Pintando um novo Trump versus Kim.

Chegando de Piongiang, Mike Pompeo, secretário de Estado dos EUA, declarou que as reuniões com ministros da Coreia do Norte foram bastante produtivas. Eles teriam concordado com a pronta destruição de uma instalação de mísseis norte-coreanos.  Afirmou ainda que as sanções continuariam até a desnuclearização total.

Aparentemente, o interprete errou na tradução do que foi convencionado.

Pouco depois do encontro, autoridades do governo Kim Jong un contraditaram Pompeo publicamente. Qualificaram como “lamentável” a posição do secretário de Estado americano, conforme o chanceler Ri Yong esclareceu: “Os EUA estão levantando sua voz para mante as sanções contra a Coreia do Norte e mostrando estarem recuando  da decisão de declarar o fim da guerra (de 1950-1953, Coreia do Norte contra a do Sul, aliada aos EUA), um passo inicial e básico para a paz na península coreana.”

E Yong foi mais longe: “A confiança entre a Coreia do Norte e os EUA está se abalando, aproximando-se de uma situação altamente perigosa. A nossa determinação no sentido da desnuclearização, que tem sido firme, pode falhar”.

Os norte-coreanos reiteraram seu pedido de um desarmamento “gradual”, pari passu com reduções nas sanções. E rejeitaram exigências dos EUA, que seriam típicas de um gangster.

As coisas engrossaram mais quando, posteriormente, o serviço secreto dos EUA avisou que o ditador Kim continuava a produzir combustíveis para armas nucleares.

No começo, o governo de Washington não se manifestou. Porém, ao informar ao Senado como foi sua reunião com as feras, Pompeo se abriu. Respondendo à pergunta do democrata Ed Makey, ele admitiu que os norte-coreanos continuavam produzindo material físsil.

Diante da irritação geral, tanto de democratas, quanto de republicanos, Pompeo revelou algo espantoso a respeito dos princípios de Trump. Recentemente, o chefão lhe garantira que a diplomacia e as conversações eram preferíveis ao conflito e a hostilidade.

Puxa, e todo mundo julgando que que Trump achava exatamente o contrário!

Afinal, The Donald não tinha recusado (há muitos meses) a proposta chinesa de acordo entre ele e Kim para suspenção, respectivamente, dos jogos de guerra e fabricação de engenhos nucleares? Não foi Trump quem afirmou várias vezes que o tempo da diplomacia tinha passado? Que ameaçou fulminar a Coreia do Norte com fogo e fúria? E o caso do Irã, a quem ele promete algo tão destruidor que jamais, em tempo algum, algum país já sofreu?

Bom, deixando estas questões incômodas de lado, a verdade é que o morador da Casa Branca sabe que, se voltar ao ringue, para novo match com Kim, lá se vai tudo que conseguiu em termos de IBOPE com o “histórico” encontro de 12 de junho.

Afinal, as eleições parlamentares estão chegando e, se os democratas ganharem, podem levar muito, mas muito adiante a investigação do Russogate. Até fazer tremer a cadeira presidencial.

Exageros de lado, no acordo com a Coreia do Norte, muito pouco se conseguiu, embora não nego que, pelo menos, interrompeu a guerra verbal que caminhava para ser bem mais séria do que a troca de bravatas entre os dois valentões.

De positivo mesmo foi a promessa da Coreia do Norte de se desnuclearizar. O que faria a pomba da paz pousar entre os dois países. Então, ficariam tão amigos que, graças à ajuda dos americanos, as doçuras do capitalismo chegariam àquele país comunista e pobre, sonho, aliás, exibido num filme extremamente alvissareiro.

Cada um fez uma concessão para marcar, de imediato, a harmonia conquistada. E, de fato, a Coreia do Norte destruiu uma instalação de testes de mísseis intercontinentais, enquanto os EUA suspenderam os ameaçadores jogos de guerra, programados com a Coreia do Sul, com o objetivo de treinar um ataque geral ao vizinho do norte.

Não ficou absolutamente claro o que aconteceria com as sanções.

Trump voltou para casa esperando ser recebido em triunfo por massas agradecidas dele as ter salvado das bombas nucleares norte-coreanas.

