As malasartes de um príncipe ds arábias.

Na sucessão dos sultões do antigo império turco-otomano, era costume que o príncipe herdeiro mandasse matar seus irmãos (em geral, por estrangulamento). Com isso, evitava que esses possíveis rivais disputassem a coroa com ele. 

O príncipe Mohamed bin Salman (vulgo MBS) não é turco-otomano e seu país, a Arábia S audita, é apenas uma pequena parte do que foi o grandioso império de Suleiman, o Magnífico.

Mas ele parece te aprendido certas lições dos príncipes turco-otomanos do passado.

Atualmente, o rei da Arábia Saudita se chama Salman.

Em 2015, o rei saudita nomeou o filho favorito, Mohamed bin Salman, príncipe herdeiro coroado. E, por motivos desconhecidos, confiou-lhe também o governo de fato do país.  Assim, o jovem passou a dar as cartas na política internacional, segurança interna e externa, economia e no mais que lhe interessasse. 

Salman continuou a autoridade suprema, interferindo somente quando achasse que MBS) estava pisando na bola demais. Por exemplo: o rei contrariou seu rebento ao ficar ao lado dos palestinos na rejeição do plano dito de paz, que Donald Trump chama inadequadamente de ”o acordo do século”.

Nos dias que correm, o rei Salman já poderia ter renunciado. Sua saúde é precária, registros médicos dizem que padece de demência e está piorando (Middle East Eye, 10-03-2010). Mas como é ele quem garante o filho no poder, MBS precisa do pai acomodado no trono real.

Agora, isso está em vias de mudar.

Nas eleições de novembro nos EUA, o fraternal amigo, Donald Trump, poderá perder para Joe Biden.

O candidato democrata tem o príncipe em baixa opinião, chegou a condenar duramente o assassinato do jornalista Khashoggi por ordem do governante de fato da Arábia Saudita.

Se ele vencer, num momento em que ainda não foi entronizado o sucessor do rei Salman, MBS teme que a influência do novo morador da Casa Branca possa contribuir para um possível naufrágio do seu sonho de se tornar rei.

O príncipe coroado conta com os resultados do seu persistente trabalho para consolidar sua candidatura, tirando do caminho rivais (e possíveis rivais) e desenvolvendo uma imagem de líder reformista poderoso e eficiente, autor de jogadas invulgares e bem sucedidas, inclusive na arena internacional.

Com seu projeto de poder na cabeça, ele vem se empenhando em destruir irmãos, tios e primos, que poderiam lhe disputar a coroa na saída do pai. Mas, como é preciso respeitar as convenções modernas, MSB descarta os métodos ultraradicais dos antigos príncipes da corte de Istambul.

O estrangulamento de príncipes reais, por exemplo, pegaria muito mal na comunidade internacional. A Arábia Saudita seria alvo de ataques horrorizados, vindos de toda a parte, e acabaria ficando isolada. O que não convém a uma nação que pleiteia a hegemonia regional.

Daí uma certa moderação na punição dos adversários. Mas, não quer dizer que o príncipe coroado respeite o Bill of Rights (declaração dos direitos, na independência americana) ou as leis das convenções de Genebra.

 MBS é um impiedoso autocrata, crente no direito dos reis de darem um fim a quem se opuser a seus projetos. Porém, para manter as aparências, tem de praticar suas malazartes secretamente ou, se não dá, apresentar motivos, pretensamente aceitáveis para se justificar.

A primeira destas duas opções foi adotada por ele no início do seu empoderamento.  As vítimas foram três príncipes, tidos como críticos das decisões do governo, mais exatamente, dele.

Sequestrados na Europa, onde andavam falando demais, Sultan bin Turk, Salat al Nasr e Turki bin Bandar viram-se levados à força para destinos desconhecidos, entre fins de 2015 e meados de 2016.

Como estes fatos acontecderam na calada da noite e só foram relatados por fontes anônimas, passaram em branco, mal foram mencionados em alguns poucos jornais.

Em setembro de 2017, MSB avançou mais um passo, prendendo 60 pessoas que ele achou inconvenientes para seu projeto de poder.

Desta vez, não deu para abafar, era muita gente importante: intelectuais, ativistas de direitos humanos, academicos, professores e lideres religiosos, inclusive três dos mais eminentes clérigos – Salman al-Odah, Awad al-Qarni e Ali al-Omary- com milhões de seguidores nas mídias sociais- além do célebre economista Zamil, mal visto na corte por ter postado na mídia social que o programa de MSB de venda de reservas de petróleo da estatal Aramco teria de ser aprovado previamente pela população, conforme sua subversiva frase: “o petróleo pertence ao povo.”

Eles foram acusados de serem malignos inimigos do regime.      Falando sério, MSB apenas desconfiava de que pretendiam ajudar a melar os planos do príncipe e sua futura elevação ao trono da monarquia saudita.

Depois desta purga, MSB embalou e, ainda em 2017, deteve cerca de 500 figurões do mais alto bordo, entre príncipes da família real, empresários bilionários, militares e altos funcionários.

Em atenção ao elevado status deles, o zeloso príncipe coroado alojou-os, não numa simples e desconfortável prisão, mas no luxuoso hotel Ritz-Carlton.

 De lá saíram somente para serem devidamente interrogados.

MSB não estava brincando, pelo menos seis dos príncipes foram submetidos a torturas (Middle East Eye, 17-11-2017).

 Um desses cidadãos estava em condições tão precárias que teve de ser admitido à unidade de cuidados intensivos do hospital a que fora recolhido. Lá passou por um tratamento que só é aplicado quando há elevado risco de vida do paciente, como na falência de órgãos- coração, pulmão ou fígado.

