Islamismo e fundamentalismo.

O recente atentado de Paris e as grandes manifestações islamofóbicas, especialmente na Alemanha, tem incrementado acusações de um suposto caráter violento do islamismo.

As preocupações sobre esta questão foram expostas num email enviado ao OLHAROMUNDO, por ‘Pedro’.

Dada a atualidade e importância do tema, passo fazer alguns comentários a respeito.

Pedro inicia seu email falando sobre algo que leu no Alcorão e o desagradou:

“Gostaria de uma ajuda sua, eu li algumas passagens do Alcorão e as achei bastante cruéis e violentas, aqui compartilho para que você me oriente:

“Mas quanto os meses sagrados houverem transcorrido, matai os idólatras, onde quer que os acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os; porém,  caso se arrependam, observem a oração e paguem o zakat, abri-lhes o caminho. Sabei que Alá é Indulgente, Misericordiosíssimo.” – Alcorão, Surata 9,5

“Matai-os onde quer se os encontreis e expulsai-os de onde vos expulsaram, porque a perseguição é mais grave do que o homicídio. Não os combatais nas cercanias da Mesquita Sagrada, a menos que vos ataquem. Mas, se ali vos combaterem, matai-os. Tal será o castigo dos incrédulos.” – Alcorão, Surata 2,191

Não se pode julgar o Alcorão por frases esparsas, ignorando o contexto ao qual pertence, sob pena de graves distorções.

O Alcorão foi revelado pelo profeta Maomé no século VII, Idade Média, portanto, quando as guerras não respeitavam direitos humanos.

Com sua pregação, Maomé formou uma comunidade. a principio de alguns milhares de pessoas, em Meca, na Arábia.

Ela despertou a ira da elite local politeísta, pois os princípios islâmicos de um só Deus e igualdade entre raças e homens eram desestabilizadores da ordem social, pois punham idéias rebeldes nos pobres e escravos.

Durante 12 anos a comunidade islâmica cresceu, sofrendo em Meca  toda sorte de perseguições por parte dos poderes de lá.

Por fim, liderados por Maomé, os seus fiéis emigraram em massa para a cidade de Medina, fugindo a seus algozes.

Nem assim os poderosos de Meca os deixaram em paz. Foram atrás deles, obrigando-os a travar duas sangrentas batalhas, vencidas pelos seguidores do profeta.

As frases do Alcorão, citadas acima, refletem a agressividade e a violência, normais nas guerras desses tempos, especialmente quando uma das partes lutava por sua sobrevivência.

Nessa mesma época, os cristãos em guerra também não costumavam respeitar normas tipo Convenção de Genebra…

Os judeus, nos tempos bíblicos, viviam circunstâncias semelhantes às dos primeiros tempos do islamismo.

Nessa época, centenas de anos antes de Cristo, eles também se deslocaram em massa em busca de sua “terra prometida”, finalmente alcançada, a Palestina de hoje.

No seu caminho, tiveram de lutar contra povos hostis em guerras contínuas.

As escrituras sagradas reproduzem as reflexões e orientações dos seus profetas para guiarem o povo no combate aos inimigos.

Com a mesma violência encontrada pelo povo islâmico no Alcorão, nos tempos de sua afirmação como comunidade.

Dê só uma lida:

 

“O povo de Samaria carregará sua culpa, porque se rebelou contra o seu Deus. Eles serão mortos à espada; seus pequeninos serão pisados e despedaçados, suas mulheres grávidas terão rasgados os seus ventres.” – Oseias 13:16.

 

 “Derrama o teu furor sobre os gentios que não te conhecem, e sobre os reinos que não invocam o teu nome” – Salmos 79:6

 

 “E os espalharei entre gentios, que não conheceram, nem eles nem seus pais, e mandarei a espada após eles, até que venha a consumi-los”.- Jeremias 9:16

 

Em seguida, o email de Pedro cita o Alcorão condenando presumivelmente a amizade de muçulmanos com cristãos e judeus.

 “Ó fiéis, não tomeis por amigos os judeus nem os cristãos; que sejam amigos entre si. Porém, quem dentre vós os tomar por amigos, certamente será um deles; e Alá não encaminha os iníquos.” – Alcorão, Surata 5,51.

O texto contém termos traduzidos de forma incorreta, segundo o especialista em língua e religião árabes, Ro Waaseen.em The Huffington Post.

Em primeiro lugar porque a palavra “aulia” normalmente não significa “amigo”; mas sim “aliado”.

