A queima do Alcorão incendeia o Afeganistão.

A fogueira que soldados americanos fizeram com exemplares do Alcorão causou mais estragos do que se esperava.

A pequena multidão de 3.000 afegãos furiosos, atirando pedras na base de Bagran e fechando a prefeitura da cidade, foi apenas o começo.

Logo as manifestações se espalharam por todo o Afeganistão, com massas de afegãos gritando “morte à América”, durante 7 dias.

Choques violentos com o exército dos EUA e a polícia do país causaram a morte de 30 civis e 6 militares americanos, inclusive dois assessores de alta patente, que foram assassinados no local mais protegido de sua base.

As desculpas do presidente Obama e os apelos à calma do presidente Zardari adiantaram pouco ou nada.

O inquérito ordenado pelo general comandante da base de Bagran e anunciado pelo embaixador Crocker, longe de acalmar os ânimos, irritou até mesmo as autoridades afegãs, pois o sacrilégio fora abundantemente provado não havendo dúvidas que  justificassem uma investigação.

De qualquer modo, o general ordenou que cada soldado da OTAN, imediatamente, se submetesse a uma sessão de treinamento para aprender a lidar adequadamente com os materiais religiosos.

Estranho que só agora, depois de 11 anos de guerra, algum militar americano tenha, por fim, se lembrado que era necessário que seus comandados entendessem os valores religiosos islâmicos.

No caso do Alcorão, ele é considerado a palavra de Deus, ditada a Maomé. Nada há de mais sagrado para os islâmicos. Todos eles tem seu exemplar e procuram tê-lo à mão,  para se  sentirem sempre próximos a Alá. Nada há de mais reverenciado, muitos chegam a beijar o Alcorão.

Desrespeitá-lo seria o mesmo que desrespeitar o próprio Alá, daí a razão do furor dos manifestantes.

Evidentemente, uma pessoa de mente estreita, como o pré-candidato republicano, Rick Santorum, não pode entender isso. Para ele, Obama fez mal em desculpar-se, os afegãos  é que deveriam pedir desculpas por ter mortos alguns americanos.

Isso nem passou pela cabeça do presidente Karsai e seu cercle intime. Para marcar seu protesto, ele cancelou uma visita de alto nível ao Pentágono, pois participariam ministros, incluindo os da Defesa e do Interior.

Na verdade, o Alcorão queimado foi o estopim, o último de uma série de incidentes que elevaram a raiva do povo contra os ocupantes americanos. Na maioria da população, a falta de respeito pela religião, pelos costumes e pelos próprios afegãos desenvolveu um anti-americanismo que não havia quando o exército da OTAN entrou no país.

Os raids noturnos, são um pesadelo para os habitantes do país, que podem ser acordados por soldados nada gentis que, depois de revistarem sua casa, os levarão presos até ficar provada sua inocência, o que pode levar muitos dias. Os raids desrespeitam ainda uma das mais caras tradições afegãs: o respeito à privacidade de seus lares. Também é considerado ofensivo o uso de cães para farejar as roupas e os alimentos da família.

As fotos, em 2010, de soldados americanos sobre corpos de afegãos mortos, em violação às lei de Genebra, chocaram a população. Pegou ainda mais mal o vídeo de fuzileiros navais urinando, em 2011, sobre cadáveres de afegãos.

Além disso, é de domínio público que algumas das escandalosas humilhações de Abu Ghraib, também são prática corrente em campos de prisioneiros afegãos.

Os assassinatos dos dois militares de alta patente dos EUA e o ataque à granada que feriu 7 soldados, além do assassinato de assessores franceses no mês passado são fatos particularmente graves, porque foram cometidos por militares afegãos. Demonstram o mal relacionamento entre os militares do Ocidente e o exército do governo de Kabul.

Isso já fora apontado pelo Coronel Damiel Davies, em relatório. Ele observou que os militares americanos desprezam a covardia e a falsidade dos soldados afegãos.

Quanto ao exército do governo de Kabul ele diz: ”Numa série de missões de grande importância, o Exército Nacional Afegão e a Polícia Nacional Afegã muitas vezes fugiram do combate… ou fizeram acordos com o Talibã.” E mais: ”Várias vezes eu percebi  forças de segurança afegãs conspirando com a insurgência.”

Se é isto que os militares americanos pensam dos militares afegãos, impossível que não tenham dado a perceber a eles.

A evidente hostilidade dos soldados afegãos aparece no grande número de deserções, nos casos de cumplicidade e falta de combatividade apontados pelo coronel Davies e nos diversos atentados praticados ou favorecidos por eles contra os assessores dos EUA e de outros países da OTAN.

Aí, surge um grande problema.

A ideia do governo americano é retirar-se em 2014, deixando um bom número de assessores para treinar os afegãos e uma força de combate limitada para atuar nos raids noturnos, além, éclaro, de passar a usar drones em grande quantidade.

Os chefes militares temem que o grupo de assessores americanos será obrigatoriamente de proporções reduzidas, estando portanto exposto ao “fogo amigo” das forças de segurança do Afeganistão, onde o anti- americanismo, como se viu, é forte.

São quase 2 anos para reverter esta situação.

O ex general de 4 estrelas, Jack Keans, põe as coisas assim: ”Eles (afegãos) querem respeito. É o que está causando tudo (os protestos). Os talibãs e outros que querem minar o governo estão explorando isso.”

Parecem exigências fáceis de atender.

Os chefe do Pentágono mostram-se conscientes da necessidade dos seus soldados passarem a tratar os militares e policiais afegãos como donos da casa.

Só assim poderão conquistar os “hearts and minds” deles.

Será que em menos em 2 anos conseguirão o que não conseguiram em 11?

Luiz Eça

28/09/2012

www.olharomundo.com.br

 

 

 

 

Um comentário em “A queima do Alcorão incendeia o Afeganistão.

  1. É lamentável que se queimem livros sejam eles quais forem: Carlos Zefiro que no meu tempo se vendiam nas bancas do Viaduto do Chá, Seleções Readear’s Digest, Coleções da Abril, José de Alencar, Renzo AlIegre, Gil Vicente, Jorge Amado, Aristóteles, Sócrates, Russeau, Marx , Maquiavel , Descartes, Lorca, Fernando Pessoa etc., etc., etc., etc..
    Para a minha santa ignorância, ficam no mesmo nível a Bíblia, o Corão, a Torá etc..
    Mais lamentável ainda, é ver que esses povos ainda conseguem colocar em risco a vida nesse planeta maravilhoso em nome das religiões e das origens “culturais”.
    Na verdade, isso tudo é farinha do mesmo saco que faz parte a Santa Inquisição e que no nível do chão crescem de forma bestial como negócios religiosos aqui no Bananão (leia hoje na mídia a última da Dilma) .
    Justiça seja feita! É até pauta de exportação embora não paguem impostos.
    Acho que livros foram feitos para serem lidos e compreendidos e não para se tornarem imagens, amuletos, objetos de adoração.
    Livros foram feitos para serem lidos e colocados na estante de madeira no corredor da sala à vista de todos e não à disposição de imbecis e por eles serem queimados.

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