Estarão os palestinos apoiando um inimigo?

Pela primeira vez desde a eleição de Isaac Rabin, em 1992, os partidos árabes endossam um político sionista pretendente do governo de Israel.

Três dos quatro integrantes da Lista Árabe Unida juntaram-se à coalisão Azul e Branco, recomendando o general aposentado Benny Gantz para formar o novo gabinete israelense.

O Hadash, o Ta´al, o Ra´am e o Balad representam a população árabe-israelense de Israel, que constitui 20% do total do país. Somente o partido Balad recusou-se a aceitar a decisão do grupo. Alegou que Gantz tem “ideologia sionista, posições de direita não muito diferentes das do Likud (partido de Netanyahu) e que sua história militar é agressiva e sangrenta”.

Quer saber, é tudo verdade.

Sobre a paz com os palestinos, o líder do Azule Branco declarou; “Sou a favor de que estimulemos um acordo baseado em reter o controle do Vale do Jordão, conservar os blocos de assentamentos, não dividir Jerusalém (com os árabes), não voltar às linhas de 67, não agir unilateralmente.”

Nesse sentido, Gantz já havia dito que expandiria os assentamentos erguendo mais construções nos atuais. Novos assentamentos, somente nas “áreas estratégicas (Monitor do Oriente Médio,09-08-2019). “ O que é um tanto vago, abrindo espaço para um número até mesmo considerável de novas unidades.

Gantz parece pensar diferente de Netanyahu que anunciou a anexação unilateral da Cisjordânia, inclusive do vale do rio Jordão e que continuaria fundando mais assentamentos.

Já manter Jerusalém totalmente israelense e desconsiderar as linhas de 1967, definidas pela ONU como as fronteiras entre Israel e o futuro Estado palestino, são posições que os dois rivais compartilham.

Quanto á paz com os palestinos,  o líder do Azul e Branco aparenta ter uma visão positiva, ao contrário de Netanyhau.

Mas não é bem assim.

O general jamais falou em independência da Palestina, nem na solução dos 2 Estados, defendida pelos EUA (até agora) e a maioria dos demais países.

Noto ainda que mantendo em mãos israelenses o fértil vale do Jordão e os blocos de assentamentos, mais os ameaçadoramente numerosos assentamentos em áreas estratégicas, não sobraria muito para o futuro Estado israelense.

Não creio que os líderes palestinos aceitem o tipo de acordo defendido por Gantz pois ficariam com um Estado emasculado, sem viabilidade. Somente a perda do vale do Jordão representaria um terço da atual Cisjordânia ocupada.

Dá para inferir que Gantz pretende continuar a política de Netanyahu de “ir levando”, até que os palestinos se conformem com uma paz muito aquém da sonhada.

Há ainda dois pontos inaceitáveis pelos palestinos que unem os programas dos dois líderes: jamais permitir a volta dos refugiados palestinos expulsos pelo exército de Telaviv durante as guerras de independência israelense e jamais devolver as colinas de Golã à Síria, anexadas por Israel depois de as roubar do país a que pertenciam.

Ao terminar de explicar os porquês de sua recusa em marchar com Gantz, o Balad qualificou a história desse eminente general como “agressiva e sangrenta.”

Julgue você mesmo se ele tem razão, depois de dar uma olhada nos fatos mencionados a seguir.

Como comandante do estado-maior das forças israelenses, Gantz organizou a ofensiva contra Gaza que matou cerca de 2.500 palestinos, a maioria civis. Crimes de guerra foram cometidos nesta operação, dos quais ele foi apontado como co-responsável.

O belicoso general deve ter gostado muito do seu trabalho nos ataques a Gaza pois na sua campanha eleitoral exibiu filmes mostrando as destruições causadas no enclave pelos bombardeios e lançadores de mísseis israelenses. Informa o The Intercept que sobre as imagens desses feitos, lia-se a frase :“Partes de Gaza foram mandadas para a Idade da Pedra.” Evidentemente, tratava-se de uma forma de elogiar talentos guerreiros de Gantz, tendo em vista razões eleitorais.

