Entendendo a Coreia do Norte.

Vamos voltar para 1953.

Foi quando terminou a Guerra da Coreia com um armistício, um simples acordo de não- agressão que equivale a uma interrupção das hostilidades, as quais, aliás, poderiam ser retomadas a qualquer momento.

Tendo começado em 1950, a guerra opôs as duas Coreias entre si, sendo que a do Norte – comunista- contou com a ajuda do exército chinês e a do Sul- capitalista- com forças americanas e de 26 outros países da ONU.

Os EUA se envolveram profundamente no conflito. Seus bombardeiros despejaram uma média diária de 800 toneladas de bombas e napalm, mais do que na guerra contra o Japão.

Foram destruídos quase todos os prédios públicos norte-coreanos  e, muito mais grave, mortos cerca de 1.550.000 habitantes do país.

O horror que os bombardeios americanos provocaram no povo foi cultivado nos anos subsequentes pela imprensa e os políticos da Coreia do Norte.

Desde 1953, há 60 anos portanto, uma propaganda maciça estimula no povo o medo de uma nova agressão americana, com os morticínios e destruições que causaram no passado.

Este sentimento é reforçado pela existência de bases na Coreia do Sul, onde a Casa Branca tem mantido entre 25 mil e 60 mil soldados, desde 1953.

Prontos para atacar a vizinha Coreia do Norte, no entender do povo do país.

Outra linha-mestra da propaganda oficial tem sido acusar o imperialismo americano e seus lacaios sul-coreanos pelos principais males da região.

A fome, a falta de habitações, a crise de eletricidade – tudo seria consequência das manobras internacionais dos EUA contra o governo de Piongiang.

Agora, vamos saltar para 1998.

Nesse ano, o então presidente Kim II Sung resolveu tornar seu país a primeira “monarquia” comunista, garantindo sua sucessão para seu filho Kim Jong Um.

Para dobrar a resistência dos líderes partidários, ele buscou o apoio dos militares, que constituem uma classe extremamente poderosa na Coreia do Norte.

Ele o ganhou modificando a constituição para reduzir os poderes do Partido Comunista em favor da Comissão de Defesa Nacional – onde os militares são maioria.

Essa situação , o chamado sistema songun, na qual uma junta militar de fato divide o governo com o presidente, se manteve até agora, com Kim Jong Um dando as cartas, a partir da morte do pai.

Nos últimos meses, porém, anuncia-se uma grande quebra na colheita de cereais. A fome será inevitável, espalhando sofrimento e raiva por todo o país.

Embora muita gente pense o contrário, mesmo nos sistemas autoritários a revolta do povo ameaça a estabilidade do regime.

Além de ter de lidar com esse problema, Kim Jong Um está diante de outro, tão ou mais grave: sérias tensões entre o exército e o partido.

É difícil dizer de que lado ele está.

No ano passado, Kim Jong Um foi alvo de uma tentativa de assassinato, cuja autoria não foi esclarecida.

É certo que o ditador está sob forte pressão.

Uma prova é a demissão do general Kim Yong Choi do importante Birô Geral de reconhecimento e sua súbita e inesperada reabilitação.

Outra vem da íntima ligação de Kim Jong Um com seu tio, Jang Sung Taek, o vice- presidente e número 2 do regime.

Firme aliado da China e adepto das reformas econômicas de Beijing, Jang Sun Taek já declarou desejar sua aplicação na Coreia do Norte.

Seria uma mudança total no sistema.

Para poderosas forças no partido e/ou no exército essas ideias  representam verdadeiros sacrilégios.

Elas temem que o presidente também pretenda imitar as políticas chinesas. Por isso mesmo, ele estaria prestigiando tanto o seu tio.

Fragilizado pela fome que começa a crescer no país, Kim YunG Jong tem de enfrentar as desconfianças e pressões desses grupos.

O caminho que ele parece ter escolhido foi desafiar os EUA, inimigo número 1 da Coreia do Norte.

Apresentando-se como o defensor do povo contra as tenebrosas maquinações e agressões dos EUA e seus fantoches sul-coreanos, o jovem presidente visa conquistar “hearts and minds” dos norte-coreanos.

Quando ele ameaça atacar, atingindo até o território dos EUA com seus mísseis, mostra-se como um verdadeiro herói, um Daví enfrentando o Golias americano.

Essa postura tem também outro alvo: os militares e/ou os radicais do partido, de um lado satisfazendo sua belicosidade, do outro usando a pressão popular para forçá-los a aceitar a hegemonia de Kim Jong Um.

