O que se pode esperar da generosidade israelense?

Está chegando a Assembléia Geral da ONU, quando deverá ser discutido o reconhecimento do estado palestino. Para convencer os árabes a retirarem sua proposição, o premier Nethanyau declarou que, em troca, poderia fazer uma “generosa oferta” de paz.

Mas o que os israelenses chamariam de “generosa oferta”?
Para desvendar esse enigma, sugiro lembrar uma outra oferta que eles batizaram de “generosa” , há 11 anos atrás.
Em 2.000, o Presidente Clinton reuniu na Conferência de Camp David os então líderes das partes, Ehud Barak e Iasser Arafat,- para se discutir a criação de um estado palestino independente.
Na ocasião, Ehud Barak apresentou uma proposta que Clinton e a maioria da grande imprensa americana aplaudiram de pé.
Seu governo devolveria 91% das terras da Cisjordania ao novo estado, incluindo a faixa de Gaza e parte da soberania sobre Jerusalem Oriental. Os refugiados árabes e seus descendentes (4 milhões no total), expulsos de seus lares seriam indenizados por um fundo internacional. 
Parece bom, mas não é bem assim.
80% dos assentamentos existentes na época continuariam parte de Israel. Como alguns deles ficavam afastados da fronteira, sua ligação ao território israelense seria por rodovias, que o governo de Telaviv teria o direito de fechar aos árabes quando bem entendesse. Com isso, o estado palestino ficaria dividido em três partes não contíguas, separadas entre si por rodovias controladas por Israel. Seriam como três ilhas, acessíveis de uma para outra em função do humor das autoridades israelenses.  Somente este item já dificultaria muito a viabilização do futuro estado pois o transporte de mercadorias entre as “ilhas” e delas para exportação ficaria seriamente prejudicado.
Outros pontos de discutível generosidade : o estado palestino não poderia ter exército, seu espaço aéreo estaria sempre aberto aos aviões israelenses, a maior parte dos aquíferos da Cisjordânia(6 a 7 vezes mais) ficaria em terras atribuídas a Israel, o vale do Rio Jordão permaneceria sob controle do exército israelense, que teria o direito de penetrar no território palestino quando julgasse conveniente.
Quanto a Jerusalem, o estado palestino teria soberania sobre alguns subúrbios afastados e a administração (mas não a soberania) de parte de Jerusalem Oriental. 100% dos assentamentos de judeus existentes nesta área –tradicionalmente árabe – continuariam com Israel.
A solução para o problema dos refugiados deveria vir da “generosidade” da comunidade internacional a quem caberia indenizá-los. Os negociadores israelenses alegavam que se os 4 milhões voltassem, somando-se aos árabes que habitavam o país, poderiam acabar sendo maioria. E Israel deixaria de ser um estado judeu, contrariando sua constituição.  
Como se sabe, Iasser Arafat não aceitou essas condições.
Comentando essas condições, o Gush Shalom, movimento israelense pró-paz, se pronunciou assim: “A oferta é uma pretensa generosidade para influenciar a mídia”.
Aaron David Miller, membro categorizado da equipe de negociações de Clinton, escreveu no Washington Post, em maio de 2005, que Clinton e seu staff seguiram a liderança de Israel :”Sem examinar criticamente o que seria do nosso interesse e do interesse árabe”.
Convém lembrar que o quadro de hoje é muito diferente. A área ocupada por assentamentos judeus na Cisjordânia é muito maior. Os judeus teriam de renunciar a um número bem maior de assentamentos para igualar a proposta de Camp David/2.000.
Além disso, Nethanyau não é Ehud Barak. Enquanto o primeiro-ministro da época era membro do Mapalm, um partido trabalhista, o atual é do ultra-direitista Likud. Enquanto Barak admitia publicamente a devolução de boa parte dos assentamentos, Nethanyau tem repetidas vezes garantido o contrário.
Analisando todos estes fatos, ninguém poderia censurar os palestinos por não acreditarem na generosidade  israelense. E seguirem pedindo à ONU seu direito de existir como estado.

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