Racismo e xenofobia nas eleições holandesas.

Logo na liberal Holanda- referência nos direitos dos gays, no feminismo, na legalização das drogas, nos direitos ao aborto e à eutanásia- um politico  de extrema-direita pode ganhar as eleições parlamentares de 15 de março próximo.

Geert Wilders vem sendo considerado um novo Trump.

Ambos são populistas, racistas, xenófobos, machistas, agressivos e mentem sem dó. Eles se apresentam como candidatos diferenciados – nada teriam a ver com o elitista e omisso establishment político. Wilders, com certa impropriedade, pois há mais de 20 anos participa ativamente da política nacional como deputado federal.

Esta posição contrária aos políticos do sistema é muito bem-vista pela população. De acordo, com pesquisa da Motivation, 61% dos holandeses consideram os políticos   além de “elitistas, inconfiáveis e desonestos”.

Apesar da descrença dos cidadãos naqueles que os representam no governo, a Holanda vai bem. Depois de um duro ajuste fiscal, que trouxe grande recessão e redução de renda, o país se recuperou. Neste ano, deve crescer 2% – mais do que a média europeia de 1,6%. Enquanto o desemprego caiu para 5,2%, também superando os 9,6% médios dos seus vizinhos do Velho Continente.

Ignorando os progressos do país, a agressiva campanha oposicionista de Wilders) vinha dando certo. A partir de meados de 2016, seu partido (o PVV) manteve-se na liderança das pesquisas sobre as próximas eleições parlamentares. Só na última, realizada em 1 de março, pelo Indicador Holandês de Pesquisa, ele apareceu empatado com os liberais-conservadores (VVD), do primeiro ministro Mark Rutte. Ambos com cerca de 16%. Enquanto o os sociais-democratas, membros minoritários do governo Rutte, que, na eleição de 2014, obtiveram poucos votos a menos do que o partido mais votado- os liberais- amargam agora uma sexta colocação, com apenas 8%.

O grande sucesso popular de Wilders deve-se à violenta pregação contra os imigrantes e refugiados de nações de maioria islâmica, principalmente do Marrocos.

O líder direitista afirma que o Islã não é uma religião, mas uma ideologia política totalitária, como o comunismo e o fascismo.

Para ele, o islamismo ameaça tomar a Holanda, graças ao imenso e crescente número de islamitas marroquinos e de outros povos da mesma seita (hoje, 20% da população nacional).

Seu manifesto eleitoral dedica 1/3 do espaço para a “de-islamização” da Holanda, através de medidas como a proibição da entrada de imigrantes de países islâmicos na Holanda, fechamento das mesquitas e escolas islâmicas, proibição do Alcorão e dos seus fiéis falarem em público nas línguas dos seus países de origem.

E compara o Alcorão ao Mein Kampf, de Adolph Hitler.

Apocalíptico, o líder xenófobo garante: “se nós não acabarmos com a islamificação agora, Eurabia e Holandarabia serão apenas uma questão de tempo. Há um ano atrás havia aproximadamente 50 muçulmanos na Holanda. Hoje são cerca de um milhão. Onde isso acabará?  Estamos caminhando para o fim das civilizações europeia e holandesa. ”

Embora atacando os imigrantes de todos os países islâmicos, em geral, os do Marrocos são os principais alvos do bombardeio verbal de Wilders.

Para o candidato, “a Holanda tem um imenso problema com os marroquinos. Silenciar sobre ele é covardia, milhões de holandeses estão fartos dos transtornos e do terror causados por tantos marroquinos. ”

Ele os chama de “escumalha que tornou as ruas inseguras, especialmente através dos seus jovens…” É uma autêntica não-verdade, já que a Holanda é uma nação excepcionalmente segura, com 1/3 da média de estupros dos EUA e 1/5 dos assassinatos.

No entanto, Wilders dá uma chance aos imigrantes: adotem a cultura do país que os recebe- especialmente, as ideias liberais holandesas que incluem direitos dos gays, aborto largamente aceito e feminismo.

O que seria impossível, pois os islamitas teriam de renegar as normas do Alcorão.

As ideias de Wilders estão sendo acolhidas pela sociedade, influenciando os demais partidos a aceitá-las,  em maior ou menor grau.

A esquerda do Partido Socialita procura mostrar-se menos xenofóbica e aberta a outras culturas. Critica aqueles que não imitam   suas posições relativamente moderadas. O que levou o historiador político Hubert Smeets a comentar: “Nós somos intolerantes com pessoas que são intolerantes com a nossa tolerância. ”

Em carta aberta aos jornais, o próprio primeiro-  ministro Mark Rutte afirmou: “as pessoas que se recusam a adotar os valores holandeses, deveriam agir normalmente, ou ir embora. ”

Os  social- democratas, que atualmente compartilham o poder com os liberais de Rutte, são ambíguos no trato do problema da imigração, provável razão de sua devastadora queda nas pesquisas.

