabe, talvez, possivelmente poder atrapalhar sua futura elevação ao trono, na sucessão do pai, o rei Salman.

Em todos esses casos, a solução está nas mãos do chamado “Grupo de Intervenção Rápida”, que age com eficiência, sem burocracias e sem deixar vestígios.

O que, aliás, nem sempre acontece.

Por exemplo, o assassinato e desmembramento do jornalista Khashogi não foi bem escondido. Resultado, detalhes do bárbaro delito foram expostos urbi et orbi. E, pior, MBS apareceu como o mandante, conforme a investigação da inteligência turca, comprovada pela própria CIA.

Só agora surgiu o nome de quem executou o crime, graças a informações prestadas ao New York Times por oficiais de segurança americanos com acesso a documentos sigilosos da inteligência dos EUA e por altos funcionários sauditas, com conhecimento direto da operação clandestina que provocou a indignação universal.

Executado pelo Grupo de Intervenção Rápida, a operação que vitimou o jornalista Khashoggi, devidamente autorizada pelo príncipe bin Salman, foi supervisionada por Saud al-Qathani, assistente de alto nível dele. Sendo que Maher Abdulaziz MUtreb, oficial de inteligência, que sempre acompanhava o príncipe no exterior, liderou o grupo em ação no local do crime.

Como se sabe, embora a equipe de assassinos costumasse agir apagando as pistas, desta vez falhou.

Eficiência que não faltou na maioria das 12 operações, que realizou desde 2017, quando de sua criação, logo após a nomeação de MBS como príncipe herdeiro coroado do rei Salman.

O grupo teve envolvimento direto na recente repressão de cerca de 12 mulheres ativistas de direitos humanos, que promoviam campanhas pelo direito das mulheres sauditas dirigirem automóveis, que lhes era negado.

O príncipe coroado acabou por conceder este direito, mas mandou prender as ativistas para deixar claro que a conquista feminina se devia a apenas ele. O motivo da prisão, conforme se alegou na ocasião, foi que essas senhoras mantinham contato com entidades estrangeiras e até lhes enviavam dinheiro.

Falando sério, a verdade é bem outra: o  príncipe MBS não queria que as mulheres, eletrizadas pelo direito conquistado, ganhassem força para lutar por outras reivindicações do seu sexo.

Isso está totalmente fora das perspectivas principescas. Ele não admite vir a compartilhar com feministas possíveis reduções na vasta coleção de discriminações que pesam sobre as mulheres sauditas. Por isso, optou por cortar o mal pela raiz, prendendo as ativistas e assim pondo um ponto final na perigosa movimentação delas.

O que mais preocupava as autoridades sauditas é que as feministas começassem a agitar uma campanha contra o sistema de guardiões.

Esse milenar sistema (e põe milenar nisso) exige que, para uma série de decisões da vida diária, como casar, estudar, receber tratamento médico e viajar, a mulher precisa ser autorizada por seus pais, irmãos, marido ou até mesmo pelos filhos (The Guardian, 22-5-2018).

As mulheres são assim consideradas seres de segunda classe, adultos com mente de criança.

Era como as primitivas tribos que habitavam a Arábia Saudita as viam, desde tempos remotos, bem antes do islamismo chegar na região.

Nesse particular, a soi disant moderna civilização do reino do petróleo não mudou.

Como não pretende mexer no sistema de guardiães tão cedo, MSB deseja cortar as azas das feministas. Prender, condenar e assustar as líderes- visando restringir ao máximo o espaço do movimento em futuras ações contrárias algumas instituições da era das cavernas que o príncipe decidiu manter, enquanto achar conveniente.

Quanto às 12 ativistas, elas foram espancadas, torturadas e sofreram graves abusos sexuais, ações em que se distinguiram os profissionais do Grupo de Intervenção Rápida. Foi um tratamento tão duro que uma das ativistas, al-Nafjan, tentou cometer suicídio, de acordo com documento da Inteligência dos EUA.

O julgamento das feministas começou em 16 de março e o governo não informou quais seriam as acusações.

