O presidente Donald Trump não deixou por menos.
Em agosto do ano passado, falando sobre o espinho na garganta que é a guerra do Afeganistão, ele tascou: ”De um jeito ou de outro, este problema será resolvido – eu sou um “solucionador” de problemas -e, no fim, nós venceremos.”
Empolgado com a bazófia presidencial, o então comandante dos EUA no Afeganistão, o general John Nicholson, foi na mesma batida: “Nos próximos 2 anos, as forças de segurança do Afeganistão expandirão seu controle sobre 80% da população.”
Bem, já passou um ano e o vaticínio do general parece que não aconteceu.
De acordo com estudo do FDD´s Long War Journal, baseado em dados oficiais, quase metade da população vive em distritos onde o Talibã manda ou exerce influência.
Por sua vez, o SIGAR (Inspetor Oficial da Reconstrução do Afeganistão) informa que apenas 55,5% dos distritos do território nacional estão nas mãos do governo de Cabul, a ocupação mais baixa desde novembro de 2015, quando o SIGAR iniciou suas inspeções.
Enquanto isso, o Talibã dá as cartas em 12,5% dos distritos e um terço deles está sendo disputado pelas duas forças opostas.
Mesmo nos distritos dominados pelo governo, o Talibã tem poder suficiente para lançar atentados.
Como o mais recente, quando, em Candaar, foram mortos três importantes figuras da área de segurança do governo afegão e um general americano saiu ferido.
Nos quatro maiores distritos que obedecem ao governo (Cabul, Candahar, Mazar-i-Sharif e Herat), o Talibã e seu rival, o Estado Islâmico, promovem rotineiramente ataques contra alvos militares e civis (Foundation of Defense of Democracy).
Apesar desses dados alarmantes, o Pentágono, talvez contaminado pelo triunfalismo do morador da Casa Branca, garantiu, através do seu porta-voz, o coronel Rob Manning :”A segurança das forças de defesa afegãs está dando certo.”
Como prova dessa óbvia tentativa de enganar a opinião pública americana, o Pentágono lembra que houve uma redução de 2/3 nos ataques rebeldes durante as eleições, comparando com os que aconteceram nas eleições de 2010.
O pessoal dessa nobre instituição passou por cima do fato de que pleito de 2018 foi adiado por três anos, devido a preocupações com segurança.
Que, afinal de contas, não parece estar indo tão certo quanto afirmou o coronel Manning.
Neste ano, não dá para ser otimista quando as mortes de civis no primeiro semestre de 2018 atingiram os números mais elevados nos últimos 9 anos (National Interest, 6 de novembro).
Relatório de estudo do Instituto Watson para Assuntos Internacionais da Universidade Brown informa que, desde o início do conflito, morreram 38.480 civis.
São 17 anos de uma guerra que já custou 900 bilhões de dólares (Real Clear Politics) e as vidas de 2.500 soldado, sem que os EUA conseguissem realizar seus objetivos.
Não conseguiram nem derrotar seus inimigos, nem reconstruir o Afeganistão, tornando-o um Estado democrático, estável e capaz de se defender sem ajudas externas.
Uma das principais razões do fracasso foram os gastos excessivos financiando milícias ilegais para promover segurança a curto prazo.
As forças especiais americanas não tiveram escrúpulos em realizar inúmeras missões em conjunto com esses grupos. Que, em troca, puderam, impunemente, praticar inúmeros delitos tais como saques, tráfico de drogas e violações dos direitos humanos.
Diversos chefes de milícias privadas enriqueceram graças ao apoio americano.
Como Kild Abdul Raziq, que foi o homem mais poderoso do Sul do Afeganistão.
Durante muitos anos chefiando a polícia de Candahar, Razik, era considerado um aliado pelo comando americano.
Ele progrediu em sua carreira, massacrando, não apenas talibãs, mas também cidadãos inocentes.
Razik formou um verdadeiro exército particular. Com o domínio de boa parte das fronteiras com o Paquistão, enriqueceu na exploração do contrabando de drogas (The Intercept, 30 de outubro).
