“Nas guerras, a verdade é a primeira vítima.”
Esta frase do dramaturgo grego Esquilo continua válida, mesmo 27 séculos depois de ser dita. Os países envolvidos na guerra da Ucrânia – a Rússia, os EUA, a União Europeia e a Ucrânia, estão empenhados em atribuir ao adversário as piores ações, usando largamente de mentiras para atingir os” hearts and minds” da comunidade internacional.
Ao iniciar a guerra da Ucrânia, o governo Putin cometeu o que o Tribunal de Nuremberg, no julgamento dos líderes nazistas, considerou “o supremo crime internacional, por conter em si o Mal acumulado de todos os crimes de guerra’.
A insana ação do líder russo mereceu uma dura condenação da opinião pública mundial, especialmente do Ocidente.
Contaminadas pelo pesado ônus da invasão, as tropas russas são constantemente culpadas dos piores crimes. As denúncias de barbaridades cometidas por elas são aceitas como reais, sejam ou não comprovadas pois os governos que se opõem à invasão –EUA, Europa, OTAN e Ucrânia – gozam da maior credibilidade nas comunicações do conflito. Suas acusações dispensam provas, justamente por seu papel elogiável no enfrentamento das forças de Moscou.
Em recente relatório, a Comissão de Investigação do setor de Direitos Humanos da ONU revelou grande número de violências sexuais e execuções sumárias efetuadas por soldados russos. Como ninguém é perfeito, foram constatados também casos de maus tratos infringidos por soldados ucranianos a soldados russos (Modern Diplomacy, 25/9/2022).
E mais: sobram exemplos da alteração da verdade por parte de autoridades ucranianas na informação de supostos crimes de guerra das forças do Kremlin.
Repórteres de jornais e agências de notícias internacionais flagraram uma fake news em Izium, cidade ocupada durante meses pelos russos, que as forças de Kiev recuperaram recentemente.
Em 16 de setembro, autoridades ucranianas locais informaram a descoberta de uma vala comum com 440 corpos de soldados e civis ucranianos, alguns com cordas amarradas no corpo, indicando execuções ilegais.
A agencia Reuters apressou-se em divulgar “urbi et orbi,” mais este “bárbaro crime russo”. Horas depois, a Reuters cancelou essa notícia por ser incorreta.
No mesmo dia, Anton Herashenko, conselheiro do ministro do Interior da Ucrânia, narrou à BBC que havia mais de mil mortos na vala comum de Izium.
Repórteres do The Telegraph foram checar a informação é revelaram que “não havia qualquer evidência de um número tão grande de corpos.”
Por sua vez, Alexander Filshakow, procurador-chefe de Karkif, disse que alguns corpos pareciam ter sido torturados. No entanto, os jornalistas que estavam no local declararam não haver provas de tortura.
No dia seguinte, estadistas americanos e europeus, como Macron, presidente da França, e Blinken, secretário de Estado dos EUA, ecoaram a notícia falsa da Reuters, salientando que o incidente em Izium seria mais uma atrocidade dos comandados de Putin (Al Jazeera, 17/12/2022).
O presidente Kelesnky, é claro, cantou a mesma melodia, repetindo em todas as escalas de seu tour pelo Ocidente a história nebulosa do chamado “massacre de Izium” (The Guardian, 25/9/2022).
No entanto, apenas autoridades, militares e políticos ucranianos garantiram ter checado a veracidade dessa acusação. Dirigentes dos EUA e dos países do Ocidente assinaram de olhos fechados a denúncia ucraniana,
Conclusões da Aliança Internacional enfureceram o presidente Kelensky ao deixaram mal na foto o comportamento das forças de Kiev, em outro episódio da guerra. Relacionavam-se à Investigação da organização em 19 cidades, que descobriu bases e artilharia ucranianos instalados em escolas, hospitais e conjuntos residenciais.
Fato que atrairia ataques russos a esses locais repletos de civis, transformados assim em alvos.
Tudo indica que se trata de crimes de guerra pois os militares ucranianos estavam colocando civis em perigo de vida.
“Nós temos documentados um padrão das forças ucranianas ao colocar civis em risco e violar as leis da guerra quando atuam em áreas povoadas”, declarou Agnes Callamard, Secretária-geral da Anistia Internacional. Estar numa posição defensiva não exime os militares ucranianos de respeitar leis humanitárias internacionais.”
Os pesquisadores da Anistia também encontraram evidências de ataques ucranianos contra áreas povoadas no Donbas , em poder de separatistas, lançados de bases estabelecidas em áreas residenciais
Conforme o relatório da organização, os militares ucranianos, ao se instalarem em zonas povoadas, não se incomodaram em providenciar a evacuação dos moradores. Seria o mínimo que poderiam fazer para protegê-los (vide relatório em site da Anistia Internacional publicado em 4/8/2022).
Se privilegiasse as leis humanitárias internacionais, o Presidente Zelensky mandaria investigar os crimes de guerra aventados pela Anistia.
Mas, preferiu protestar, dizendo que a organização estava dando “munição” aos inimigos, acusando-a de ter mudado de lado. Para o lado dos russos.
Sua justificação é: já que a Ucrânia luta para se defender da invasão ilegal, desumana e brutal dos russos, tudo lhe é permitido no exercício de sua heroica missão.
Até mesmo, apoiar e proteger um grupo de fanáticos, empenhados na perseguição aos “traidores” da Ucrânia, ou seja, todos que discordam das posições do governo Zelensky.
Refiro-me ao Myrotvorets, movimento de extrema direita nacionalista fundado em 2014, quando rugia a guerra civil na região do Dombas entre o governo pró-Ocidente de Kiev e s separatistas pró-Rússia.
