Depois de mais uma vez escapar de um processo criminal, Silvio Berlusconi anunciou que vai se candidatar às eleições do parlamento europeu, em maio.
Falando do novo projeto, ele anunciou que seu objetivo seria “deter as forças populistas”.
Á primeira vista, parece um tipo exótico de suicídio pois ele sempre foi parte destas forças que pretende agora combater.
Na verdade, trata-se apenas de parole, parole, parole, já que “il Cavaliere” (como o chamavam, talvez ironicamente) continua brandindo as mesmas bandeiras típicas do populismo europeu: o euro-ceticismo, o ódio aos imigrantes, o nacionalismo político e o salvacionismo, encarnado nele, é claro.
Três vezes primeiro-ministro da Itália (1994/1995, 2001/ 2006 e 2008/ 2011), Berlusconi ocupou estas funções durante 9 anos. Não se pode dizer que os italianos não tenham como saber avalia-lo.
Dono de uma das maiores fortunas do país, avaliada pela revista Forbes, em 2018 , em 8 bilhões de dólares, ele cresceu politicamente com o uso massificado de sua poderosa rede de comunicação, formada por emissoras de tv e de rádio, jornais, revistas e editoras. Nos seus governos, a imprensa estatal também participou enfaticamente da glorificação do chefe.
Foi uma ajuda preciosa para rebater as inúmeras acusações de enriquecimento ilícito pelo abuso de seus poderes, falsificações contábeis, fraudes fiscais, corrupção, suborno de autoridades públicas e de juíze, manipulação de testemunhas, relações sexuais com menor de idade, testemunho falso e relações com a Máfia, entre outras malazartes. Quase todas deram em processo. Numa avaliação feita em outubro de 2013, verificou-se que nesse ano havia 32 processos em andamento contra Berlusconi, sendo que apenas uma vez foi condenado na última instância judicial.
Nessa ocasião, revelando uma resistência de sete gatos, o político conseguiu evitar seu encarceramento, por motivos variados: testemunhas que desapareciam ou mudavam seu depoimento, prescrição por idade e, principalmente, por alterações das regras processuais em seu favor por decretos ou graças a maiorias parlamentares muy amigas. O jornal La República lista 32 dessas alterações tão oportunas.
Apesar deste currículo, digamos, um tanto manchado, Berlusconi até agora amealhou votos suficientes para o levarem à suprema magistratura em três ocasiões. Apesar de pouco ou nada ter feito para tirar seu país de uma crise de décadas.
Não se pode dizer que o “rouba mas faz”, que marcou certos políticos brasileiros, poderia ser aplicado a “il cavaliere”.
Por fim, as coisas pintaram mal para ele.
No seu último governo, tendo sua maioria parlamentar claudicado, ele sofreu clara rejeição dos demais governos europeus e dos mercados financeiros. Perdera a confiança deles em suas políticas econômicas e financeiras.
Aí, não teve jeito. Foi obrigado se demitir, em 2011.
As coisas ficaram ainda mais pretas dois anos depois, quando um processo que corria solto pelos tribunais italianos, chegou à última instância judiciária, quando foi condenado por fraudes fiscais.
Beneficiou-se da idade para conseguir que sua pena fosse reduzida à prestação de serviços comunitários. Além disso, foi proibido de exercer qualquer função pública durante cinco anos.
Mas isso não o impediu de atuar politicaente.
Nas eleições de 2018, seu partido, Forza Italia, uniu- ao movimento 5 Estrelas e à liga Norte, numa coalisão de direita populista. Sua participação na campanha foi relevante, atraindo muitos entusiastas aos comícios em que discursou.
Diante da fraqueza dos últimos governos do Partido Democrata, que unia democratas-cristãos de esquerda a socialistas moderados, a coalisão de direita populista venceu e a força política de Berlusconi se expandiu.
Pouco depois, a Corte de Direitos Humanos da Europa considerou que a boa conduta de Berlusconi justificava o cancelamento da proibição de se candidatar.
Ansioso como um cavalo de corrida no momento da partida, ele correu a se aproveitar da extrema leniência dos juízes.
Tem muita chance de se eleger, o populismo de direita está na moda no nosso tempo.
Uma vez no parlamento europeu, vai certamente usar sua tribuna como trampolim para elevar seu prestígio na Itália a alturas propícias a uma boa votação na próxima eleição para o parlamento do país.
Conforme os resultados do seu partido, o segundo mais votado na eleição de 2018, o cargo de primeiro-ministro estará a um passo dele.
Se tudo isso acontecer, será prova de que os eleitores italianos não tem boa memória.