Em 2003, depois da rendição das tropas de Saddam Hussein, George W.Bush anunciou, eufórico:”A guerra do Iraque acabou.”
Não podia estar mais enganado.
O exército americano de ocupação teve de enfrentar uma dura guerra civil nos 8 anos que se seguiram.
Recuperada a independência do país, em 2011, a paz não chegou, apesar da formação de um governo democraticamente eleito.
A Al Qaeda, que Saddam Hussein reprimira, cresceu durante a luta da resistência. Fortalecida, passou a promover atentados diários em todo o país, matando milhares de pessoas.
Em 2014, novos conflitos.
Os sunitas (35% da população) levantaram-se contra as discriminações impostas pelo governo Maliki, de maioria xiita (62% da população).
Choques armados entre exército e milícias xiitas contra milícias sunitas ensangüentaram o país.
Finalmente, em 2014, surgiu o movimento radical islâmico ISIS, originado da Al Qaeda, como uma grande ameaça.
Surpreendentemente,conquistou parte do norte do Iraque,inclusive Mosul – a segunda maior cidade iraquiana- proclamando um califado independente.
Estamos agora diante de uma guerra decisiva para a sobrevivência do Iraque como nação independente.
Na verdade, de duas guerras.
Num front, EUA e Irã apóiam militarmente o governo de Bagdá na sua luta contra o ISIS.
Em outro front, essas duas potências disputam a hegemonia sobre o Iraque.
Os EUA saíram em posição privilegiada.
Ofereceu a Maliki, o premier anterior, os equipamentos, armas e treinamento necessários para a formação do novo exército iraquiano.
Mas o grupo político de Maliki sempre fora aliado do também xiita Irã, que os ajudara na oposição a Saddam Hussein.
Como os dois o desejavam em sua esfera de ação, o Iraque procurava tirar vantagens da situação.
Incapaz de conseguir a paz com os sunitas, Maliki acabou caindo.
Abadi, seu sucessor, foi escolhido por influência americana com o objetivo de unir todo o Iraque contra o ISIS, integrando sunitas e curdos no governo.
O que ele conseguiu, armando as tribos sunitas e fazendo um acordo com os curdos para compartilhar a exploração do petróleo da região.
As milícias xiitas ligadas ao Irã ficaram de fora.
Tinham se tornado muito poderosas, pois Teerã lhes forneceu artilharia, tanques e assistência militar.
Na guerra contra o ISIS, não aceitaram o comando das autoridades iraquianas, a não ser em casos isolados.
Nem elas nem as forças dos EUA queriam atuar unidas numa mesma coalizão.
No ataque a Tikrit, as milícias dispensaram o apoio aéreo americano. A princípio avançaram rapidamente, mas acabaram sendo bloqueadas pela resistência do último bastião do ISIS.
Abadi, então, assumiu o comando e chamou os aviões americana. Com pesados bombardeios, eles abriram caminho para a derrota do ISIS em Tikrit.
Animados, os iraquianos tentaram defender a importante cidade de Ramadi de uma forte ofensiva do ISIS, combinando exército iraquiano, milicianos sunitas e aviação americana.
Agora de moral alta, os comandantes americanos exigiram que os milicianos xiitas fossem postos de lado.
Não deu certo.
O ISIS acabou tomando Ramadi, sua maior vitória desde a conquista de Mosul no ano passado.
Na ocasião, os soldados do Iraque em fuga deixaram para trás seis tanques, artilharia pesada e veículos armados americanos.
Repetiram o fracasso de Mosul, quando os milicianos do ISIS capturaram quase um exército de tanques e artilharia americanos.
Parece que esse triunfo do ISIS alertou EUA e Irã.
Para eles, recuperar Ramadi é uma questão de honra.
Agora os estrategistas dos EUA admitem a integração das milícias xiitas pró-Irã nas forças em luta contra o ISIS.
Estas, por sua vez, estão vindo em massa para a região de Ramadi, numa demonstração de que o Irã concordou em deixar a rivalidade com os EUA de lado,pelo menos no cerco a Ramadi.
Ali Velayat, assessor do Supremo Lider Kamenei declarou á Reuters|: ”Se o governo do Iraque oficialmente solicitar ao do Irã tomar medidas que ajudem a confrontar (ISIS)…então o Irã atenderá seu pedido.”
Parece estranho pois o Irã de muito se comprometeu na luta contra o ISIS.
Acredito que cabem duas possíveis interpretações:
– Teerã pretende estender seu “braço protetor” sobre o governo de Bagdá, aumentando sua presença política e militar;
– Como o Irã já treina e arma os xiitas, essas “ medidas que ajudem a confrontar o ISIS” poderiam ser a entrada de suas tropas terrestres na guerra.
Seriam bem-vindas.
Até há pouco, muitos iraquianos suspeitavam dos iranianos devido à guerra Irã/Iraque, nos anos 80.
Agora, depois de uma série de vitórias contra os radicais graças ao apoio do Irã, seu prestígio cresceu muito no país.
Mesmo assim, pelo menos a curto prazo, não deve haver tropas iranianas no território do Iraque.
Os EUA ficariam furiosos.
Ora, o maior interesse de Teerã é fechar o acordo nuclear com eles, o que, aliás, está por pouco.
Não vai se arriscar a perder a boa vontade do presidente Obama em resolver essa questão