A equipe saudita de ação rápida e letal também atuou nos casos de Rami al Naimi, filho e ex-ministro do petróleo, acusado de corrupção e repatriado à força da União dos Emirados Árabes. E de Faisal al Jarba, associado a um membro da família real, que sumiu e sua família não sabe porque e onde está preso.

É preciso reconhecer que, na Arábia Saudita, os críticos e oposicionistas, por razões óbvias, sempre tiveram de medir suas palavras com cuidado.

O que não é nada fácil.

Em setembro de 2017, o célebre economista Zamil foi preso com dezenas de outros intelectuais e clérigos, como ardentes inimigos do regime, suspeitos de tentarem melar os grandes planos do príncipe e até sua futura elevação ao trono da monarquia.

Zamil cometeu o crime de postar na mídia social que o programa principesco de venda de reservas de petróleo da estatal Aramco  teria de ser aprovado previamente por todos. Pois, afirmou, “O petróleo pertence ao povo.”

Na Arábia Saudita, isso é tão revolucionário quanto pedir “Todo o poder para os sovietes.”

O audacioso economista está sendo processado pelo procurador geral, acusado de adesão ao terrorismo, ser membro da Irmandade Muçulmana (por sinal, entidade anti-terrorista), ter se encontrado com diplomatas estrangeiros, manter comunicações com o Qatar e incitar protestos contra a monarquia saudita.

Existem, evidentemente, opositores que chegam a propor a derrubada do governo do rei Salman e seu filho, MSB.

Ninguém nega à monarquia o direito prender e punir esse pessoal.

O que me parece um tanto condenável é seu sequestro e transporte forçado para a Arábia Saudita.

Nassir al-Said, fundador da União dos Povos da Península Arábica, produzia um programa de radio de oposição à família real. Temendo por sua liberdade, mudou-se, primeiro para o Iêmen, onde não esquentou o lugar, partindo logo para Beirute, Síria. Em 1979, desapareceu bruscamente. Seu paradeiro ainda é desconhecido, existindo muitas suspeitas de envolvimentos monárquicos nesse sumiço.

Saud bin Saif al Nasr tinha culpa na cartório pois endossou cartas pregando o golpe contra o rei Salman. Um príncipe dissidente contou à BBC que, em 2015, al Nasr fora iludido com palavras conciliadoras, aceitando embarcar num avião saudita, sem saber para onde voaria.

O que fizeram dele?

Até hoje ninguém tem resposta para esta pergunta indiscreta.

Em 2003, o príncipe Sultan bin Turki, que vivia no exterior, clamou abertamente por reformas no reino do deserto. Algum tempo depois, foi convidado para uma reunião em Genebra para amigavelmente discutir suas ideias com autoridades sauditas. Ele caiu na armação. Na cidade suíça, foi drogado e, apesar de resistir, levado à força para um avião saudita, conforme informação dos membros do seu staff.

O príncipe Turki bin Bandar al Saud, ex-chefe de polícia de Riad, fugiu para Paris em 2012, pensando que ali poderia tranquilamente postar vídeos pedindo reformas na Arábia Saudita. Em 2015, viajando pelo Marrocos, foi detido por autoridades locais e deportado para Riad.

Se sumiu, ninguém sabe, ninguém viu.

Estas últimas ações delituosas não podem ser imputadas ao príncipe, pois ele só assumiu seus plenos poderes em 2017.

No entanto, de lá para cá, o número de sequestros, prisões e assassinatos praticados pelo seu Grupo de Intervenção Rápida foi muito superior ao total da performance repressiva nos anos anteriores

A veracidade dos fatos apontados pelo The New York Times me parece alta, considerando a confiabilidade do jornal e dos oficiais da Inteligência americana que deram o serviço.

Infelizmente, essa autêntica denúncia é quase impossível de comprovar, especialmente porque a Arábia Saudita não iria colaborar com a investigação, que poderia revelar ao mundo as sombrias entranhas do regime.

E aí o que fariam as potências do Ocidente?

Dá para antecipar que Trump alegaria que os fatos não eram conclusivos.

Situação difícil para a França e o Reino Unido, grandes fornecedores de armamentos ao reino do deserto.

Continuariam a afirmar que eles e os sauditas compartilham os mesmos valores?

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