Muita gente, de fato, o aplaudiu mas também muitos políticos e jornalistas republicanos e democratas, ranzinzas, fizeram uma série de críticas.

Foram críticas variadas, atacando desde os afagos de Trump ao ditador, até a fraqueza dele ao descer das alturas de Washington para se colocar no mesmo pé daquele irrisório país comunista.

O que pesou mais foi a acusação do presidente Trump estar repetindo os erros de presidentes anteriores, que fizeram concessões à Coreia do Norte e não receberam em troca qualquer tipo de renúncia nuclear. A história, profetizaram, iria se repetir, o traiçoeiro Kim, secretamente, manteria sua produção de materiais nucleares, com as piores intenções possíveis.

Trump e seus validos não hesitaram em dizer que desta vez seria diferente. Os EUA condicionavam o fim das sanções ao fim do processo de desnuclearização. Pompeo, em particular, foi incisivo: as sanções ficariam “exatamente como estão” até que a Coreia do Norte cumprisse sua promessa de desmanchar seu tenebroso programa.

O problema é que Kim só fará sua parte se os EUA suspenderem as sanções que estão obrigando seus súditos a passarem fome.

Não vai ser fácil para Trumpa desenredar esta teia.

Ficou claro que os interesses das duas potências são diferentes.

Kim quer o fim ds sanções, Trump quer o fim do programa nuclear do outro.

E os dois tem pressa.

Claro que não há incompatibilidade entre os objetivos.  A saída óbvia é um cronograma prevendo etapas, em que, a cada passo na liquidação nuclear, corresponderia um passo na retirada das sanções.

O problema será como definir as responsabilidades que couber a cada país, em cada etapa.

Sucede que o diabo costuma estar nos detalhes.

Para pressionar Piongiang a ser menos exigente, convocou-se o falcão John Bolton, assessor de segurança de Trump.

Ele foi taxativo, culpando Kim pelo impasse :”É apenas a Coreia do Norte que não tomou os passos que achamos necessários para desnuclearização. A ideia de que vamos suavizar as sanções só porque a Coreia do Norte quer, é algo que eu penso não está em nossas considerações. Vamos continuar aplicando a pressão máxima até que a Coreia do Norte se desnuclearize, assim como estamos fazendo com o Irã.”

A última frase é uma negação dos novos princípios pacifistas alardeados por Donald Trump. O morador da Casa Branca não parece estar usando diplomacia e conversações no trato com os iranianos. Até agora, só ameaças apocalípticas.

E não deixa de ter vínculos estreitos com a lógica dos impérios: num acordo com um país periférico, a metrópole só cumpre sua arte se ou quando lhe for conveniente.

As pressões de que fala Bolton já estão também sendo praticadas por outros ramos da administração de Washington, inclusive de forma indireta.

Fiel chacrete de Trump, Nikki Haley, a embaixadora dos EUA na ONU, intimou a Rússia a não admitir trabalhadores norte-coreanos, que estariam enviando para casa 300 milhões de dólares mensais, utilíssimos para um país sufocado pelas pressões dos EUA.

Não bate com o neo-pacifismo trumpniano a denúncia do seu governo de que a China estaria violando as sanções, ao fornecer petróleo aos norte-coreanos, necessário para que o país deles não pare completamente.

Ou mesmo as pressões sobre a Coreia do Sul para não                                                                                                 reabrir Kaesong, projeto que havia criado um conjunto de fábricas na zona neutra entre as duas Coreias, construídas e operadas com dinheiro sul-coreano, que davam trabalho a milhares de operários do Norte.

No meio de uma crise que se esboça, Pompeo deve voltar brevemente à Coreia do Norte.

Espera marcar uma nova reunião Kim-Trump. Mas é sua missão também procurar desanuviar o ambiente.

Terá, desta vez, de não falar grosso. Aceitar a tese dos cronograma paralelos, com concessões de parte a parte, em etapas, me parece absolutamente necessário.

Agora se ele continuar exigindo o fim da desnuclearização, antes de se falar em redução das sanções, poderá não haver mais um outro “encontro histórico.”

Considero, porém, que Trump e Kim, apesar de loucos, não são bobos.

Sabem que sua sobrevivência política depende deles chegarem a um acordo bom para as duas partes.

 

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