Durante os governos do Likud, Netanyahu, na qualidade de primeiro-ministro, foi pródigo em brindar Gaza com pesados ataques, muitas vezes como represália a ações terroristas, em geral frágeis e ineficientes, de autoria de grupos jihadistas, que nada tinham a ver com o governo do enclave.

Para Gantz, foi muito pouco. Ele criticou Netanyahu, chamando-o de “fraco” diante da resistência em Gaza. Se estava falando sério, dá para supor que, caso assumisse o governo de Israel,  Gaza poderá sofrer uma repressão capaz de retroagir à Idade da Pedra suas partes poupadas pela última invasão israelense, comandada pelo hoje general aposentado.

Se no relacionamento projetado com os movimentos pela libertação da Cisjordânia ocupada, o líder do partido Azul e Branco aproxima-se de Netanyahu, ele se afasta bastante nas suas posições diante dos árabes israelenses.

Veja o que Gantz grantiu: “Nossas portas estarão abertas para todos: direitistas, centristas, esquerdistas…religiosos e seculares, judeus e não-judeus (Reuters, 30-1-2019).”

Esta frase foi música para os palestinos moradores de Israel, ainda aturdidos pela lei de Netanyahu que os considera cidadãos de segunda classe pois, segundo o então primeiro-ministro, ”Israel é o Estado-nação do povo judeu e somente do povo judeu.”

E o melhor é que Gantz não ficou nessa, digamos, abstração, fez uma promessa concreta: ”Vamos mudar a lei do Estado-nação para adicionar a clausula de igualdade civil!”

Seria um passo de muitos e muitos quilômetros.

Talvez o principal para grande parte dos palestinos árabes residentes em Israel.

Eles tem reclamado que seus partidos árabes preocupam-se mais com os problemas dos palestinos da Cisjordânia ocupada e menos com os deles.

Embora solidários com a luta pela independência dos seus “irmãos,” eles se sentem integrados em Israel e, portanto, almejam por conseguir melhores condições de vida..

Os anos da era Netanyahu deixaram heranças tristes.

“Os árabes israelenses tem vidas segregadas em cidades subfinanciadas com transporte deplorável e escolas inferiores”, admite a conservadora National Revew, edição de 25-10-2019.

Além disso, eles são penalizados por leis e regulamentos racistas e pela discriminação por parte da sociedade e do governo, que traz consigo altos índice de desemprego, maior criminalidade e serviços públicos inferiores.

A maioria dos árabes moradores de Israel aprova a adesão a Gantz por motivos bem pragmáticos: “A oferta de apoio de Odeh (o líder da Lista Unida árabe) a Benny Gantz reflete o desejo crescente da grande minoria árabe de Israel de ter um papel mais ativo na configuração do país. (AP, 31-08-2019).”

A contribuição árabe israelense a uma eventual vitória de Gantz impulsionaria suas reivindicações.

Considero ainda o peso do voto anti-Netanyahu, para eles um governo que jamais seria igualado na opressão aos árabes do país. Como; disse Odeh:“Nós nos tornamos ilegítimos na política israelense na era de Netanyahu”.

Arik Rudinitsky, pesquisador do Instituto de Democracia de Israel, afirma  que, caso Gantz consiga tornar-se primeiro-ministro com o endosso da Lista Unida, seu overno tenderá a investir mais nas comunidades árabes atormentadas pelo crime e pelo desemprego (Vice News, 24-09-2019).

Entre os árabes da Palestina ocupada, que sonham com a independência, e os de Israel, ansiosos por mais igualdade e menos discriminação, parece estar havendo um certo desacordo.

Ou não: talvez uma comunidade árabe israelense forte e respeitada no governo israelense, possa influenciar Telaviv a aceitar o fim da ocupação da Cisjordânia e a fundação de um Estado palestino.

Admito que se trata de uma utopia.

Seja como for, ainda é cedo para se discutir esses assuntos.

Primeiro, o general Benny Gantz tem de ser feliz onde Netanyahu fracassou.

Conseguir o apoio de um grupo de partidos que lhe garantam, no mínimo, 61 parlamentares, para oferecer a maioria necessária para  governar.

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