Lembro que a guerra verbal do governo não foi desencadeada gratuitamente.

Primeiro, ele anunciou testes com novos mísseis de longo alcance.

Para o público interno, era uma medida defensiva contra um inimigo que mantinha ameaçadoras bases militares em volta de suas fronteiras.

Os EUA não concordaram, consideraram uma atitude agressiva. Mobilizada por eles, a ONU decretou sanções punitivas contra a Coreia do Norte.

Que respondeu fazendo um teste nuclear subterrâneo.

Vieram novas sanções.

E, a seguir, os EUA pisaram na bola.

Realizaram jogos de guerra com a Coreia do Sul, cujo tema era o bombardeio da Coreia do Norte, usando, inclusive, dois aviões B-2, com capacidade nuclear.

Claro, o presidente norte- coreano aproveitou a deixa para elevar o tom de suas ameaças e , consequentemente, sua imagem junto ao povo norte-coreano.

Como vai acabar isso, não sei.

Acho que Kim Jong Kum não pode, de repente, calar a boca e dar o dito por não dito.

Seu cargo ficaria em risco.

Será necessário que os EUA atendam a, pelo menos, alguma parte das reivindicações tradicionais da Coreia do Norte, que são:

1-Assinatura de um tratado de paz entre as duas Coreias, com troca de embaixadores e reconhecimento diplomático da Coreia do Norte pelos EUA.

Isso implicaria na supressão de todas as sanções e na liberação total do acesso da Coreia do Norte ao mercado internacional:

2-Fechamento das bases americanas na Coreia do Sul, tornadas desnecessárias depois das duas Coreias fazerem as pazes.

Sua existência, queiram ou não, representa uma ameaça permanente aos norte- coreanos.

3-Unificação dos dois países. Houve uma época em que eles estavam se relacionando até que bem. A Coreia do Norte propôs então que a divisão desaparecesse, conservando cada lado seu regime. Em outras palavras seria: um Estado, dois regimes.

Comunista ao norte, capitalista ao sul.

Parece absurdo.

Em todo o caso, a ideia não foi adiante porque os EUA se opuseram e o governo de Seul  docilmente voltou atrás.

Há bons motivos para os comunistas serem favoráveis: sendo parte de um país unificado, a pobre Coreia do Norte se beneficiaria do apoio econômico da rica Coreia do Sul.

Não sei se atualmente o governo de Piongiang quer o fim da divisão.

Provavelmente, não.

Acredito que, havendo paz, a reunificação poderá acabar sendo avaliada.

Qualquer uma destas propostas dificilmente será integralmente aceita.

Para os interesses geopolíticos americanos é importante que a Coreia do Norte continue sendo a ovelha negra, que assusta  Japão e  Coreia do Sul.

Sobretudo agora que a Coreia do Norte pode ter armas nucleares.

Assim eles continuarão acolhendo bases americanas em seu território para defendê-los de supostas agressões.

Segundo o secretário da Defesa Chuck Hagel, a presença militar americana não pode ser reduzida.

Ele disse:”A America nãose pode dar ao luxo de se rtetrair- temos muitos interesses globais em risco, inclusive nossa segurança, prosperidade e futuro.”

Acho que, depois de muitas ameaças de parte a parte, a Coreia do Norte poderá conseguir um novo armistício, com levantamento das sanções, mediante compromisso de não brincar mais com armas nucleares.

Talvez ganhe de presente algumas toneladas de cereais.

E la nave va.

10 pensou em “Entendendo a Coreia do Norte.

  1. Será? Gostei do tom otimista do seu post para o desfecho dessa escabrosa situação. Mas, não creio que os EUA e a Coreia do Sul aceitem as condições da isolada Coreia do Norte. Vejo mais uma saída à Iraque (bombardeios e invasão) ou a continuação de uma situação de empurra-empurra do que a paz e a aceitação das reivindicações da Coreia do Norte, mesmo que em parte. Os EUA são arrogantes com todos, que dirá com países em que a fome é pasto para insatisfações com o governo. Talvez a não invasão e a manutenção do sistema do empurra-empurra (mais ou menos como no conflito Palestina-Israel, embora os dois conflitos sejam distintos em muitos aspectos) seja o caminho preferido pela simples funcionalidade que representa aos EUA a manutenção de um “Estado Comunista” bastante falido e ineficaz como efeito demonstração para o mundo. Ou seja, uma prova contundente do antídoto TINAs, there is no alternative system…

    • A hipótese do conflito acabar pela exaustão dos atores é bastante plausível, embora eu ache que a Coreia do Norte só se Calará quando conseguir alguma coisas – ainda que pouco- pelas imposições da sua política interna. Não convém aos EUA uma solução “à Iraque””, não agradaria ao povo americAno, farto de guerras. E o governo OBAMA, influenciado pelos seus congressistas que, ao contrário dele, tem direito à reeleição- dificilmente apelará para uma solução que o governo democrata mal com a população.

