Devastados por 18 mil bombardeios sauditas, houthis atacam refinarias do reino.

No dia 14 de setembro, mísseis e drones lançados pelos houthis do Iêmen venceram novos avançadíssimos sistemas anti-mísseis sauditas atingindo e incendiando duas enormes refinarias de petróleo do reino de Riad.

50% da produção da Arábia Saudita foi paralisada, trazendo pânico ao mercado. Embora, o governo tivesse garantido que em dois dias tudo estaria normal, o preço internacional do petróleo disparou. Não poderia ser de outro modo, afinal os sauditas são os maiores produtores e exportadores de petróleo do mundo.

De um modo geral, as nações ocidentais consideraram o ataque dos houthis um escândalo, algo inaceitável na civilização moderna.

O governo conservador inglês pediu uma ação coletiva contra os autores desse verdadeiro ultraje (Reuters, 17-09-2019).

Poucos líderes mundiais defenderam os houthis.

Rouhani, o presidente do Irã, lembrou oportunamente que: “Os iemenitas…não atingiram um hospital, eles não atingiram escolas, eles não atingiram o mercado de Sanaa. Eles apenas atingiram um centro industrial.”

A Arábia Saudita já atingiu tudo isso e muito mais.

Os 18 mil bombardeios aéreos desferidos contra o Iêmen em poder dos houthis destruíram áreas residenciais, mercados, mesquitas, centros de saúde… e até ônibus escolares, funerais e casamentos.

Como a estratégia saudita é vencer, não só pela violência direta, mas também pela fome e difusão das doenças graves, outros alvos selecionados foram estações de tratamento de água, usinas elétricas, pontes, depósitos de alimentos, redes sanitárias.

Fechando o cerco, um bloqueio aéreo e marítimo obstaculiza a chegada de alimentos e medicamentos importados dos quais o Iêmen depende.

Como resultado desta estratégia desumana, entre 2015, início da guerra, e 2019, morreram de 60 mil a 80 mil iemenitas via bombardeios e combates terrestres. Somando o número  de mortos por fome e doenças, chega-se a um total de  150.000 pessoas vitimizadas, em grande maioria civis, segundo o Armed Conflict Location & Event Data Project, da Universidade de Sussex, Reino Unido (The Independent, 11-12-2018).

No corrente ano, estima-se que 24 milhões de iemenitas, ou 74% da população, necessitarão de assistência humanitária para poderem sobreviver.

Não foi à toa que a ONU declarou o Iêmen a maior crise humanitária da atualidade.

Diante destes fatos chocantes, acho que que os houthis tem todo o direito de contra-atacar, lançando mísseis e drones contra objetivos sauditas econômicos, nos quais pouca gente morre, especialmente comparando com os 60  80 mil iemenitas vítimas das bombas sauditas.

The Donald e seu secretário de Estado, Mike Pompeo, acusaram, da autoria do ataque, não os houthis, mas o Irã, o inimigo número 1 da política externa da Casa Branca. Falam que suas agências de segurança tem provas – mas não revelam quais são.

Limitam-se a garantir que a tecnologia rudimentar dos houthis não teriam recursos para a proeza de lançar uma ofensiva de mísseis e drones tão sofisticada.

 Ergo, o responsável só pode ser o Irã, aliado e patrono dos rebeldes.

Acredito que os houthis, propriamente, já devem ter saído da Idade da Pedra há muito tempo. Do contrário, como conseguiram resistir, nos mais de quatro anos da guerra, aos esmagadores ataques da Arábia Saudita, abundantemente equipada com os mais avançados armamentos americanos?

Ancorado na sua tentativa de desmascarar o Irã , Pompeo pinta o ataque às refinarias como uma autêntica declaração de guerra, lançada, é claro, pelo diabólico Irã.

Em tese, um ataque militar de um país contra outro se enquadra na classificação do político americano.

Especialmente quando o presumido infrator é um país adversário do governo de Washington.

Nada vêm ao caso os mais de 200 bombardeios promovidos por Israel, em 2017 e 2018, contra o Líbano, a Síria e o Iraque (este em 2019), numa média de dois por semana, conforme informações de oficiais israelenses (Reuters, 03-10-2018).

