Madrugada em Kunduz, Afeganistão.
Um avião de caça AC130 U – da força aérea dos EUA– aproxima-se do seu objetivo.
Trata-se de uma moderna aeronave, também adequada a atacar voando baixo.
Sua missão fora planejada com cuidado.
Além da base ter fornecido informações precisas, o piloto contava com os sofisticados sistemas do aparelho.
E o AC 30 U mergulhou atirando contra seu alvo: um hospital do Médicos Sem Fronteiras (Médecins Sens Frontiéres- MSF) e seus 200 pacientes..
Os mísseis e bombas explosivos disparados pelos poderosos canhões causaram efeitos devastadores, incêndios por toda a parte.
O avião voltou a atacar mais quatro vezes, até transformar o hospital em ruínas.
Assim foram mortos 22 médicos, enfermeiras e pacientes, entre os quais três crianças. Ficaram feridas 37 pessoas e 33 desapareceram.
Joanne Liu, presidente internacional do Médicos Sem Fronteiras esboçou um quadro da situação: ”Nossos pacientes queimavam em suas camas, médicos do MSF, enfermeiras e atendentes foram mortos enquanto trabalhavam. Nossos médicos tiveram de se operar uns aos outros.Um deles morreu numa mesa de escritório improvisada em mesa de operação- enquanto seus colegas tentavam salvar a vida dele.”.
Inicialmente, o comando aéreo americano disse que fora um engano, coisa comum nas guerras.
Os médicos do hospital contestaram.
O MSF várias vezes já comunicara ao comando americano a localização exata do seu hospital.
A identificação visual também era perfeita: no teto havia uma bandeira de 9 pés o texto “unidade médica protegida”.
O ataque foi mesmo desfechado de forma intencional e precisa ainda mais porque o hospital foi o único edifício do quarteirão alvejado.
Durante a primeira hora do bombardeio, os médicos avisaram desesperadamente ao comando aéreo americano do que estava acontecendo.
“Parem com isso, estão atacando um hospital”!
Não adiantou nada. O avião mergulhou mais quatro vezes, bombardeando o hospital até completar sua missão.
Não há como negar. Os americanos sabiam o que estavam fazendo.
Como sua desculpa não pegou, o comando americano mudou: agira atendendo a pedidos do comando afegão para liquidar focos de talibãs que, entrincheirados no hospital, estariam atirando contra forças do governo.
O MSF contestou, não havia talibãs armados no hospital. Embora atendesse a todos que o procurassem, até talibãs caso necessitassem de cuidados médicos.
Há quem diga ter sido esta a razão do ataque.
Fontes anônimas do The Guardian(15 de outubro) disseram que o objetivo seria matar um agente paquistanês talibã.
Continua não havendo justificação.
As próprias regras de combate do Pentágono proibiam o bombardeio. Não é aceitável destruir um edifício cheio de civis somente para matar um ou alguns inimigos
A ação tem de ser proporcional.
As instituições de direito internacional tem um nome para descrever o bombardeio do hospital: crime de guerra.
Como fez o representante de Direitos Humanos da ONU.
É a mesma posição do Comitê Internacional da Cruz Vermelha ao definir crimes de guerra como: “fazer objeto de ataques pessoal médico ou religioso ou unidades ou transportes médicos.”.
O Direito Internacional, pela 4ª. Convenção de Genebra, também qualifica como crime de guerra o bombardeio intencional de um hospital.
Ficou complicado para os EUA.
O Médico Sem Fronteiras não é uma organização beneficente qualquer.
É conhecido e respeitado em todo o planeta.
Há muitos anos seus médicos e enfermeiras trabalham nas éreas vulneráveis e conflagradas do 3º mundo, cuidado dos excluídos, dos miseráveis, dos povos mais abandonados do mundo.
A atrocidade de Kunduz repercutiu na imprensa mundial. E continua sendo focalizada com rigor, embora não tanto na grande mídia brasileira..
Os Médico Sem Fronteira querem que o massacre de seu pessoal e pacientes e a destruição do único hospital que atende uma região de 300 mil habitantes não fiquem impunes.
Exigem uma investigação internacional imparcial para apurar as responsabilidades pelo crime.
Como a investigação tem de ser imparcial, para os dirigentes do Médicos Sem Fronteiras, não pode ser feita pelos EUA, OTAN ou Afeganistão.
Eles convidaram para essa missão a International Humanitarian Fact-finding Commission (IHFC), criada pela Convenção de Genebra para investigar crimes de guerra.
A IHFC aceitou e afirmou ser indispensável a colaboração dos EUA e do Afeganistão.
Há uma certa ingenuidade nisso.
Não dá para esperar que os culpados ajudem a investigar suas próprias culpas.
Aparentemente estariam fazendo o contrário.
O Médicos Sem Fronteiras denunciou ao The Guardian (edição de 16 de outubro) que um tanque com militares americanos entrou nas ruínas do hospital, destruindo evidências que poderiam ser preciosas na investigação do crime de guerra.
Inquiridos, os oficiais americanos garantiram que vieram de tanque buscar indícios para o interrogatório militar americano.
Estavam de brincadeira.
Para entrar no hospital semi-destruído, bastava pedir licença a autoridade responsável por sua guarda.
Usar um tanque de guerra remete à velha ironia de lançar mão de um canhão para alvejar passarinhos…
Não deixa de ser uma metáfora do modo com que os EUA conduzem suas relações internacionais.
Médicos Sem Fronteiras, Emergency e outras organizaçoes fundamentais para
povos abandonados e miseraveis do mundo nunca sao mencionadas nem mesmo
como candidatas ao premio Nobel para a paz. Na Italia também nao houve grande repercuçao desse ataque americano gravissimo e parece que ninguém notou a tal falta………….Imaginemos que a policia italiana atacasse um hospital italiano para capturar um ou mais mafiosos e matasse dezenas de pessoas inocentes.
Qual seria a reaçao da populaçao e da midia?