Mas e o povo holandês? Por que teria tomado uma postura em relação aos imigrantes tão contrária às suas tradições liberais?

Os marroquinos e os demais cidadãos islâmicos foram bem-vindos nos anos de 1950, quando vieram em grande número depois da 2ª Guerra Mundial para trabalhar na reconstrução da Holanda e no crescimento de sua indústria. Ninguém reclamou, afinal eram uteis e o governo havia prometido que uma vez terminados os contratos, os trabalhadores estrangeiros voltariam para seus países.

Isso não aconteceu.

Eles continuaram na Holanda, vivendo nas moradias sociais que lhes destinaram.

Foram seguidos por ondas de imigrantes (a maioria marroquinos), que não param de chegar.

Bem que o governo procura integrá-los na sociedade holandesa.

Um dos seus projetos visava recolocar, nos mesmos bairros de cidades vizinhas a Amsterdam, pessoas de classe média sem recursos para continuar pagando os supervalorizados aluguéis do centro da cidade  e  imigrantes cujas anteriores moradias baratas estavam em  estado  precário.

Nos primeiros tempos, quando se instalaram as famílias de classe média, tudo foi bem, logo as pessoas se conheceram entre si, ficaram amigas.

Quando os imigrantes começaram a chegar, a harmonia acabou.

A limpeza e a higiene são valores tracionais na Holanda.

Evidentemente, os marroquinos, em geral vindos da pobreza, não estavam acostumados a respeitar esses padrões.

As citações abaixo foram feitas por holandeses, em pesquisa realizadas em Ijburg, a respeito das mudanças geradas pelos novos moradores.

“Temos de usar os mesmos parques em certos blocos, os mesmos elevadores em outros”, “Começamos a sofrer coisas ruins- carros riscados, elevadores urinados, etc” ,

E o mais repetido pela maioria: “As ruas tornaram-se inseguras”. Não por causa dos estrangeiros indesejados. De acordo com o governo de Amsterdam, é fato que Ijburg tem uma das mais altas médias de crimes praticados por jovens. Porém, os jovens islâmicos da cidade apresentam uma das médias mais baixas.

O relatório anual do museu Ane Frank aponta que um preocupante aumento dos crimes de ódio coincide com o crescimento da candidatura de Wilders.

Nessa época a maioria das acusações contra o comportamento e hábitos dos imigrantes também cresceu.

Os sentimentos dos holandeses moradores em casas do projeto de integração do governo são assim descritos pelo jornalista investigativo Joos Niemoller: “(para eles), as ruas mudaram, as pessoas se sentem como não mais pertencessem à cidade. Mas não há para onde ir. ”

Mais queixas se sucedem em todo o país contra os imigrantes quanto a crimes, maus hábitos de higiene, a mudança da cultura nas vizinhanças, muita gente que não fala holandês…  As pessoas se vêm como estrangeiros nas suas próprias comunidades.

Não se pode negar, porém, que nesse país exemplar haja discriminação em relação aos imigrantes.

Eles reclamam que nas ruas são frequentemente  parados pela polícia sem razão, seus carros multados- sem haver qualquer violação e ainda se vêm preteridos nos empregos por cidadãos holandeses brancos. Fato provado por estudo de uma think thank mostra que os cidadãos holandeses brancos tem duas vezes mais chances de serem contratados do que os marroquinos.

Apesar de provocar vibrantes emoções nos seus concorridos comícios, Wilders jamais será primeiro-ministro, mesmo que consagrado nas urnas.

No sistema político holandês existem 28 partidos, dos quais 14 devem eleger ao menos um parlamentar.

Com essa fragmentação, nenhum partido terá chances  de  governar sozinho. Prevê-se que será necessária a formação de uma coligação de quaro ou cinco partidos para formar a maioria necessária à governabilidade.

O PVV de Wilders foi renegado por todos os demais  partidos por seu extremismo turbulento. Nenhum aceitará unir-se a ele para que o líder anti- islamismo seja nomeado primeiro-ministro.

No entanto, o ódio aos imigrantes já está enraizado na maioria da população. Embora apenas menos de 20% (conforme a última pesquisa) aceitem os excessos do líder da extrema-direita, a rejeição dos imigrantes pelo povo, fortemente despertada por Wilders, é uma realidade inegável.

Mais grave é seu efeito sobre as ações do Estado. Nos anos recentes, as leis de imigração ficaram mais duras,   a reunificação das famílias tornou-se mais difícil, foi criminalizada a residência ilegal e a dupla nacionalidade passou a seguir exigências restritivas.

Caso ganhe o maior número de votos, Wilders antecipou que exigirá um posto no ministério. Do contrário, haveria uma revolução.

Claro que não se atreverá.

Mas certamente vai radicalizar ainda mais, agitando a opinião pública com suas teses racistas e xenófobas.

 

 

 

 

 

 

 

 

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