      • Concordo plenamente. Os EUA também estão com poucas opções. A opção de arrasar a Coreia com bombas não é plausível em decorrência da exaustão da abordagem (claro, não porque eles não queiram, ou não entendam que esta seja a alternativa mais correta, mas tão somente porque esta alternativa encontra-se exaurida). A opção de infiltrar espiões e asseclas para expandir “a democracia e a liberdade de opinião” parece ser um pouco mais complicada que em outros contextos, como nos países latino americanos, por exemplo, já acostumados com embaixadores e agentes norte americanos financiando organizações privadas com estes fins de fachada.
        Penso que a crise econômica e financeira, a crise em seu sistema de proteção social, as dificuldades com a escassez do petróleo e a semi paralisia política vivida nos EUA, dentre outros aspectos, deixam pouco espaço para novas aventuras militares daquele país. Resta estrangular economica e politicamente, ainda mais, aquele país e, na medida do possível, acelerar o desgaste do regime norte coreano. Ao regime norte coreano, desprovido de religião (como os países árabes) e, até certo ponto, de ideologia (como Cuba, e ao seu modo, China) que possa lhe dar coesão interna e sobrevida diante das adversidades e, ainda, com legitimidade interna abalada pela fome e desemprego crescentes, resta aumentar o tom da bravata. Resta saber até onde esta ratio irá. O risco é que repita uma saída à ditadura argentina nas Malvinas.

  2. Muito interessante os dados e a análise interna sobre o regime norte-coreano. Gostaria de saber mais sobre os interesses da China nesse xadrez, pois é o interlocutor reconhecido pela Coréia do Norte. Parabéns pelo artigo e site.

    • Agradeço suas referências elogiosas ao artigo “ENTENDENDO A COREIA DO NORTE.”. Pretendo atender seu pedido nas próximas edições do site, procurando explicar a posição da China no “affair”

  3. CAMARADA GILVAN ROCHA, VAI À MERDA !!

    O artigo era intitulado “Bravatas norte-coreanas” e fora publicado numa ciber-revista chamada Correio da Cidadania, edição de 6 de abril de 2013. Li e não gostei. Respondi ao redator desaforadamente, com raiva mesmo, porque ele já me havia combatido antes, quando não publicou meu comentário a um artigo anterior da lavra dele mesmo. Desta vez, não me dei ao trabalho de tentar comentar o texto dele. Sabia que minhas palavras sofreriam nova censura, mesmo porque, com tanta desconsideração, fui-me tornando mais agressivo. Minha resposta escapou à repressão, chegando aos olhos de meus respeitáveis leitores, nesta página, como pode ser lida abaixo.

    Quer dizer, então, camarada Gilvan Rocha, que os “socialistas revolucionários” atacam a Coreia Popular, enquanto os fascistas a defendem?! Ora, ora…

    Nesse caso, os socialistas estão alinhados com os lacaios do Sul da península. Ei-los, pois, em seu verdadeiro lugar: a utopia, onde dispõem de poder e glória, na igualdade e no progresso.

    Mas, enquanto não chega o milênio socialista, os revolucionários socialistas acomodam-se em posições inferiores. Nessa posição degradada e degradante, um só possibilidade há de salvação: a aliança com as classes operárias e populares das raças dominantes dos países imperiais.

    Acontece que o “proletariado” ocidental não corresponde a toda essa hospitalidade que lhe dedica Gilvan Rocha. O operariado europeu apenas espera condições políticas propícias – e a crise pode ensejá-las- para expulsar de suas casas os imigrantes com quem também os revolucionários do Sul fazem coro pela fraternidade universal “socialista”.

    Nessa altura gente como Gilvan perderá completamente todas as referências. Perderão a Europa, assim como perderam a Rússia,a China, o Vietnam…

    Que lhes sobrarão, então? Com que ficará o camarada Gilvan? Os socialistas politicamente corretos terão que tábua de salvação? Para onde eles olharão, mesmo estando cegos?

    Sem contar com os desgraçados do mundo, os “socialistas revolucionários” buscarão os ainda mais desgraçados, isto é, os desgraçados dos desgraçados.

