Pragmatismo de Putin sacrifica seus aliados Irã e Síria.

Forças da Rússia  e do Irã atuam militarmente na Síria, a convite do presidente Assad, para defender o governo contra grupos rebelde, armados e treinados pelos EUA e alguns países islâmicos.

Israel já entrou nessa guerra por tabela, já tendo bombardeado centenas de vezes alvos iranianos na Síria. Os chefes sionistas se justificam, afirmando que a presença militar do inimigo Irã num país próximo a suas fronteiras representa uma grave ameaça de segurança. É preciso debelá-la.

Destruindo armamentos e tropas do Irã, esses ataques também prejudicam a luta do governo Assad contra os rebeldes, além de, inevitavelmente, matar cidadãos sírios e destruir imóveis localizados junto às zonas bombardeadas. Como Israel não está em guerra com a Síria, viola o direito internacional ao invadir o espaço aéreo do país, sem autorização do governo de Damasco, e ao causar perdas humanas e materiais em território estrangeiro

Israel sempre garantiu que só iranianos e seus recursos militares seriam alvejados, os cidadãos sírios estariam garantidos.  Como os mortos não falam, muitos desses cidadãos não puderam testemunhar o contrário.

 Embora Moscou seja aliado de Teerã e os dois lutem juntos na Síria pelo regime Assad, Putin sempre cultivou sua amizade com o regime israelense. Para evitar choques nos céus da Síria entre aviões dos dois países, seus comandos militares mantêm ligação direta e Israel avisa com a devida antecedência quando vai atacar objetivos iranianos.

Vinha sempre dando certo, até que, em setembro de 2018, durante um dos habituais bombardeios israelenses contra itens militares iranianos, um avião de observação russo foi derrubado, por engano, pelo sistema antiaéreo sírio.

Moscou responsabilizou os israelenses pela derrubada do seu avião por várias razões, especialmente porque o bombardeio só foi notificado aos russos 1 minuto antes do início, sem tempo para o avião em causa fugir da zona de combate.

Como Israel tem sempre razão, o premiê de plantão, Benjamin “Bibi” Netanyahu trombeteou que seu país estava inocente.

Indignado, Putin virou a mesa.

Prometeu que iria fornecer aos sírios o sistema antimíssil S-300 um dos mais avançados do mundo, capaz de atingir até 100 aviões inimigos, ,simultaneamente, alcançando até 200 quilômetros, sendo equipado com um radar que cobre toda a Síria, o Líbano e o Norte de Israel.

 O que daria à Síria uma proteção extremamente eficaz contra os bombardeios de Israel.

Até então, a Síria dispunha de baterias antiaéreas antiquadas e precárias. Eram como fogos de artifício para a aviação de Israel, uma das melhores do mundo,. Com o sistema S-300 em ação, os israelenses iriam ver o que é bom para a tosse.

Imediatamente, John Bolton, assessor de Segurança Nacional e falcão de estimação do ex-presidente Donald Trump, latiu: os russos tinham de reconsiderar pois a instalação do sistema S-300 seria uma “significativa escalada” no conflito.

E o profeta Netanyahu vaticinou que o S-300 representaria a maior ameaça à segurança na Guerra da Síria.

Portanto, para estes dois soi disant democratas, a Síria não tem direito de se defender contra as ilegais agressões armadas israelenses, que invadem seu espaço aéreo, ameaçando atingir seus cidadãos e suas edificações.

Concluo que se trata de um direito exclusivo dos EUA e amigos, proclamado ,por exemplo, quando em três conflagrações, bombardeiros de Israel devastaram Gaza, matando milhares de habitantes, em resposta ao lançamento por milicianos do estreito de primitivos e inócuos foguetes.

Parece que Putin concorda com esta discutível tese discriminatória praticada mas nunca admitida explicitamente por seus beneficiários, pois ficaria muito mal no mundo civilizado.

E, assim, os sistemas S-300 russos jamais foram entregues ao exército sírio, numa quebra de promessa vista como fraqueza do regime Putin.

Passou a ideia de que foram os lobbies judaicos na Rússia que prevaleceram, apelando para os instintos pragmáticos do supremo líder do Kremlin. Que esqueceu seus justos agravos pela inexplicável falha israelense e voltou à sua anterior política de trocar com o premier “Bibi” Netanyahu” ações de interesse comum, bem sintetizada quando, em 2016, descreveu os dois países como “aliados incondicionais”

Na verdade, os S-300 foram enviados à Síria, sim, mas os russos os instalaram nas suas bases no país, com a recomendação de só serem ativados no caso de ataques a recursos militares de Moscou. Salvo isso, os aviões de Jerusalém teriam sinal verde para lançarem mísseis nos iranianos, tomando cuidado, se possível, para poupar pessoas e imóveis sírios (Asia Times, 31-8-2022).

