Contradições no quintal.

Barack Obama declarou-se entusiasmado com a posição do papa Francisco a favor dos pobres. Diz que é igual à dele.

Quer mesmo encontrar-se com o papa, para discutirem planos de erradicação da pobreza no mundo.

Enquanto isso, em Honduras, pleno quintal da América, o governo local com  a colaboração dos EUA, reprime violentamente pobres camponeses expulsos de suas terras.

É o que está acontecendo em Bajo Aguán.

Os 200 mil hectares dessa fértil região eram há muito tempo explorados por empresas produtoras de bananas.

Nos anos 30, elas se retiraram, em busca de negócios mais rendosos.

Camponeses foram, aos poucos, tomando seu lugar.

Esse processo dinamizou-se nos anos 60, quando o governo promoveu uma reforma agrária, garantindo terras para pequenos proprietários e cooperativas produzirem alimentos.

Em poucos anos, a população local saltou de 30 mil para 200 mil habitantes.

Posteriormente, grandes latifundiários interessaram-se  também em entrar no Bajo Aguán.

Prestativo, o governo de plantão modificou a reforma agrária em 1992, criando obstáculos para os pequenos produtores e abrindo a região para o agribusiness.

Que não perdeu tempo em lançar mão de fraudes para contestar os títulos de propriedade dos moradores e de violências e pressões para tomar suas lavouras.

Em apenas 2 anos, alguns latifundiários conseguiram apossar-se de 73% das terras do Bajo Aguán.

Em 1997, os Protocolos de Kioto definiram que, para reduzir os impostos devidos, os maiores poluidores poderiam comprar créditos de carbono, oriundos de fontes de energia alternativa.

Descobriu-se então que as terras do Bajo Aguán eram ótimas para a produção do óleo de palma africana, combustível não-poluente.

Com financiamento do Banco Mundial, as plantações de alimentos dos sitiantes foram sendo substituídas por plantações de óleo de palma africana do agribusiness.

Para defenderem suas terras, os camponeses se uniram em movimentos, promovendo a resistência às evicções e bloqueios de estradas.

A repressão das empresas privadas, com apoio de agentes de segurança do governo hondurenho, foi brutal.

Mas os camponeses não se renderam. E assim o conflito se expandiu.

Em 2009, surgiu uma luz no fim do túnel.

O presidente Zelaya ordenou uma investigação para resolver os conflitos. Todas as transferências de propriedades seriam revisadas e anuladas as   marcadas por fraudes.

Desse modo, grande número de camponeses recuperariam as terras de que foram despojados.

E o governo apresentou uma nova lei para acertar os litígios, protegendo os direitos dos camponeses.

Mas, nesse mesmo ano, um golpe de estado militar derrubou Zelaya.

Seu sucessor apressou-se em cancelar todas as medidas agrárias do presidente deposto.

Os camponeses ficaram sem proteção legal.

Tendo o Estado contra si, só lhes restou a alternativa de ocupar as terras em mãos dos grandes proprietários.

A escalada de violências intensificou-se ainda mais.

Os grandes proprietários usaram largamente seguranças particulares, apoiados pela polícia e pelo exército.

Sucederam-se assassinatos, jamais punidos, denunciados por organizações de direitos humanos.

A situação chegou a tal ponto que, em março de 2012, 7 senadores americanos enviaram carta ao presidente Obama, expressando preocupações pelos crimes e sua impunidade. E 94 congressistas solicitaram a Hillary Clinton, então secretária de Estado, a suspensão da ajuda americana à polícia e ao exército de Honduras e a intervenção do governo dos EUA para exigir o fim da mortalidade em Bajo Aguan.

Obama não atendeu a essas manifestações.

Pior: aumentou a ajuda militar americana em 2013.

Com isso, desrespeitou a emenda Leahy, que proíbe os EUA de fornecerem assistência militar a forças estrangeiras que violem direitos humanos.

Sua desculpa foi a necessidade de combater o narcotráfico.

Coisa que Honduras vem fazendo muito mal.

Hoje, o país é um ponto de escala do tráfego internacional de drogas. Por lá passam anualmente, entre 140 e 300 toneladas com destino aos EUA e Europa.

Quem se beneficia dos dólares americanos são unidades militares como o 15º batalhão hondurenho, treinado e equipado pelo exército dos EUA.

Há muitos testemunhos de que os soldados dessa unidade promoveram dezenas de sérias violações dos direitos humanos de camponeses e ativistas, no Bajo Aguán.

Afirma-se ainda que seguranças dos grandes proprietários, realizam patrulhas e são treinados em conjunto com  os soldados do 15º batalhão.

Esses seguranças particulares chegam a usar uniformes e armas dos soldados em algumas operações.

Os números do conflito são alarmantes.

113 pessoas foram assassinadas somente  nos últimos 4 anos (depois da queda de Zelaya), muitas delas por esquadrões da morte, que agem livremente –  com total impunidade, no Bajo Aguán, por sinal, uma região patrulhada por 8 mil soldados.

Estudo realizado pela ONG Grupo Canadense de Ação de Direitos Humanos apurou que 34 atos de violências e outros crimes contra camponeses implicam diretamente o 15º batalhão “…em coordenação com forças de segurança de empresas de óleo de palma, agentes da polícia nacional hondurenha e outras unidades militares…no que pode ser descrito como atividade de esquadrões da morte.”

Karen Spring, da Ação de Direitos, conclui que: “O papel dos militares, aterrorizando e criminalizando as comunidades no Bajo Aguán, mostra a cumplicidade do estado hondurenho e do governo dos EUA ao apoiar o big business apesar dos assassinatos.”

Por sua vez, o grupo da ONU sobre mercenários apresentou consistentes relatórios de uso de armas ilegais por seguranças privados ao praticar,   com total impunidade, violações dos direitos humanos, inclusive assassinatos, desaparecimentos, evicções forçadas e crimes sexuais.

Contra a ação dessas poderosas forças e sem contar com a proteção das leis locais, os pobres camponeses do Bajo Aguán tem por si apenas as organizações de direitos humanos.

Elas não deixam de denunciar, protestar, acusar.

Os interesses das grandes empresas que exploram o óleo de palma no Bajo Aguán tem falado mais alto.

Enquanto o presidente Obama diz preocupar-se com a pobreza, feliz por pensar igual ao papa, Lisa Kubiske, sua embaixadora em Honduras, tem preocupações diferentes:

“ O governo (de Honduras) deveria garantir um sistema de justiça funcional para agir contra aqueles que estimulam os campesinos a invadir terras.”

Qual dos dois é coerente com a política da Casa Branca em seu quintal?

 

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