O estafe do Myrotvorets (todo ele incógnito) reúne informações sobre pessoas que considera inimigos da Ucrânia. E as publica no seu site, incluindo dados pessoais como fotos, endereços, números de telefones, profissões e endereços de email.
Acredita-se que esse grupo seja tutelado pelos serviços de segurança da Ucrânia e favorecido por Anton Gerashenko , ministro do Interior.
A simples colocação de um nome da lista negra do Myrotvorets já lhe pode provocar problemas com as autoridades. As críticas pesadas dirigidas a eles contribuem para serem discriminados na prática de sus funções profissionais.
A publicação de dados particulares de pessoas malvistas pelo Myrotvores, estimula o ódio dos fanáticos e lhes facilita o envio de mensagens ofensivas e ameaças, inclusive aos familiares dos indigitados. e a prática de ações agressivas, que tem levado até a assassinatos.
Em maio de 2016, a classe dos jornalistas sofreu um ataque maciço. O Myrotvorets publicou os dados pessoais de 4.508 jornalistas do mundo Inteiro que já tinham trabalhado no governo separatista do Donbas durante a guerra civil. Por isso, o site concluiu que cooperaram com os inimigos da Ucrânia.
Depois da publicação, jornalistas, tanto da Ucrânia quanto do exterior, passaram a receber constantes ofensas e ameaças via telefone e e-mails, tornando-se alvos de muitas redes sociais.
Seu crime foi terem se credenciado no não-reconhecido governo separatista da República do Donetsk, para poderem exercer sua ‘profissão na região.
Fizeram companhia a mais 130 mil nomes divulgados pela lista. Como Gerard Schroeder, ex-primeiro-ministro da Alemanha, por ter dito que a anexação da Crimeia era ”uma realidade que um dia precisará ser reconhecida”; Roger Waters por ter considerado que a Rússia teria mais
direitos à Criméia do que a Ucrânia; o camp/eão mundial de vos Roy Jones Jr. E um grande número de artistas pop russos que se apresentaram na ilha anexada pela Rússia.
Até figuras de direita caíram nas redes dos fanáticos : Silivio Berlusconi, amigo de Putin; Orban, quer defendeu os húngaros perseguidos na Ucrânia por terem dupla nacionalidade; Henry Kissinger por ter afirmado que a antagonização total da Rússia ameaçaria a estabilidade da Europa e Iulia Timoschenko , ex-primeiro-ministra ucraniana, atualmente dirigente de um partido de oposição.
Foi particularmente chocante a colocação no pelourinho dos fanáticos a vencedora do prémio Nobel de Literatura, Svetlana Alexievitch, que ousou citar os ucranianos que se aliaram aos nazistas na Segunda Guerra Mundial, o que enfureceu elementos neo-fascistas. Ela é bielorussa mas jamais se manifestou a favor de Putin.
Embora não ter sua foto e dados pessoais publicados no site do Myretvorets, o papa, Francisco foi objeto de críticas do grupo, que considerou ofensiva a carta em que ele escreveu : ”Sejam eles russos ou ucranianos…Penso ser muito cruel o fato de muitos inocentes pagarem pela maldade e loucura de todos os lados porque a guerra é loucura… Penso naquela garota que foi explodida por uma bomba sob seu carro em Moscou.”
A garota citada pelo papa era a jovem jornalista russa Darya Dugina, assassinada por defender seu país na TV.
A polícia russa garante que os autores do crime foram agentes secretos ucranianos. Possivelmente teria sido um “lobo solitário”, um fanático que pôde matar Darya, graças às informações sobre ela publicadas pelo site fatal.
Mas a jovem moscovita não foi a primeira vítima fatal que constava da lista do Myrovorets.
Antes dela, o escritor e jornalista Oles Buzina, o ex-parlamentar Oleg Kalashinov (ambos ucranianos) e o jornalista italiano, Andreas Rocheli, caíram sob as balas mortíferas de sicários, do quais nenhum foi preso.
A responsabilidade do Myrotvorets nesses atos terroristas ficou
caracterizada, quando, logo após os assassinatos, apareceu uma faixa sobre a foto da vítima no site com a palavra LIQUIDADO.
Nada parece capaz de deter o Myrovorets.
Em junho de 2016, os embaixadores do G7 expressaram sua preocupação pela publicação dos dados pessoais dos jornalistas e pedindo ao Myrotvorets que os retire do seu site.
A União Europeia e grupos de direitos humanos solicitaram seu fechamento ao governo.
O escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos recomendou às autoridades ucranianas que investigassem imediatamente as atividades suspeitas do grupo.
A Alemanha exigiu a retirada do nome de Gerard Schroeder, seu primeiro- na época, da lista dos traidores.
Os EUA não tomaram qualquer atitude- afinal de contas, não é com eles.
Só que é.
O Myrotvorets usa os serviços de tecnologia de uma empresa da California. Se os EUA quisessem poderiam bloquear esse site extremista.
Mas não querem.
A mensagem vendida ao mundo é de que a guerra Rússia/ Ucrânia é uma guerra do Bem contra o Mal, na qual o destino da humanidade está em jogo.
Vencê-la é um objetivo tão importante que vale à pena usar todos os recursos- mesmo ilegais ou imorais, se necessário- para o sucesso.
Se o Myrotvorets é útil ao regime Kelesnky para golpear seus inimigos e assustar os indiferentes, melhor deixar em paz esses perigosos aliados.
Valorizar a verdade continua um valor básico da imprensa ocidental, mas em todas as guerras ele é eventualmente deixado em segundo plano, por razões ditas estratégicas.
Mas, nós, o povo, temos o direito de não ser enganados.