Vou deixar as coisas claras. Ao contrário do nosso presidente, eu não morro de amores por Trump. Muito pelo contrário. Mas, fatos são fatos e, apesar de nada ter a ver com o processo de impeachment de The Donald, as acusações contra seu possível adversário nas eleições presidenciais não são tão despropositadas assim.
Até agora a campanha de Biden admite que, como vice de Barack Obama, ele pressionou, em 2016, o então presidente ucraniano Poroschenko a demitir o procurador-geral Shotin por sua misteriosa brandura nas investigações de empresas de oligarcas como a Burisma Holding- gás natural. Hunter, filho de Biden, começou a trabalhar para esta empresa como membro do conselho em 2014. Só que as ações da Burisma investigadas aconteceram no período 2010-2012, o que inocentava o filho de Biden. Além disso, o sucessor de Shotin livrou Hunter de qualquer falcatrua.
Dando de barato que tudo fora bem explicado, o ex vice de Obama vem ignorando o assunto, preferindo comentar a falta de ética do presidente :”Ele (Biden) acusou Trump e seu time de ‘usarem mentiras, distorções e ofensas’ para jogá-lo fora da corrida presidencial (The New York Times, 5-10-2019).” Aparentemente, a imprensa americana admite que as justificações do pessoal de Biden jogaram uma pá de cal nos ataques de The Donald no affair ucraniano. Essa boa vontade geral animou o time da campanha Biden a procurar tampar as as possíveis rachaduras na imagem do pré-candidato. E entraram em contato com âncoras de Tvs e redes pedindo que não dessem espaço para Rudolph Giuliani, advogado pessoal do morador da Casa Branca, divulgar fake news e teorias da conspiração contra o democrata.
Mas há quem duvida de unanimidades. O repórter investigativo, John Solomon, elencou uma série de argumentos e opiniões que põem em dúvida a pureza da alma de Joe Biden (The Hill, 26-09-2019). Ele conta que, em 2018, viu um vídeo no qual Biden admitia que, em 2016, como vice-presidente dos EUA, ameaçou cancelar um bilhão de dólares em garantias de empréstimos dos EUA, caso o presidente não demitisse Shotin. Acusava o então procurador-geral de sinistros favorecimentos a várias empresas de oligarcas, inclusive à Burisma, sendo que a União Europeia e o FMI também tinham pressionado para eliminar essa desagradável política (The Guardian, 01-10-2019). O presidente Poroschenko atendeu a essas exigências.
Em recente depoimento, sob juramento, a um tribunal europeu, Shotin afirmou que, ao ser demitido, fora informado de que o motivo seria a insatisfação de Biden com sua performance na procuradoria. Shotin contesta: “a verdade é que eu fui forçado a sair porque estava liderando uma ampla investigação de corrupção da Burisma Holding. E acrescentou que Hunter Binden também estaria sendo questionado.” Mas o ex-procurador disse mais: “Em várias ocasiões o presidente Poroschenko pediu-me para olhar o caso contra a Burisma e considerar a possibilidade de interromper as ações de investigação dessa companhia, mas eu me recusei
(The Hill, 26-09-2019).” Pondo mais lenha na fogueira, o The New York Times informou que, a Burisma teria ficado muito feliz com a demissão de Shotin e que, no ano seguinte, firmou um acordo amigável com o sucessor do procurador.
Há portanto indicações de que, possivelmente, o procurador-chefe Shotin não teria sido afastado por complacência exagerada ou corrupção ao investigar a Burisma.
Igualmente parece estranho que seu substituto tenha se apressado a fazer um acordo com uma empresa tão mal vista. A propósito, lembro que foi este mesmo cidadão quem inocentou o filho de Biden.
Shotin assegurou ao reporter John Salomon que, justo na época da sua demissão, estava questionando a contratação de Hunter Biden por nada desprezíveis 3 milhões de dólares em fees (honorários). O FBI teria confirmado este valor.
Como Hunter não era um especialista em energia ou administração, se deduz que a Burisma esperava dele outra coisa: poderia ser muito útil como lobista graças a seu conveniente parentesco com figuras de alto nível no Executivo dos EUA, que mantinham grande influência sobre o governo local, submerso em séria grave crise séria e, portanto, desesperadamente carente de dólares.
Os defensores do ex-vice de Obama também alegam que, como as investigações sobre a Burisma já tinham sido canceladas em 2016, seria inútil uma eventual intervenção favorável de Biden.
Não é bem assim, diz Solomon. O ex- procurador-geral informou que, quando Biden fez sua solicitação, havia dois inquéritos em aberto, sobre evasão de taxas e lavagem de dinheiro, os quais só foram encerrados em 2017.
Levando tudo isso em conta, não seria inadequado presumir que Biden poderia ter forçado o presidente Poroshenko a substituir Shotin por alguém pronto a maneirar com a Burisma, justificando-se assim os polpudos honorários pagos a Hunter.
Evidentemente todos estes fatos não são conclusivos. Baseiam-se em informações e depoimentos que precisam ser devidamente checados. Faltam evidências. Mesmo assim, o pré-candidato a presidente pelo Partido Democrático tem obrigação de rebater os indícios levantados por Solomon.
No seu artigo, o jornalista investigativo apresenta outros indícios contra a posição de Joe Biden. Mas aquelas aqui focalizadas devem ser mais relevantes. O repórter termina suas revelações com duas perguntas, para ele, fundamentais.
Não
seria impróprio eticamente, ou mesmo ilegal, que Biden interviesse para
despedir o procurador que estava processando o caso da Burisma, considerando os
interesses do seu filho?
Teria Biden dado à opinião pública honesta narração do que aconteceu?
Por enquanto, Biden não respondeu. The Donald tem preferido optar por xingamentos e
declarações tolas na sua tentativa de destruir seu contendor. Provavelmente o
ex-vice não se preocupa em contestar as críticas de Solomon, porque elas ainda
não devem ter chegado a um número razoável de eleitores.
Quanto a Trump,penso que deve estar incerto entre continuar concentrando seus
tiros em Biden ou mudar de alvo. Afinal Elizabeth Warren disparou na corrida e
já empatou com o ex companheiro de Barack Obama. Na seis últimas pesquisas de
diferentes empresas da área, apresentadas pela Real Clear Politics, a pré-candidata
progressista vence em quatro. Breve haverá a primeira pré-eleição do Partido
Democrático, em Iowa. Se Warren derrotar seu adversário, ninguém mais a segura.
Acho que em todos os comentários sobre o lance de Biden na Ucrânia, não se
falou sobre um aspecto até que grave: a violação da soberania da Ucrânia pela
intervenção de um representante do governo de Washington. Entendo que os EUA se
preocupem com a saúde econômica da sua aliada Ucrânia. Por fazer fronteira com
a Rússia, esse país é um precioso trunfo para a política internacional de
Washington. Condicionar financiamentos a ações contra a corrupção instalada
largamente no país, seria perfeitamente legítimo.
Mas exigir demissões de autoridades estrangeiras e até sua substituição por
gente amiga, passa da conta, é violação clara da soberania ucraniana.
Por sinal, tratava-se de um procedimento comum no mundo comunista, via União
Soviéticas, veementemente condenado pelo Ocidente, sob a liderança dos EUA, na
guerra fria.
Não se trata de um precedente dos mais respeitáveis.