    Os desgraçados mais desgraçados são muito mais desgraçados do que os “desgraçados” das classes populares europeias. Os pobres brancos da Europa são privilegiados em relação aos verdadeiramente desgraçados componentes da mulataria do Sul infeliz do mundo.

    Abaixo do plano utópico, no terreno real onde as coisas são o que são, ali o desespero não será reconhecido, mesmo em situações extremas. Sobreviverá a utopia em forma monstruosa, deformada estará a percepção, e o mal parecerá o bem, e o bem parecerá o mal, para que uma felicidade quimérica tome o lugar à desgraça concreta.

    Será essa a última mentira socialista. Esse será o socialismo do Haiti. Por isso gente estúpida como Gilvan abre as portas do Brasil para o rebanho negro que remanesce do medonho colonialismo caribenho da França.

    Ao contrário dos bravos “fascistas” da Coreia Popular, os haitianos não lutam. Se lutam, sua luta não passa de um combate patético, um simulacro de enfrentamento. Eles não lutam, apenas estendem a mão e pedem migalhas da riqueza do capital forâneo. Não importa! No socialismo as diferenças entre fracos e fortes estarão anuladas.

    Melhor não seria a sorte deles se tivessem sua própria e forte burguesia? Não seria mais favorável sua situação, se o governo haitiano fosse poderosa organização capitalista? Se soldados haitianos pudessem marchar a passo de ganso, “erguendo, de forma sincronizada, os braços em tom de ameaça, […][mostrando]o caráter fascista daquele governo”, não seria melhor.

    Seria, seria, seria muito melhor, mas não para idiotas (e censores)como Gilvan Rocha. Gente com o psicograma dele prefere a massa miserável, mas socialista, àquelas multidões em marcha altiva e cerrada no espírito do fascismo.

    Por que Gilvan pensa assim? Muito simples a questão: Gilvan aprendeu a demonizar os derrotados da II Guerra. Décadas de propaganda aliada fizeram-no acreditar na democracia, no mito dos direitos humanos, em eleições…

    Tão assimilado foi Gilvan, que não atinou para o óbvio: a “paz” de depois da guerra deveu sua existência ao poder da bomba atômica; a “organização do mundo” deveu desorganizá-lo antes; o poder foi tomado e concentrado no Ocidente…

    Esse é mundo de Gilvan. Aparentemente ele o critica, ele a esse mundo se opõe, na aparência. Na realidade, entretanto, Gilvan espera desse mesmo mundo a salvação.

    Paradoxal? Ora, a dialética não se faz de paradoxos? A contradição da contradição não acaba significando coerência? Pois é no que há de contradição naquele mundo europeu que criou o colonialismo e o imperialismo que ele acredita estar a solidariedade e o socialismo. Não seria esperar muito da gente branca, rica e fina?

    Gilvan responde que não. Europeus e haitianos são facilmente miscíveis sob a bandeira vermelha do socialismo democrático. Evidentemente não se poderia esperar que num tal arranjo sociopolítico tão heteróclito os haitianos viessem a deter uma posição hegemônica. Isso já seria demais!

    Nessa feliz conjunção, só mesmo os fascistas da Coreia Popular representam o perigo. Eles é que são os inimigos da paz. Porque não se dobraram aos “pacificadores”.

    Camarada Gilvan Rocha, vai à merda!

    • Quando acontece, perco a minha paz: depois de publicado o texto, descubro um erro de português nele. No texto em comento, que generosamente Luiz Eça acolheu em sua página pessoal, há falha de pontuação no final do 13.º parágrafo. Depois das palavras “não seria melhor” consta um ponto. Errado. Deveria haver ali um ponto de interrogação. Peço perdão aos leitores.

  4. Perfeita análise.Diria, bem didática inclusive.
    Trouxe-me muitos esclarecimentos, os quais desconhecia.
    Acredito que não seja oportuno a nenhum lado ceder….o que é lamentável. Mas isso seria demonstração de fraqueza , ao meu ver.
    Há muito jogo de poder nessa história.
    Mas…Vamos ver como o fato irá se desenrolar…
    Torço apenas para que inocentes não sejam sacrificados em nome de…nada?!
    Abraço,
    Kátia

  5. Olá,gostei muito desse site,mais…gostaria de mais explicações,bem profundas…
    Vou fazer o ENEM e quero estudar bastante!
    Se alguém souber de algo interessante por favor me envie um email:gessicabatista21@hotmail.com

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