Até o fim da Segunda Guerra Mundial, a província da Emília-Romagna, Itália, tem sido governada pelos comunistas e outros grupos de esquerda.
Nos últimos tempos, porém, o centro-esquerdista Partido Democrata (PD), que a governava, vinha se enfraquecendo gradualmente. Muito em função de sua timidez em enfrentar as críticas furiosas de Matteo Salvini e seu partido, a La Lega.
Arrebatando a Emília-Romagna nas eleições regionais de 26 de janeiro, o populista Salvini, projetava reafirmar sua condição de líder das massas populares de uma forma tão decisiva que o marcaria como o “homem indispensável” para tirar a República da Itália do sufoco em que vinha vivendo.
Mas ele fracassou.
Apesar de Salvini se empenhar a fundo na campanha eleitoral, seu candidato e La Lega acabaram derrotados pelo PD, do atual governador, por 51% versus 43%.
Foi um inesperado breque na ascensão deste líder populista de direita que, tendo recebido apenas 4% dos votos na eleição nacional de 2013, atingiu 27%, no pleito da União Europeia, em 2019, quando seu partido, o La Lega, obteve a maior votação na Itália.
De linguagem popularesca e desbocada- no estilo de Trump, Bolsonaro, Duterte e quejandos – Salvini é um político nacionalista, anti-globalizacão, conservador nos costumes, eurocético e, sobretudo, anti-imigração.
Destilando ódio contra comunistas, esquerdistas, políticos tradicionais e imigrantes, Salvini põe neles as culpas pela situação difícil do país.
Nessa galeria de “inimigos do povo”, os imigrantes são posicionados no primeiro lugar. Contra esses estrangeiros intrusos, que tomam empregos dos italianos, espalham o crime, a sujeira e os maus hábitos e não se integram no modo de vida superior da sociedade ocidental, o líder da La Lega os exorciza com propostas políticas duras e desumanas.
Surfando na onda dos anti-migrantes que varre a Europa inteira, ele tem ganhado enorme espaço na população italiana, gente pessimista diante das manobras patrimonialistas e corruptas da velha política da península.
A derrota do populismo de direita na Emília Romagna deve-se principalmente ao apoio ao PD de um movimento independente: As Sardinhas.
Bonnaccini, releito governador da Emília-Romagna pelo PD, afirmou em seu discurso de vitória que as Sardinhas fizeram a diferença, “levando para a rua dezenas de milhares de pessoas, pedindo uma política mais civilizada e cortez (BBC, 03-12-2019)”.
Fundado em novembro de 2019 na cidade de Bolonha, capital da Emilia-Romagna, o movimento convocava o povo para se reunir nas praças principais das cidades da região para discutirem, de modo democrático e respeitoso, os problemas da comunidade.
Seu símbolo, o desenho de uma sardinha, representa união, solidariedade e pacifismo.
As Sardinhas surgiram com uma mensagem de promoção dos direitos humanos e do respeito aos migrantes, que contrastava com a violência que caracteriza os comícios do chefão de La Lega.
Diz Andrea Garreffa, um dos seus fundadores, em entrevista à BBC: “Em vez de chegar com insultos, estamos procurando aplicar nossa energia em criatividade. Queremos desmontar o paradigma em que Salvivi insiste em dizer ‘meus oponentes são um bando de comunistas’ e de se retratar como um mártir.”
Tudo indica que grande parte do povo está cansado do clima de raiva e revanchismo onde Salvini pontifica.
Com menos de 3 meses de existência, as Sardinhas já organizaram demonstrações públicas em 30 cidades. No Facebook contava com mais de duzentos mil seguidores quando eu estava escrevendo este artigo. Hoje devem ser bem mais.
Mas não pense que elas pretendem singrar pelos mares tumultuados da política italiana como linha auxiliar do centro-esquerdista PD.
Seu objetivo é criar uma alternativa, uew livre a Itália de Salvini e de tudo que ele representa. Na Emília-Romagna, o PD se apresentava como o mais indicado para protagonizar esse papel. O apoio que as Sardinhas lhe deu possivelmente deve se manterr nas próximas eleições regionais, em mais sete províncias, em 31 de maio.
Por enquanto.
Fala-se que as Sardinhas acabarão formando um partido independente.
Mas seus dirigentes preferem continuar influenciando o PD para que se torne o porta voz das propostas básicas do movimento.
Por sua vez, depois de se tornar o partido mais forte na coalisão que governa a Itália, com sua vitória na Emília-Romagna, o PD começa a defender mudanças progressistas nas leis do país.
O outro membro do governo, o decadente Movimento 5 Estrelas, enfraquecido pelos seus ridículos 7% dos votos na Emília-Romagna, tende a aceitar medidas como o cancelamento da criminalização das pessoas e entidades que ajudarem os imigrantes, que o próprio partido anteriormente promovera em parceria com La Lega.
Fortalecida pelas Sardinhas, a coalisão agora de fato liderada pelo PD, passa a se firmar como grande obstáculo na trajetória de Matteo Salvini no caminho do governo da Itália.
Mas o chefão populista ainda não perdeu o rumo. Nas últimas pesquisas em todo o país, ele ainda aparece como o favorito.
Por sua vez, as Sardinhas continuam nadando rapidamente, apostando que o lado humano e civilizado do povo italiano acabe por prevalecer na hora do voto.