E Waaseen acrescenta :” :”O verso pede aos muçulmanos para não tomarem Al-Yahoud (judeu) e Al-Nasaraa(cristão) como aliados. A palavra “Al” em arábico indica algo ou alguém especificamente.” Portanto, refere-se a algum cristão e algum judeu em especial, não a judeus e a cristãos de um modo geral.

 

 

O verso prega contra alianças – e não amizade- contra determinados cristãos e judeus- não contra quaisquer cristãos e judeus.

Aliás, na ocasião em que Maomé comunicou este verso, seu povo estava em guerra contra o império bizantino cristão.

E agora, uma última acusação ao livro sagrado do Islã:

“Um amigo meu me disse o que no Alcorão, em lugar algum, fala do amor de Alá pelos não Muçulmanos, mas fala mais 450 vezes do ódio de Alá contra os não-Muçulmanos.”

Não sei se existem tantas frases destilando ódio aos não-muçulmanos. Acho difícil.

Sei que não precisei procurar muito para achar várias expressões de respeito aos cristãos e judeus.

Como esta:

“Aqueles que crêem (no Alcorão), aqueles que seguem o judaísmo e os Sabians e os cristãos – qualquer um que acredite em Deus e no Dia do Julgamento e trabalhe honradamente,- neles não haverá medo, nem sofrimento.”  Alcorão, Surata 5: 69.

 

O que é coerente com a realidade histórica.

Salvo em raríssimas exceções, os regimes islâmicos em todo o mundo concediam liberdade religiosa aos cristãos e judeus, os chamados “povos do livro”.

Em muitos casos, judeus tinham altos cargos nas cortes.

Por outro lado, lembro que os mouros na Espanha sofreram terríveis perseguições pelos governos cristãos, que dizimaram suas comunidades.

E os judeus foram expulsos em massa desse país e de Portugal.

Pedrp termina seu email com uma reflexão:  “Acho que é compreensível a islamofobia na Inglaterra, na França, na Alemanha e em outros lugares.”

Nesse caso, vem a propósito citar o Talmud, um livro sagrado dos judeus, registro das discussões rabínicas, codificado entre os anos 200 e 500 antes de Cristo. .

” Todo aquele que desobedece os rabinos deverá ser punido, merece a morte e será cozido em excrementos quentes no inferno.” Erubin 21b

“ Um judeu não precisa pagar um gentio (“Cuthean”) os salários devidos a ele para o trabalho.” Sinédrio 57a

 “Quando um judeu assassinar um gentio (“Cuthean”), não haverá pena de morte. O que um judeu rouba de um gentio, ele pode guardar. Sinédrio 57a

Os gentios estão fora da proteção da lei e Deus “expôs seu dinheiro a Israel.” Baba Kamma 37b

Não me parece que os não-judeus (os gentios) recebam muito amor do Talmud…

Estas idéias racistas se explicam pelas perseguições que os judeus sofriam nos vários países do mundo onde viviam, depois de expulsos da Palestina no ano de 70 d.c.

Novamente, o contexto explica e anula eventuais condenações.

Agora, se você entende a islamofobia na Europa com base em textos fora do contexto, deveria, por coerência, entender também o anti-semitismo.

É claro, nem uma, nem outra posição é aceitável.

Tanto os textos sagrados dos islâmicos quanto dos cristãos e dos judeus contem predominantemente ensinamentos preciosos e princípios elevados, que tornam suas religiões respeitáveis.

Quem leva ao pé da letra versos circunstanciais dos livros sagrados dos islâmicos, cristãos e judeus, são os chamados fundamentalistas.

Alguns limitam-se  a agir apenas politicamente, outros vão mais longe – praticam atentados.

Gente assim existe nas três religiões, embora os fundamentalistas islâmicos no momento, sejam responsáveis pela maioria das ações violentas.

Mas não estão sozinhos.

Os colonos dos assentamentos judeus  tem praticado alguns crimes contra os palestinos que se enquadram na categoria dos atentados.

E o Mossad, em anos anteriores, andou assassinado cientistas atômicos iranianos e líderes do Hamas no exterior.

No passado recente, os judeus já percorreram o caminho do terrorismo contra os árabes. O rabino Kahane, considerado terrorista até pelos EUA e Israel, chegou a passar 5 anos preso por suas atividades pouco lícitas.

Terminando meu artigo-resposta, quero lembrar um conceito tão conhecido quanto batido, porém, aqui bem adequado:

NÃO SE DEVE LEVAR PELAS APARÊNCIAS.

 

 

 

 

 

 

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