O interessante é que, enquanto esse companheiro de armas de oficiais dos EUA dedicava-se a atividades, digamos, tóxicas, os EUA iam em sentido inverso, aplicando 8 bilhões de dólares (desde 2002) em programas contra narcóticos.
Até seu assassinato em Candaar, Razik se deu bem, mas não o governo americano. Segundo informação do inspetor geral das forças armadas, “a crise do ópio no Afeganistão está pior do que nunca.”
Falando de forma crua, o país inteiro vai mal.
Depois desses 17 anos de combates, atentados, bombardeios e mortes, o povo afegão perdeu a esperança, conforme pesquisa Gallup, deste ano.
Solicitados a dar nota sobre suas expectativas no futuro, numa escala de 0 a 5, os afegãos cravaram 2,7, em média. Há dois anos atrás, estavam otimistas, deram 4,2.
2,7 foi a nota mais baixa em qualquer dos países em que a Gallup fez essa pergunta.
Quando a pergunta foi “como estará sua vida daqui a 5 anos”, a nota média foi 2,3, também bem menor do Gallup verificou em qualquer outro país (Tolo News”).
O novo comandante geral das forças americanas e da NATO, o general Scott Miller, parece estar vendo as coisas de forma consciente.
Para ele, “isto (a guerra) não poderá ser vencido militarmente. Isto está caminhando para uma solução política”.
Diz Miller que o Talibã também está percebendo “que nunca irá ganhar a guerra. Portanto, se você percebe que não pode ganhar militarmente em ano algum, a pessoa começa a se perguntar por que (continuar)? “
A conclusão do general é que, como as duas partes sabem que nenhuma vencerá a outra, “está na hora de começar a trabalhar em uma saída política para este conflito (CBS, 31 de outubro).”
É claro que ele não está falando apenas por si, o Pentágono tem a mesma posição.
O general James Mattis, secretário da Defesa, é firmemenrte contrário à ideia de ganhar pela força. Vai mais adiante :”Se as coisas continuarem assim, eles vão vencer”
Para que “as coisas não continuem assim”, os EUA estão aumentando o número de bombardeios, promovendo ataques em diversas frentes e, provavelmente, enviarão mais tropas para aumentar seu poder de fogo no Afeganistão.
A estratégia é fazer tudo para reverter as posições conquistadas pelos adversários e ainda destruir o maior número possível de milicianos e seus equipamentos militares.
Com isso, os talibãs acabariam por topar negociar a paz sem sua costumeira exigência de retirada prévia das forças americanas. E os EUA estariam numa posição forte para conseguir um acordo favorável.
Será correto?
Abdul Hai Nimati, governador da província de Baghlam, não pensa assim.
Ele acha que os talibãs não querem a paz pois pensam que podem ganhar a guerra.
A tendência seria de que redobrariam seus esforços para pressionar as forças americanas, convencer o Pentágono de que não tem chance de liquidar a fatura.
Acreditam que, perdendo soldados e dinheiro, ano após ano, , os EUA acabarão desistindo de lutar á toa.
Neste céu de brigadeiro, presumivelmente imaginado pelos talibãs, The Donald acabaria se conformando em retirar suas tropas do Afeganistão, antes de se sentar à mesa das negociações.
Evidentemente, sem os americanos, especialmente sem seus temidos bombardeios, os talibãs ficariam senhores do pedaço.
E, ao contrário do que sonham os estrategistas do Pentágono, seriam seus inimigos quem ditariam os termos de um acordo final.
Não sei qual das duas estratégias vai dar certo.
Temo que só num futuro extremamente remoto alguma delas poderá vingar, dependendo de circunstâncias imprevisíveis.
O certo é que teremos pela frente ainda muitos anos de lutas e destruições cada vez mais implacáveis e ruinosas, caso EUA e talibãs mantenham suas estratégias militares.
Na verdade, os 17 anos de guerra parecem mostrar que não existe solução, nem militar, nem mesmo política- a menos que uma das partes resolva fazer uma enorme concessão à outra.
Às vezes, perder uma guerra pode ser um jeito de sair vencendo.
Ou você acha que retirar-se do Vietnam não foi bom para os EUA?