Nem o príncipe Prince Miteb bin Abdulah, neto do ex-rei Abdula, foi tratado com mais delicadeza. Ele foi torturado como os outros, só se safou depois de pagar um bilhão de dólares às autoridades.

Detalhe: Miteb era visto como um rival, vários príncipes de poderosos clãs o preferiam como próximo rei, em vez de MBS.

Oficialmente, as prisões foram justificadas como necessárias à campanha contra a corrupção que o príncipe estava empreendendo.

Para analistas, a verdadeira razão foi o fato dos poderosos detentos serem considerados supostos adversários do projeto de poder de MSB ou, pelo menos, perigosamente reticentes nas suas posições a respeito.

Acredito que nesse caso, uniu-se o útil agradável. Muitos dos detidos (talvez a maioria), tenham também ignorado as leis, lesando o Estado, na sua ávida busca de lucros ilícitos.

 A corte real anunciou que 87 fizeram acordos com o governo, devolvendo um total de 106 bilhões de dólares mal adquiridos. 56 deles, envolvidos em outros crimes, e 8, que se recusaram a pagar, continuaram processados por corrupção(New Arab, 31-01-2019).

Revigorado por essa operação bem sucedida, o príncipe coroado atreveu-se a fazer um lance desta vez um tanto arriscado.

No início de março deste ano, mandou prender uma série de personalidades, inclusive príncipes reais, que ocupavam posições hierarquicamente tão elevadas que pareciam inatingíveis.

Ahmed bin Abdulaziz era irmão mais novo do rei Salman e o mais provável rival de MBS na sua luta pelo trono. Crítico do governo, ele foi obrigado a se exilar em Londres para ficar fora do alcance da raiva do seu sobrinho.

Em 2018, ele e um grupo de príncipes decidiram que Ahmed, como líder dos descontentes, deveria voltar a Riad para tentar bloquear o acesso de MBS ao trono.

Previamente, o príncipe, por mediação da CIA e do MI6, recebeu garantias do governante de fato da Arábia Saudita de que Ahmed teria um tratamento principesco no seu retorno à pátria natal.

Verificou-se, então, que para MSB a expressão “tratamento principesco” teria um significado diferente. Logo ao chegar, o príncipe Ahmed foi solicitado a apoiar as pretensões monárquicas do primo. Como se negou, foi encaminhado ao cárcere (Bloomberg, 08-03-2020).

Os outros príncipes que seguiram o mesmo caminho, foram Mohamed bin Nayef, ex-príncipe coroado substituído nesta posição por MBS; seu irmão, Nawaf bin Nayef; Mohamed bin Saad al Saud, filho de irmão falecido de Salman; Saud bin Naeyf, irmão mais velho de Mohamed bin Nayef e Nayef bin Ahmed, filho de Ahmed.

As mídias sociais acusam o príncipe real bin Nayef de ser traficante de drogas, traidor e aliado do presidente turco Erdogan, grande adversário do regime saudita.

Como é impensável achar que essas mídias são independentes, vemos que, desta vez, o príncipe Mohamed está jogando muito pesado. Saiu da casinha.

Segundo a Reuters, citando fontes locais, ele teria afirmado que os príncipes detidos mantinham contatos diretos com países estrangeiros, inclusive a América, para lançar um golpe de estado.

Para outros informantes anônimos, as prisões objetivavam assustar oposicionistas e ,principalmente, tirar da frente príncipes que poderiam disputar a sucessão do rei Salman.

Por enquanto, MBS não se pronunciou.

Com as últimas prisões somadas à do príncipe Miteb, punido em expurgo anterior, ficaram neutralizados quatro dos seus possíveis adversários no Bayaa, conselho que decide quem será o novo rei. E Mohamed bin Salman gnharia maioria, ficando sua vitória garantida.

Fontes regionais garantem que, para neutralizar os efeitos negativos da possível eleição de Joe Biden para a presidência americana, MBS decidiu que seu pai deve abdicar antes que esse fato possa ocorrer. Assim, o líder democrata não teria tempo hábil para atrapalhar os manejos do príncipe coroado para se sentar no trono saudita.

Mesmo que ele e seu parças já tenham sob controle o Bayaa, talvez o príncipe Mohamed não possa já ir encomendando os trajes para a coroação.

Como o rei Salman deverá mesmo abdicar em nome do seu príncipe coroado, presume-se que ninguém se oporá. Mas não se sabe até onde irá o respeito à vontade de um rei em avançado estágio de demência.

Há outros aspectos a se levar em conta.

Muitos dos membros da corte real podem ter se assustado com os expurgos desabusados promovidos por MBS, não deixando incólumes até príncipes da família real. Talvez estejam pensando: se ele fez isso com eles, poderá um dia fazer comigo.

Pesa ainda o desencanto quanto às virtudes do príncipe Mohamed.

Anunciado com fanfarras como um reformista moderno, progressista e eficiente, que tiraria a Arábia Saudita das trevas medievais, MBS ficou muito aquém do esperado.

Depuseram contra a imagem trombeteada pela propaganda real resultados desastrosos como: a brutal guerra do Iemen  , considerada a maior catástrofe humanitária do mundo; o fracasso no bloqueio do Qatar e no apoio aos rebeldes e jihadistas na guerra perdida na Síria; o recuo na tentativa de pressionar o Líbano, no episódio da detenção do primeiro-ministro Hariri e, principalmente, o assassinato do jornalista opositor Khashoggi, que enlameou gravemente a imagem internacional do príncipe coroado.

Mesmo assim, quase todas as fichas estão sendo postas no príncipe MBS.

O que não é nada animador para os povos saudita e das nações vizinhas.

Com uma folha corrida dessas, não deve vir coisa boa dele.

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