Israel é o aliado número 1 dos EUA, portanto, seja lá o que fizer, está sempre acima de qualquer suspeita.

Diversos países que costumam acatar a liderança americana não aceitaram a acusação de Washington ao Irã..

A França aguarda provas.

Para o Japão, não há nada que afirme a culpa iraniana. Tóquio diz que tende a acreditar na responsabilidade, aliás assumida pelos houthis.

Trump, como se esperava, foi extremamente agressivo no início deste affair.

Deu de barato que o Irã era o culpado. E foi mais longe, afirmando que os EUA estavam “com armas preparadas” para retaliar. Era só a a boa aliada (e grande cliente de armas americanas) Arábia Saudita pedir para ele entrar em ação.

O reino dirigido de fato pelo príncipe Mohamed bin Salman- planejador do horrendo assassinato de um opositor, em plena Turquia- apressou-se em indicar os iranianos como os agressores.

Depois do presidente Rouhani negar a participação do Irã e repetir que não queria guerra, mas lutaria até o fim, Trump ficou numa chamada “sinuca de bico.”

Ele vai tentar a reeleição em 2010 e meter os EUA em mais uma guerra, essa particularmente dolorosa, seria péssima propaganda. O povo americano não aguenta mais sacrificar seus jovens e seu dinheiro em intervenções armadas desastrosas como no Vietnam, Afeganistão e Iraque.

O Irã não seria fácil de ser vencido pois tem um exército muito bem armado e organizado e um povo motivado a defender seu país. Lutar contra ele custaria aos EUA severas perdas humanas e financeiras e a Trump, a derrota eleitoral.

Embora sob pressão dos falcões que pululam nos poleiros da Casa Branca, The Donald mudou de tom – passou a falar em diplomacia, acordos e que a guerra seria a última opção.

Deixando de lado a enorme hipocrisia que caracteriza a política externa dos EUA de Donald Trump, certos analistas admitem que as digitais do Irã podem estar nos mísseis e drones houthis.

 Para o The Guardian: “ A estratégia de máxima pressão de Trump está tendo um efeito oposto: quanto maior a pressão exercida, mais arriscadas as estratégias seguidas por  Teerã, simplesmente porque os iranianos ficam mais desesperados e sentem que tem menos a perder…Sendo a Europa incapaz de oferecer alivio suficiente às sanções- depois de um ano de tentativas- o Irã vê sua situação se deteriorar, com escasso progresso diplomático e uma economia se enfraquecendo. Ele não está preparado para deixar isto acontecer tranquilamente.”

Em vez de deixar o país, pressionado pelas sanções americanas, caminhar inapelavelmente para a ruína, seu governo teria resolvido obrigar seus algozes – EUA e Arábia Saudita- a pagarem um alto preço: sérios empecilhos ao fluxo de petróleo pelo Golfo Pérsico, afetando negativamente os preços internacionais e até o próprio suprimento aos europeus, que não cumprem os compromissos assumidos com o Irã no Acordo Nuclear, que firmaram.

Embora, não havendo provas, há quem ache plausível que Teerã tenha sido responsável pelos atentados contra os petroleiros no golfo de Ormuz e pelos mísseis contra as refinarias sauditas. Atribuir essas ações aos rebeldes seria uma aposta no incentivo à insegurança dos países árabes aliados aos EUA.

“Ataques partindo dos houthis, ao invés de Teerã, também tornam as retaliações militares americanas ou sauditas mais problemáticas, enviam a mensagem aos Estados da região que enquanto o Irã morre de fome, eles não podem esperar permanecerem salvos. (Al Monitor, 16-09-2019).”

Não sei se essa ousada e perigosa estratégia já estaria sendo posta em prática por Teerã.

 Sobram as análises, mas os fatos faltam.

A verdade é que, longe de porem o Irã de joelhos, o que as sanções americanas estão conseguindo é lançar seu inimigo numa rota de confronto que pode chegar à indesejável guerra.

Um gato não é um animal selvagem.

Se encurralado, cuidado com suas garras.

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