Para os analistas independentes, o objetivo final de Putin não é recuperar todas as terras que constituíam outrora o império czarista russo, impondo sua liderança no orbe.

Ele se contentaria em tornar a Rússia um país poderoso, rico e ,especialmente, influente em toda parte, capaz de ajudar outras nações a resolver problemas, como os EUA foram outrora. Dessa maneira, seria impedido que os EUA conquistassem uma liderança unipolar, que reduzisse os russos a um papel de mero coadjuvante.

No caso da invasão da Ucrânia, para Putin atingir seus propósitos, todos os meios estão sobre a mesa. Como se viu posteriormente, vale sacrificar parcialmente os leais Irã e Síria, em benefício do maior aliado dos EUA, o regime de Israel.

Acredita-se que Moscou compete com o piedoso Ebrain Risi, presidente do Irã, pela hegemonia na Síria. Portanto; o ex-membro da KGB, ora governando a Rússia, não tem interesse na influência crescente do irã no governo Assad. As perdas impostas às forças iranianas na Síria pelos bombardeios israelenses, inevitavelmente baixarão a voz de Teerã nas decisões da guerra e, mais tarde, na esperada construção da paz na  Síria.

Note que Putin não deseja reduzir o governo iraniano ao role de um reles figurante no contexto da luta pela criação do futuro governo sírio (com Assad ou sem ele), apenas evitar que os iranianos assumam o protagonismo. Essa posição, Putin reserva para ele próprio.

Apesar da disputa na Síria, o líder russo de moído algum pensa em se afastar de sua aliança com o Irã.  Ela é fortalecida pelo apoio de Putin aos interesses iranianos nas negociações do Acordo Nuclear, vitais para eliminar as sanções dos EUA que lesam a economia do país dos aiatolás. Some-se a isso, o fato da Rússia fornecer os materiais nucleares essenciais ao programa pacífico que os iranianos desenvolvem nessa área.

Mas a amizade de Israel vale bem uma missa. Em primeiro lugar, porque introduz uma cunha na férrea ligação de Jerusalém com Washington.

Líderes nacionalistas judaicos como Netanyahu e o extinto Ariel Sharon sempre consideraram que poderiam tirar partido da aproximação com Moscou para conseguir concessões do regime de Washington.

Mas: Putin também pode tirar partido da sua amizade com Israel, p visando conseguir que o governo sionista tome posições que desagradem a Casa Branca.

Como agora, num desdobramento da Guerra da Ucrânia.

Ao desistir de equipar a Síria com o sistema anti-missil S-300, Putin prestou um grande favor a Israel. Agora, 4 anos depois, ele parece estar cobrando seu recuo numa posição que praticamente impediria Israel de continuar a bombardear impunemente os armamentos do Irã na Síria, de grande valor para as forças das duas nações na guerra que disputam contra os insurretos.

Ou Seja: em benefício do apenas amigo Israel, Putin prejudicou seus grandes amigos e aliados, o Irã e a Síria.

Na ética dos mafiosos e dos políticos, um grande favor deve ser pago com um favor de peso semelhante.

Israel está respeitando essa regra agora: paga o que deve a Putin, ao negar-se em fornecer armas e/ou equipamentos militares à Ucrânia, em favor dos interesses russos.

Para manter esta decisão, o governo de Jerusalém, vem resistindo a intensas pressões do presidente Zelensky, de líderes de vários países da Europa e, principalmente, dos EUA.

Para Biden, é certamente um duro choque.

Israel é o país a quem os EUA cumularam com mais benefícios, tais como: doação de 38 bilhões de dólares, sendo 1,8 anuais; defesa nos organismos internacionais contra acusações de violações dos direitos humanos e dos direitos internacionais, sendo que, com seus vetos na ONU, os EUA salvaram Israel de condenações e até punições internacionais; apoio a interesses de Jerusalém, mesmo injustos, como o bloqueio do Acordo Nuclear do Irã e a anexação do território sírio do Golã.

Além disso, a recusa de Israel de unir-se aos países do Ocidente no envio de armas para a  luta contra a Rússia, desprestigia Biden – o líder do bloco. E reforça a posição cada vez mais neutra no conflito, assumida por países como a Índia, a Turquia, a Hungria, a Arábia Saudita e boa parte da África e da América do Sul.

Hábil equilibrista, Putin consegue ser aliado essencial dos dois eternos inimigos, Israel e Irã, estabelecendo as áreas em que favorece cada um deles, mesmo em. detrimento do outro. A ambivalência russa é ampla. Moscou apoia a independência da Palestina, reconhece o Hamas como um player respeitável no Oriente Médio, embora esse movimento lute contra Israel e seja considerado terrorista pelos EUA, a União Europeia e o próprio Israel, é claro.

Isso não impediu o país da vodca de ter aceitado o direito de Israel se defender contra os mesmos rapazes do Hamas, na segunda guerra de Gaza. A quem, aliás, jamais presenteou  com uma só arma.

Israel não é a única das estrelas mais brilhantes da constelação americana da qual Putin tem se aproximado.

Especialmente depois da queda do general Nasser, o Egito tem recebido consideráveis doações de Washington e lhe comprado bilhões de dólares em armas. A aliança entre os dois países fortaleceu-se a partir dos governos seguintes, tendo declinado apenas no mandato de Morsi, o primeiro presidente democrático do país.

As relações do Kremlin com o Egito tiveram um grande impulso em 2013, depois da derrubada do presidente Morsi e a subida do general Sissi ao poder. A  aproximação entre os dois regimes autocráticos foi marcada pelo contrato de fornecimento de 5 bilhões de dólares em armas russas (apesar da proibição da NATO) ao Cairo, em 2014, e o início da construção pelo regime de Moscou da primeira usina nuclear egípcia, em 2022. Talvez por coincidência, nesse mesmo ano o Egito rejeitou na ONU sanções econômicas contra à Rússia.

Tradicional aliado dos EUA, a ditadura monárquica saudita passou a sofrer pesadas críticas americanas pelo assassinato do jornalista Kashogi, em 2018, por ordem do príncipe coroado Mohamed bin Salman, o verdadeiro governante do país.

O próprio Biden na campanha presidencial somou-se a esses ataques, prometendo acabar com os privilégios gozados pelos sauditas nos EUA e não deixar o príncipe assassino impune. Uma vez eleito, Biden foi mudando de posição especialmente porque os EUA precisavam que os sauditas aumentassem sua produção de petróleo para baixar o preço internacional e assim  ajudar a conter a escalada da inflação nos EUA.

Ele visitou o rei Salman e o príncipe coroado para pedir esse favor. Mas, não conseguiu nada. Pior: logo em seguida, o regime de Riad reduziu mais sua produção petrolífera. Era do seu interesse, não importava o interesse contrário da Casa Branca. Falou-se numa retaliação americana, que até agora não aconteceu. Ao que tudo indica, Biden terá de se conformar para não perder um aliado precioso no Oriente Médio.

Em 2018, no auge dos ataques ao príncipe Mohamed, Putin cinicamente  declarou que “não se pode começar a deteriorar as relações com a Arábia Saudita pois não se sabe o que realmente aconteceu”. Parecia estar de brincadeira, na verdade, havia um consenso mundial sobre a culpa do príncipe coroado saudita. Inclusive, a CIA comprovou essa barbaridade.

Em 2022, a Rússia, o maior exportador de combustíveis refinados para os sauditas, recebeu pesados investimentos da monarquia do deserto em empresas de energia locais. E os dois países consolidaram sua liderança entre os países da OPEP.

Os EUA sempre deram como certa a adesão de egípcios e sauditas a seus interesses garantida pela sua prontidão em atender às necessidades militares e economicas destes dois países.

Não contavam que, havendo divergência entre os interesses desses países e os da América, eles esqueceriam o passado e optassem pelo que lhes convinha, fazendo Tio Sam arrancar suas barbas de raiva.

Não digo que a Arábia Saudita tenha jogado os EUA do ônibus. Ainda podem deixar Biden sentar-se num bom lugar junto à janela. Mas não será de graça.

Quanto ao Egito começa a ameaçar acompanhar os países que estão se afastando do convívio das nações da NATO, na sua campanha para extinguir a ideia a Rússia como grande potência. Será talvez para suplantar as manifestações perigosas dos setores americanos contrários ao envio de armamentos a ditaduras violadoras direitos humanos.

Na política internacional, a lealdade será sempre um valor reconhecido universalmente (ou quase). Em teoria, certamente. Na realidade, as potências não a levam em grande conta quando seus interesses o exigem.

O regime de Putin costuma aproveitar essas situações particulares para agir no sentido da expandir sua influência nesses países .

Em casos específicos, talvez os favoreça, às custas de sacrifícios de aliados antigos.

Há fortes evidências de que os EUA pratiquem também essa mesma estratégia.

Vide a revolta da praça Maidan, na Ucrânia, a revolução rosa, na Georgia, e as mudanças radicais na Moldova.

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